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sexta-feira 1 de setembro de 2023 às 09:47h

Pré-sal faz 15 anos e chega à ‘maturidade’

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Um bilhete premiado. Era assim como o pré-sal era chamado, no começo dos anos 2000. O título se justificou à época por ser a maior descoberta de petróleo desde que a Petrobras começou a explorar no mar, na década de 1970, na bacia de Campos (RJ). A nova fronteira exploratória, situada entre Santa Catarina e Espírito Santo, foi anunciada em 2006 e teve o primeiro óleo comercial produzido em 2 de setembro de 2008, há exatos 15 anos, data que se completa neste sábado. Seguiu-se um período de euforia, mas a criação de diferentes modelos de produção, relembra Fábio Couto e Kariny Leal, do jornal Valor, para o petróleo nos governos petistas trouxe incertezas aos investidores e fez com que o país ficasse cinco anos sem novos leilões de áreas regidas por contratos de concessão, entre os anos de 2009 e 2013.

A coexistência de diferentes regimes jurídicos para o setor de petróleo se tornou realidade em 2010, quando a União introduziu a partilha de produção e a cessão onerosa, que passaram a conviver com a já existente concessão. Essa conjuntura, aliada a uma política rígida de compras locais para o setor, acabou atrasando investimentos no pré-sal, na visão de especialistas. Mesmo assim, o pré-sal foi decisivo para o Brasil tornar-se exportador de petróleo, embora ainda dependa de importações de derivados.

Uma amostra de como o petróleo vem ganhando relevância na economia brasileira nos últimos anos está nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo o instituto, a indústria extrativa, onde se enquadra o segmento de óleo e gás, aumentou a participação no Produto Interno Bruto (PIB) de 1,4%, em 2000, para 5,4% em 2022. O aumento foi fruto, em parte, do crescimento da produção de petróleo no pré-sal.

O economista Thiago Xavier, analista da Tendências Consultoria, disse que o comportamento da indústria extrativa se deu por efeitos estruturais e conjunturais tanto no petróleo quanto no minério de ferro: “O petróleo teve aumento de produtividade nos últimos anos, puxado pela exploração do pré-sal. Isso se traduziu em aumento das exportações.”

Em 15 anos de operação, o pré-sal produziu 5,5 bilhões de barris de petróleo. O volume corresponde a cerca de 25% dos 23 bilhões de barris extraídos desde que o Brasil começou a produzir a commodity, em 1941, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Se fosse um país, o pré-sal ocuparia o 11º lugar no ranking mundial de produtores de petróleo, diz a Petrobras.

Novas plataformas serão 100% elétricas ”
— Joelson Mendes

Esta é a primeira de uma série de reportagens que o Valor publica nas próximas semanas sobre o pré-sal e a indústria do petróleo no país. A primeira reportagem, publicada hoje, traz um panorama desta que é hoje a principal fonte produtora de petróleo e gás do país. A cada semana de setembro este jornal vai discutir aspectos da indústria de petróleo como a contribuição para as contas públicas e as exportações, a geração de royalties e os efeitos dessa riqueza para Estados e municípios bem como novas fronteiras, o que passa pela discussão da Margem Equatorial.

O pré-sal tem papel relevante na produção, embora se vislumbre um declínio dos volumes até o início da próxima década. Hoje o pré-sal responde por 78% da produção nacional de petróleo e esse percentual deve ultrapassar 80% em 2032, segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE). “Esperamos que a produção de petróleo no Brasil chegue ao fim de 2023 em cerca de 3,5 milhões de barris por dia e deve subir até 2028 para 5 milhões de barris por dia, impulsionado pelo pré-sal. Desses 5 milhões, o pré-sal deve representar 3,9 milhões em 2029”, disse Heloísa Borges, diretora de estudos de petróleo, gás natural e biocombustíveis na EPE.

O pré-sal é uma região geológica na qual a exploração e produção se dá em águas ultraprofundas. Na região, o leito marinho pode estar até 3 mil de metros de profundidade. Após atingir o fundo do mar, as sondas ainda precisam perfurar cerca de 5 mil metros de rocha ou mais, incluindo a camada de sal, até atingir o reservatório de petróleo.

O cenário atual da indústria é diferente da década de 1970, quando houve as primeiras descobertas de petróleo na bacia de Campos, no Rio. Naquela ocasião, o mundo vivia os choques do petróleo e o Brasil dependia das compras externas para produzir combustíveis. Antes de passar a produzir nas águas profundas da bacia de Campos, a atividade se deu primeiro em águas rasas e antes ainda em terra. O primeiro campo de petróleo offshore foi no mar de Sergipe, em 1969, com poço a 30 metros de profundidade. Houve uma mudança a partir de 1974, quando a Petrobras começou a produzir óleo na bacia de Campos, a profundidades que ultrapassaram 1 mil metros, no chamado pós-sal (camada geológica situada acima do pré-sal). Campos chegou a corresponder a mais de 80% do total de petróleo produzido no país.

O passo seguinte seria o desenvolvimento do pré-sal em águas ultraprofundas. Entre o primeiro óleo do pré-sal, em 2008, e a produção de 1 milhão de barris por dia na região, em 2016, passaram-se oito anos. Mas o avanço poderia ter sido mais rápido. Em 2007, um ano depois da descoberta, no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, a Petrobras anunciou a maior descoberta do pré-sal até então, o campo de Tupi, na bacia de Santos, que começou a operar em 2009 e hoje lidera a produção na região. Mas na mesma data em que anunciou Tupi, o governo retirou de leilão 41 blocos da área de influência da nova fronteira exploratória. A medida tirou atratividade dos leilões.

Em 2010, a exploração e produção de petróleo no Brasil, que era baseada em contratos de concessão, passou a contar também com o regime de partilha para blocos nas áreas do pré-sal, segundo o qual a Petrobras seria o operador em todas as áreas, com participação mínima de 30%. No regime de partilha, as petroleiras atuam como prestadoras de serviços e destinam parte da produção ao governo na forma de “óleo-lucro”.

Nesse mesmo ano, a Petrobras assinou com a União o contrato da cessão onerosa, que deu o direito à estatal de explorar um volume de até 5 bilhões de barris de óleo equivalente (boe) em seis blocos do pré-sal na bacia de Santos mediante pagamento de US$ 42 bilhões à União. Os valores foram revistos em acordo assinado em 2019.

Agentes da indústria dizem que a existência de diferentes tipos de contrato resultou do interesse do governo à época de se apropriar de parte da riqueza do petróleo. A Pré-Sal Petróleo (PPSA) estima que a União vai receber cerca de US$ 344 bilhões em recursos dos contratos de partilha até 2031, sendo US$ 157 bilhões com a comercialização do óleo do pré-sal, US$ 100 bilhões em royalties e US$ 87 bilhões em tributos.

O problema é que a convivência desses distintos modelos gerou incertezas e paralisou os leilões por cinco anos. Só em 2013 seriam retomados os certames, incluindo dois de concessão e um de partilha que ofertou o megacampo de Libra, no pré-sal da bacia de Santos. Nele, houve um único ofertante, a Petrobras, em consórcio com outras empresas, incluindo petroleiras chinesas. Em 2016, a Petrobras foi desobrigada de atuar em todos os campos no regime de partilha. Na época, se flexibilizou a regra de exigência de conteúdo local.

O diretor de exploração e produção da Petrobras, Joelson Mendes, diz que as reservas dos campos envolvidos na cessão onerosa revelaram-se muito maiores do que o estimado pela companhia. Depois de negociações concluídas em 2019, a ANP realizou leilões do chamado excedente da cessão onerosa. “O acordo da cessão onerosa teve papel importante no desenvolvimento do pré-sal”, disse. O excedente envolveu a venda dos volumes acima de 5 bilhões de boe cedidos à Petrobras, em 2010.

A última evolução regulatória no setor se deu com a criação da oferta permanente, que substituiu o modelo de leilões tradicionais de áreas, o que traz como vantagem permitir que as petroleiras tenham mais agilidade para manifestar interesse em exploração de áreas.

O analista do UBS BB Luiz Carvalho diz que o pré-sal brasileiro é um dos melhores ativos do ponto de vista global em termos de qualidade: “Qualquer companhia gostaria de ter acesso a uma área como o pré-sal. Primeiro pelo tamanho dos reservatórios, que são grandes e produzem por muito tempo. Segundo pela produtividade do poço, que é uma das maiores do mundo. É um ativo acima da média global, com baixo custo de produção em função da produtividade. É bastante competitivo.”

O presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), Roberto Ardenghy, observa que o atual custo de extração de petróleo está um pouco acima de US$ 2/barril, 10% do que era estimado no passado. Décio Oddone, ex-diretor-geral da ANP, salientou que a cotação do petróleo para viabilizar projetos de exploração, o chamado “break-even”, era de US$ 65 quando o pré-sal foi descoberto, ao passo que hoje existem projetos com custo e viabilidade abaixo de US$ 30, resultado das evoluções verificadas ao longo dos anos.

“Depois de 15 anos, o pré-sal está trazendo o resultado que se esperava. Essa etapa da viabilidade técnica e econômica foi superada há muito tempo atrás”, disse Oddone. As áreas de produção estão concentradas entre as bacias de Santos e Campos, situadas em 22 campos. Alguns deles, inclusive, têm contratos de produção no pré e no pós-sal. Só a Petrobras possui 56 plataformas em operação, sendo 31 no pré-sal.

A previsão da Petrobras é de incorporar até 2027 mais 14 plataformas flutuantes do tipo FPSO, sendo 11 no pré-sal. A sigla designa unidades que produzem, estocam e escoam petróleo e gás.

Joelson Mendes, da Petrobras, acrescenta que as novas plataformas a entrar em operação serão elétricas, as chamadas “all electric”, em que as funções da própria unidade são executadas por energia elétrica, sem produção de gases de efeito estufa. Nesse sentido, a companhia defende que explorar o pré-sal tem uma vantagem ambiental por contar com um óleo com baixo nível de carbono, num cenário em que a descarbonização vem ditando a pauta energética.

Felipe Perez, analista da S&P Global, explica que a qualidade do petróleo retirado do pré-sal é uma das vantagens da área e permite que o Brasil ganhe notoriedade internacional. “O petróleo do pré-sal, do ponto de vista do refinador, é um bom material para o consumidor. É fácil de processar, bom para refinarias. O Brasil está entre os dez principais produtores do mundo e a descoberta do pré-sal reposicionou o país nessa participação mundial”, afirmou Perez.

Conforme dados da petroleira BP Energy, em 2021 a produção brasileira representava 3,3% do total de petróleo produzido no mundo. Era a maior fatia entre países das Américas do Sul e Central. Na época, o país produzia, em média, 2,9 milhões de barris por dia. Em 2011, esse volume era de 2,1 milhões de barris por dia. Entre 2011 e 2021, o crescimento da produção brasileira de petróleo foi de 3,2% por ano. Em 2021, os EUA respondiam por uma fatia de 18,5% da produção mundial de petróleo, a Arábia Saudita, por 12,2%, mesmo percentual da Rússia, e o Canadá, por 6%, por exemplo.

Hoje, segundo a Petrobras, o pré-sal responde por mais de um terço da produção da América Latina. O volume acumulado produzido desde o início da produção da região ultrapassa países reconhecidos como nomes tradicionais do setor, casos de México, Noruega e Nigéria.

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