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quarta-feira 22 de novembro de 2023 às 20:28h

Por que o mundo árabe receia assumir responsabilidade por Gaza

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Em debates sobre o futuro pós-guerra no enclave palestino, nações árabes têm se mostrado relutantes e até hostis sobre participar da formação de um novo governo local e da reconstrução de sua infraestrutura. Aiman Safad, ministro das Relações Exteriores da Jordânia, que no Oriente Médio é um dos países que dialogam com Israel, deu no sábado (18) uma declaração dura sobre o conflito na região: a guerra que Tel Aviv vem travando contra o Hamas na Faixa de Gaza é uma “agressão flagrante” contra civis palestinos e ameaça desestabilizar toda a região.

Ao impedir a entrega de alimentos, medicamentos e combustível à Faixa de Gaza, Israel estaria cometendo “crimes de guerra”, disse. Seu país é considerado na região como pró-Ocidente e mantém relações oficiais com Israel desde meados da década de 90, embora de maneira fria. “Todos nós devemos apontar, em alto e bom som, a catástrofe que a guerra israelense significa não apenas para a Faixa de Gaza, mas para toda a região”, afirmou ele no evento Diálogo Manama, do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos do Bahrein.
As palavras de Safadi deixam claro que até os países árabes que reconhecem diplomaticamente Israel estão se distanciando de sua resposta militar ao ataque terrorista do Hamas em 7 de outubro.

O fato de o Hamas ser classificado como organização terrorista na Alemanha, na União Europeia, nos EUA e em outros países não importa no momento. O que importa mais é a solidariedade que muitos cidadãos dos países árabes sentem pelos palestinos na Faixa de Gaza, especialmente em vista do alto e crescente número de mortos desde o início da retaliação militar de Israel.

Em particular, os países árabes não se mostram dispostos a participar do reestabelecimento de uma nova ordem política na Faixa de Gaza após o fim da guerra – o que ainda não se sabe quando ocorrerá. Safadi enfatizou que os Estados árabes não estão dispostos a deixar que Israel faça o que quiser e depois limpar a sua “bagunça”. Os representantes dos Emirados Árabes Unidos (EAU) e da Arábia Saudita expressaram opiniões semelhantes.

Preocupação em não ser visto como inimigo

Há motivos políticos para essa contenção. Por um lado, há a questão da segurança – e se Israel realmente conseguirá aniquilar o Hamas. Safadi não acredita nisso. “Não entendo como esse objetivo possa ser alcançado”, disse em Manama, segundo a agência de notícias alemã dpa. “O Hamas é uma ideia.” Uma ideia não pode ser erradicada com bombas, afirmou.

Assumir responsabilidade política ou até mesmo militar no futuro da Faixa de Gaza, na qual estruturas ou pelo menos simpatia na população pelo Hamas poderiam seguir existindo, deixaria a Jordânia em situação muito delicada – e vulnerável a uma possível acusação de “cumplicidade”, o que seria perigoso em termos de política interna.

Por isso, Safadi não vê o futuro político da faixa costeira como uma responsabilidade da Jordânia ou de outro país árabe: “Deixe-me ser bem claro”, explicou. “Nenhum militar árabe irá para Gaza. Nenhum. Não seremos vistos como inimigos.”

Postura ambivalente no Golfo

De acordo com Nicolas Fromm, cientista político da Universidade Helmut Schmidt, em Hamburgo, não é coincidência o fato de o ministro das Relações Exteriores da Jordânia ter sido tão claro sobre o tema. “A Jordânia já tem um tratado de paz com Israel há muito tempo. Os dois países têm trabalhado juntos de várias maneiras há décadas. É por isso que o reino foi e continua sendo amplamente criticado em algumas partes do mundo árabe.”

Outros Estados árabes, especialmente os do Golfo, provavelmente estão em situação semelhante. Alguns deles, como os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein, só concluíram acordos de normalização com Israel há alguns anos. Outros, como a Arábia Saudita, matinham boas relações não oficiais com Israel até recentemente.

Agora eles devem perdem margem de manobra para isso, já que parte da sua população se opõe a esse curso. “A questão palestina continua a desempenhar um papel importante no mundo árabe e também tem um grande potencial de mobilização emocional e política”, diz Eckart Woertz, diretor para Oriente Médio do Instituto GIGA, em Hamburgo. Os governantes não podem ignorar o humor da população.

Mesmo assim, é provável que alguns países do Golfo tenham uma atitude mais ambivalente em relação ao conflito em Gaza, diz Woertz: “Alguns Estados [árabes] têm uma posição muito crítica sobre o Hamas. Afinal, é uma ramificação da Irmandade Muçulmana, que é considerada uma organização terrorista no Egito, na Arábia Saudita e nos Emirados.”

Os governos desses países poderiam, portanto, ficar secretamente felizes se o Hamas fosse neutralizado na Faixa de Gaza ou, pelo menos, enfraquecido. Ao mesmo tempo, porém, as capitais árabes também reconhecem o sofrimento da população civil, afirma.

Menos verbas para reconstrução

Outro grande desafio após o fim da guerra será ajudar a Faixa de Gaza, que já estava empobrecida economicamente antes do início da guerra, a se reerguer. É improvável que o território, que vem sendo bloqueado por Israel e pelo Egito há anos, consiga fazer isso sozinho.

“Mas ninguém, nem Israel, nem os Estados Unidos, nem os Estados árabes ou os líderes palestinos, quer assumir a responsabilidade por isso”, resumiu a revista The Economist sobre os resultados do evento em Manama. Mesmo antes da guerra, os ricos países do Golfo estavam cansados da diplomacia do talão de cheques e poderiam relutar em financiar qualquer reconstrução, de acordo com a análise.

Um diplomata do Ocidente não identificado afirmou à The Economist: “Eles já reconstruíram a Faixa de Gaza várias vezes”. Se a reconstrução da Faixa de Gaza “não fizer parte de um processo de paz sério, eles não pagarão.”

Woertz também considera que uma solução política duradoura, especificamente uma solução de dois Estados, é um pré-requisito mínimo para um possível envolvimento árabe na reconstrução da Faixa de Gaza: “Não se pode simplesmente reconstruir a cada poucos anos e depois destruir novamente. A União Europeia e os países do Golfo provavelmente têm visão semelhante.”

O cientista político Fromm acrescenta que os países do Golfo também demonstraram, de modo geral, maior contenção financeira nos últimos 15 anos. A disposição de gastar dinheiro nesses países diminuiu significativamente por motivos econômicos. “Antes a racionalidade econômica era colocada em segundo plano. Entretanto, nesse meio tempo, a população ficou mais consciente sobre os custos. Muitos cidadãos agora são a favor de maior restrição.”

Receio de expansão do conflito

A elite política dos países do Golfo também está interessada em manter o conflito fora de sua própria região o máximo possível, segundo uma análise da revista do Oriente Médio Al-Monitor.

De acordo com a publicação, eles contam com o fim da guerra em algum momento, mas ainda não se sabe quanto tempo isso levará. O Hisbolá, no Líbano, e os rebeldes houthis, no Iêmen, ambos apoiados pelo Irã, podem inflamar mais o conflito, assim como o próprio Irã. O mesmo vale para as milícias pró-iranianas no Iraque. Os houthis, por exemplo, capturaram um navio de carga no Mar Vermelho há poucos dias, que eles acusam de ter ligações com Israel. Esse incidente também poderia levar a uma escalada.

Mas o risco de uma escalada do conflito também poderia motivar alguns países árabes a se envolverem mais na busca de uma solução – em prol de sua própria segurança. Essa é a opinião de Fromm. Não importa qual será a solução política, mas ela teria que oferecer aos palestinos uma perspectiva adequada, diz. “Se isso não for bem-sucedido, continuará a haver frustração, raiva e, portanto, violência.”

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