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quinta-feira 1 de setembro de 2022 às 10:49h

Com 6,1% de ministras desde 1985, presença de mulheres no governo ganha importância central nas eleições

NOTÍCIAS, POLÍTICA


Quatro anos depois da eleição do governo mais conservador desde a redemocratização, neste ciclo eleitoral a defesa da paridade de gênero adquiriu uma importância inédita. No primeiro debate presidencial, realizado no último domingo, as candidatas Simone Tebet (MDB) e Soraya Thronicke (União) se comprometeram a nomear o mesmo número de mulheres e homens nos ministérios caso sejam eleitas, algo que nunca esteve perto de acontecer.

Levantamentos do jornal O Globo mostram que a presença feminina no primeiro escalão da política brasileira é historicamente baixíssima. A proporção de mulheres ministras varia de menos de 2% — nos casos do governo de José Sarney (MDB), no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), e na gestão de Michel Temer (MDB) — a 15,9%, recorde registrado no primeiro mandato de Dilma Rousseff. O presidente Jair Bolsonaro (PL), que concorre à reeleição, indicou apenas quatro ministras entre as suas mais de 50 nomeações. Dos 556 nomes escolhidos para pastas ministeriais desde a redemocratização, em 1985, apenas 34 foram mulheres, o equivalente a 6,1% do total.

A disparidade se mantém nos Executivos estaduais, onde a proporção de mulheres secretárias destoa muito da população feminina no Brasil (51,8%, de acordo com o IBGE). Segundo o levantamento, dos 27 estados do país, apenas 125 mulheres ocupam alguma das 563 pastas mapeadas, o equivalente a 22% do primeiro escalão.

Como as participações de Tebet e Thronicke no debate da Band demonstraram, a pauta, tradicionalmente identificada a setores progressistas, agora furou a bolha da esquerda. Em contraste às candidatas, o líder das pesquisas Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se desviou da pergunta e evitou se comprometer com a igualdade de gênero nos comandos ministeriais:

— Não sou de assumir compromisso, de me comprometer a fazer metade, indicar religioso, indicar mulher, indicar negra, indicar homem. Ou seja, você vai indicar as pessoas que têm capacidade para assumir determinados cargos — disse o petista.

Os posicionamentos de Tebet e Thronicke indicam a influência de pautas feministas e do voto feminino na política brasileira, enquanto o de Lula demonstra a dificuldade de setores tradicionais — e mais bem posicionados para assumirem o poder — para colocarem em prática demandas emergentes da sociedade.

Decepção do eleitorado

Segundo a pesquisadora especializada em gênero Lígia Fabris, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a declaração de Lula decepciona parte de seu eleitorado:

— É uma pauta importante, e ainda que não pudesse se comprometer nesse momento, seria muito importante que fizesse alguma afirmação que reafirmasse o seu compromisso com o tema. Considero uma oportunidade perdida, e é claro que impacta eleitoralmente — afirmou Fabris ao GLOBO. — Para mim, ele não deu a resposta que mulheres preocupadas com esta pauta esperavam.

A professora acrescenta uma diferença importante, no entanto: é mais fácil para Tebet e Thronicke, ambas com pouca expressão nas pesquisas, se comprometerem com a paridade de gênero em ministérios, já que, ao contrário de Lula, dificilmente terão a oportunidade de serem cobradas por suas declarações:

— Para elas, se comprometer com a paridade de gênero é muito mais fácil do que para Lula, como não têm nenhuma chance de ganhar — afirmou. — Mas, por outro lado, é importante que o tema seja colocado na roda, nem que seja para gerar um constrangimento aos caciques homens brancos.

No mesmo debate, o candidato do Partido Novo, Felipe d’Avila, chamou a patrulha Maria da Penha de “polícia Maria da Paz”, enquanto Ciro Gomes (PDT) tampouco se comprometeu a ter um ministério com paridade de gênero. Também não o fez o presidente Jair Bolsonaro (PL), que recebeu muitas críticas devido à maneira agressiva como tratou a jornalista Vera Magalhães.

Presença de mulheres nos ministérios

Segundo Flávia Biroli, professora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), os ministérios, assim como as secretarias estaduais e municipais, são espaços usados como trampolins para a disputa de cargos eletivos. A ausência de mulheres em funções no Executivo, desta maneira, funciona como mecanismo de limitação às suas carreiras políticas.

— Há um percentual muito baixo de candidatas com viabilidade eleitoral para os governos estaduais, e o percentual de prefeitas eleitas também é pequeno (13%). Quando os homens são eleitos prefeitos e governadores, eles compõem as secretarias com maioria masculina. A experiência, a visibilidade e o acesso a dinâmicas políticas são assim negados às mulheres — disse. — Quando você ocupa um cargo assim, você ganha peso no partido e recursos, inclusive simbólicos. O jogo político se dá muito nessas redes, onde as mulheres não estão.

A pesquisadora observa que tem havido uma atenção maior às mulheres como eleitoras, com a reivindicação da conexão com os problemas femininos. Ela acrescenta que os governos de Dilma Rousseff representaram um avanço neste sentido.

— Gênero aparece como algo que é muito mais importante do que aparecia antes. É como se a política brasileira tivesse descoberto as mulheres, porque, principalmente a partir de 2018, a gente começou a perceber que elas têm um padrão de voto que pode ser distinto do padrão dos homens — afirmou. — O governo com o maior número de ministras foi o governo Dilma, o que provou que há uma conexão entre ter uma mulher na presidência e representatividade. A queda foi mais brutal no governo Temer, e permanece até hoje.

Áreas sem peso

Mesmo quando lideram as pastas, as mulheres com frequência ficam restritas a áreas sem grande peso político e financeiro. Atualmente, só no Ceará a secretaria da Fazenda é liderada por uma mulher, Fernanda Mara Pacobahyba. Em contraposição, a presença feminina é mais forte em áreas mais ligadas ao cuidado, como Assistência Social (11 secretarias estaduais), Educação (11) e da Mulher (oito).

A exclusão de gênero se repete no governo federal, no qual, das 23 atuais pastas ministeriais, só uma é chefiada por uma mulher — justamente a da Mulher, Família e Direitos Humanos, sob o comando de Cristiane Britto.

Atualmente, Alagoas é o único estado com um governo com paridade de gênero no Brasil. Dos 23 secretários do governador Paulo Dantas (MDB), 12 são mulheres. Ao assumir em março para um mandato-tampão, ele disse que pretendia “trabalhar para mudar essa estrutura machista secular que existe em nosso estado”. O recorde negativo fica com Santa Catarina, onde, das 22 secretarias, nenhuma é chefiada por uma mulher.

Nestas eleições, além do Executivo federal, alguns candidatos a governador com viabilidade eleitoral — geralmente da esquerda, mas não só — assumiram o compromisso da paridade de gênero. Este é o caso de Fernando Haddad (PT) em São Paulo, Marcelo Freixo (PSB) e Rodrigo Neves (PDT) no Rio de Janeiro, Roberto Claudio (PDT) e Elmano Freitas (PT) no Ceará, e Marília Arraes (Solidariedade), Miguel Coelho (União) e Danilo Cabral (PSB) em Pernambuco.

A pauta é também tendência em governos de centro-esquerda da região. Na Colômbia, o presidente Gustavo Petro assumiu o poder no início do mês com um Gabinete com paridade, e mulheres liderando pastas como Trabalho, Minas e Energia, Habitação e Saúde. Já no Chile, Gabriel Boric assumiu em março um governo composto por 14 mulheres e 10 homens. No domingo, o Chile realiza um referendo sobre uma nova Constituinte que inclui a paridade em um de seus artigos. A Carta foi a primeira escrita com paridade de gênero no mundo.

Segundo Lígia Fabris, a tendência indica a mobilização das mulheres por igualdade no Brasil e no mundo. Ela observa, no entanto, que não necessariamente isso significa um avanço de pautas feministas. Como exemplo, nenhum dos concorrentes ao Planalto, incluindo Tebet e Thronicke, defende o direito de escolha pelo aborto, uma reivindicação histórica das feministas brasileiras:

— A gente precisa lutar sim pela maior presença de mulheres nos espaços de poder, mas isso só não garantirá equidade. As mulheres também são um grupo social múltiplo em termos de visão de mundo, e há mulheres que trabalham contra o interesse do grupo — afirmou Fabris. — Precisamos de mais mulheres, mas mais mulheres comprometidas efetivamente com o avanço da igualdade entre homens e mulheres e com o combate à discriminação. Ser mulher não é uma essência. Já diz alguma coisa, mas é apenas o ponto de partida, não o de chegada.

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