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segunda-feira 26 de junho de 2023 às 18:21h

YouTube privilegiou disseminação de vídeos contra PL 2630 das Fake News

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O YouTube, canal de vídeos do Google, privilegiou a distribuição de vídeos contrários ao projeto de lei 2630, o PL das Fake News, nos dias que a Câmara dos Deputados debatia a proposta. Vídeos de grupos da extrema-direita que tacham o PL das Fake News de “censura” foram mais recomendados para usuários do YouTube dos que conteúdos favoráveis ao tema.

Como revelou o Estadão, Google e Meta (empresa que controla Facebook, Whatsapp e Instagram) atuaram para barrar a votação do PL 2630 pelos deputados federais. As bigtechs usaram seu poder de disseminação de informações e pressionaram os parlamentares para impedir que a proposta fosse submetia ao plenário da Câmara numa ação que durou 14 dias.

Ao participar de um evento nesta segunda-feira, 26, sobre transformação digital, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), admitiu o teor da reportagem do Estadão. “Uma mobilização das chamadas big techs, que ultrapassou os limites do contraditório democrático, ao lado da interpretação de alguns quanto a possíveis restrições á liberdade de expressão não nos facultou reunir as condições políticas necessárias para levar este projeto a votação”

O Estadão teve acesso a um levantamento acadêmico, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD), feito entre 25 de abril e 5 de maio de 2023 usando uma ferramenta que simula experiências de usuários que procuraram informações sobre o PL das Fake News e os conteúdos relacionados. Segundo o estudo, os cinco vídeos mais assistidos contra o texto somaram 7,4 milhões visualizações ante 919 mil de conteúdos neutros ou favoráveis ao projeto.

“Os vídeos pró-PL até aparecem, têm visualização. Mas eles ficam insignificantes nas recomendações (do YouTube). Não conseguem vencer as opiniões críticas”, disse Ana Julia Bernardi, doutora em Ciência Política pela UFRGS, responsável pelo estudo ao lado de João Guilherme Bastos dos Santos, pesquisador do INCT.DD.

Um dos canais mais indicados na discussão sobre o PL foi o do biólogo Paulo Jubilut. Foram 744 recomendações para o vídeo “O PL das Fake News tem problemas graves!”. O sistema de recomendação de vídeos pelo YouTube funciona como uma espécie de direcionamento para induzir os usuários a assistirem determinados conteúdos.

Outro influenciador beneficiado com as recomendações do YouTube foi o pastor Rodrigo Mocellin, que fez um vídeo chamado “PL da Censura: Votação hoje quer proibir até a Bíblia”. O vídeo tem quase 150 mil visualizações.

A foto que ilustra o vídeo antes de ser assistido exibe o pastor em posição reflexiva. Ao fundo, uma foice e um martelo, símbolo que representa o comunismo.

“Na prática, o governo quer nos censurar. Você sabia que até versículos bíblicos serão proibidos se essa lei for aprovada?”, questiona o pastor no vídeo publicado um dia antes da votação do requerimento de urgência do projeto, aprovado no plenário, repetindo uma notícia falsa já desmentida pelo Estadão Verifica.

Nos comentários, usuários reclamam de pessoas que votaram no presidente Luiz Inácio Lula da Silva e lamentam a possível aprovação do PL. “Finais dos tempos, a palavra de Deus se cumprindo. Apocalipse vai nos dizer, que sejamos fiéis até a morte, dar lheei a coroa da vida !!!!”, escreveu um usuário. A resposta tem mais de 200 curtidas.

A pesquisadora Ana Julia Bernardi explica que a recomendação de vídeos com viés contrário ao PL 2630 pode ter impacto direto na formação da opinião de quem nunca teve informação sobre o projeto. “Vamos supor que o primeiro contato com o PL são essas opiniões que dizem que o PL seria uma ‘censura’. Esses canais usam construções muito sedutoras que levam justamente os usuários para a posição do radicalismo”, disse Ana Julia.

Para o pesquisador João Guilherme Bastos dos Santos, há uma desproporcionalidade na indicação de vídeos contra o projeto de lei. “Chegamos a um resultado muito desbalanceado com um viés muito específico”, disse. Ele destaca que o alcance do canal de vídeos do Google é tão grande que pode se sobrepor às emissoras de televisão de canal aberto.

Uma pesquisa publicada pela Kantar Ibope Media aponta que o YouTube isoladamente tem a segunda maior audiência em conteúdos audiovisuais no Brasil. 14,9% dos brasileiros veem a plataforma de vídeo, superando o número de emissoras da TV aberta como a Record, o SBT e Band.

YouTube nada diz

O YouTube não explica como exatamente funciona a área de recomendações de vídeos, quais conteúdos são privilegiados e quais têm a preferência de exposição. Sabe-se que cada usuário pode ter uma experiência específica determinada por um algoritmo (linha de comandos computadorizados que determinam o funcionamento de plataforma digital) a partir dos vídeos que ela costuma consumir com mais frequência. Procurada, a empresa não respondeu como procedeu no caso do PL das Fake News.

O trabalho de Ana Júlia Bernardi e João Guilherme Bastos dos Santos coletou 14.163 vídeos. O material foi classificado em seis diferentes grupos ou “bolhas” segundo o tipo de conteúdo. Em apenas um grupo, o de quem assistia reportagens, não predominavam vídeos contra os PL 2630. Nas demais bolhas, o projeto de lei era tratado como o “PL da Censura” ou “PL do Cala a Boca”.

O YouTube faz parte do Google. O buscador que praticamente monopoliza as pesquisas online acumula brigas com o governo. No começo de maio, a Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor, que faz parte do Ministério da Justiça, abriu um processo administrativo para investigar a conduta da empresa, que colocou em sua página inicial que o PL “pode aumentar a confusão sobre o que é verdade ou mentira no Brasil”. O Google retirou a mensagem com um link do endereço.

Neste momento, o PL está travado na Câmara. Após uma forte pressão das redes sociais, partidos como o Republicanos, que ajudaram na aprovação do requerimento de urgência, mudaram o posicionamento e votarão contra o projeto.

Frente ao cenário de provável derrota, o governo pediu pelo adiamento da aprovação da proposta no plenário e o projeto passará por ajustes até garantir a maioria simples para aprovar a proposta.

Transparência

O YouTube, assim como a grande maioria das plataformas, não é transparente sobre a composição do seu algoritmo, o que torna impossível saber como exatamente funciona a sugestão dos vídeos ou que tipo de vídeos costumam ser indicados com mais frequência.

Uma das propostas do PL envolve maior transparência sobre este recurso.

“É como se a gente operasse no escuro. É uma caixa preta”, destacou Ana Júlia Bernardi sobre o algoritmo. “Há indícios que o sistema de recomendações tem privilegiado opiniões contra. Parece muito uma reação, um incentivo da plataforma.”

A transparência deve ainda reduzir nos próximos meses. A plataforma vai retirar o acesso à consulta de sua interface — o que permite fazer levantamentos como esse — a partir de agosto.

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