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Sessão da CPI dos MST na Câmara, em 12 de julho de 2023 — Foto: Filipe Matoso/g1
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sábado 14 de outubro de 2023 às 18:10h

CPI dá a deputados poderes similares aos de policial e juiz; entenda origem das atribuições

JUSTIÇA, NOTÍCIAS


Em quase seis meses de trabalho, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro convocou autoridades para prestarem depoimento, requisitou documentos e vídeos de órgãos públicos e quebrou sigilos fiscal e bancário de personagens centrais, sobretudo, do governo de Jair Bolsonaro (PL). Essas medidas foram possíveis graças aos “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais” garantidos aos colegiados. É um característica bem peculiar do Parlamento brasileiro.

A atribuição significa, na prática conforme matéria de Weslley Galzo, do Estadão, que, enquanto funcionarem, as comissões parlamentares de inquérito (CPIs) têm poderes semelhantes aos de um juiz ou agente policial. Não faz parte desse rol de prerrogativas a competência de sentenciar investigados, mas os parlamentares que participam das investigações podem autorizar diligências, solicitar o compartilhamento de documentos, convocar suspeitos para depor e até prender depoentes que mentirem.

Esses poderes conferidos às CPIs estão previstos em lei desde 1952. Porém, a regra acabou caindo no lugar comum das legislações que “não colaram” e só passou a valer, de fato, depois da Constituição de 1988. “A lei nº 1579/1952 já previa os poderes próprios de autoridade judicial, mas, na prática, não era bem assim”, afirmou o consultor legislativo do Senado Marcos Santi, autor do livro “As CPIs e o Planalto”.

Em diversos momentos da história, os poderes judiciais conferidos às comissões parlamentares de inquérito foram desrespeitados, sobretudo no período de transição da ditadura militar para a Nova República. Em 1987, o Brasil ainda vivia sob o arcabouço jurídico autoritário da Constituição Militar de 1967. Naquele mesmo ano, o Senado conduzia uma CPI para investigar a administração do ex-presidente José Sarney (PMDB). Também naquele ano, o País instalou a Assembleia Constituinte que resultaria na Constituição de 1988.

Enquanto esses eventos se sobrepunham, Saulo Ramos, então ministro da Justiça, se esforçava para proteger o governo Sarney do desgaste provocado pelo colegiado. Ele passou a difundir a tese de que as medidas aprovadas pela comissão deveriam passar por revisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Os argumentos do ministro conquistaram alguns membros da CPI, o que travou o seu funcionamento.

A saída encontrada pelos opositores do governo Sarney foi tornar constitucional o que dizia a lei que dá poderes de Justiça às CPIs. A atribuição está no parágrafo 3º do artigo 58 da Carta Magna.

“As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores”, diz o texto.

A solução não serviu para aquela comissão, mas garantia que novas investigações não fossem embarreiradas sob justificativas jurídicas. “Os constituintes eram membros daquela CPI (da administração Sarney). Eles foram ao relator (da Constituição) e inseriram essa expressão, o que ficou sendo algo único do Brasil. É algo peculiar do Brasil e que deu às CPIs outra dimensão”, explicou Santi.

“Esse poder de investigação da CPI é muito maior do que em outros lugares, exatamente porque a Constituinte deu esses poderes no texto constitucional”, afirmou o consultor legislativo. “A partir desse momento, nunca mais a gente viu um consultor da República ou alguém do Executivo querendo negar informações a uma CPI.”

O que uma CPI pode fazer

  • inquirir testemunhas (que têm o compromisso de dizer a verdade);
  • ouvir suspeitos (que têm o direito ao silêncio para não se incriminarem);
  • prender (somente em caso de flagrante delito);
  • requisitar da administração pública direta, indireta ou fundacional informações e documentos;
  • tomar o depoimento de autoridades;
  • requerer a convocação de ministros de Estado;
  • deslocar-se a qualquer ponto do país para realizar investigações e audiências públicas;
  • requisitar servidores de outros poderes para auxiliar nas investigações;
  • quebrar sigilo bancário, fiscal e de dados, desde que por ato devidamente fundamentado, com o dever de não dar publicidade aos dados.

STF é acionado em ações contra medidas da CPMI

Segundo Santi, a primeira CPI que exerceu plenamente os poderes constitucionais de autoridade judicial foi a que investigou o escândalo do PC Farias, tesoureiro do governo Fernando Collor. Na época, era impensável um convocado apresentar um habeas corpus ao STF para se manter em silêncio durante o depoimento ou um órgão do poder público acionar a Justiça para não compartilhar determinadas informações.

Em relação à CPMI do 8 de Janeiro, o ministro da Justiça, Flávio Dino, acionou o STF para pedir autorização para compartilhar com o colegiado vídeos do circuito interno do ministério no dia da invasão aos prédios dos Três Poderes. A comissão determinou o compartilhamento das imagens, mas Dino alegou que precisaria consultar a Justiça, porque o material faz parte de investigações que tramitam em sigilo no Supremo. O ministro Alexandre de Moraes autorizou o envio das imagens aos parlamentares. “Não está caracterizada qualquer excepcionalidade que vede a cessão e compartilhamento de imagens à CPMI”, afirmou o magistrado.

Nem todos os ministros da Suprema Corte concordam sobre a amplitude das competências da CPMI. O posicionamento dissonante ficou claro, por exemplo, em decisão sobre a situação de Silvinei Vasques, ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF). O ministro Nunes Marques suspendeu a quebra dos sigilos fiscal, bancário, telefônico e telemático do policial, determinada pela comissão.

O ministro André Mendonça também concedeu decisão monocrática (individual), para impedir o depoimento de Osmar Crivellati, que trabalha como assessor do ex-presidente Jair Bolsonaro. A ordem foi considera uma afronta pelos parlamentares, que recorreram ao plenário da Corte, assim como no caso de Vasques.

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