Pandemia reforçou quão essencial é a atuação do controle externo para preservar o interesse público coletivo
*Por Fábio Túlio Filgueiras Nogueira
Os Tribunais de Contas do Brasil são asseguradores da boa gestão dos recursos da sociedade, são instrumentos da democracia e fomentadores dos interesses republicanos. Quando definiu as competências dessas Cortes, a Constituição Federal de 1988 promoveu uma ampliação substancial do escopo de atuação e estabeleceu uma única direção: a cidadania. Portanto, não se fala aqui de um controle restrito aos aspectos legais e à conformidade dos gastos públicos, mas, principalmente, da avaliação da efetividade dos investimentos e das políticas públicas.
O caminho para a obtenção de resultados satisfatórios na gestão pública requer uma visitação nos próprios moldes de atuação. É o que a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) tem realizado, por intermédio de um processo de aprimoramento idealizado ali pelos idos de 2013, quando o Marco de Medição de Desempenho (MMD-TC) começou a ganhar as feições que o tornariam o principal instrumento dessa persecução coletiva pelo fortalecimento institucional.
Já em 2015, o MMD-TC colhia uma primeira impressão sobre os TCs, que se voluntariaram a passar por uma espécie de checagem interna, a partir de critérios estabelecidos em resoluções diretrizes, cuja base são comprovadas normas e experiências internacionais de auditoria.
O Marco de Medição de Desempenho é, portanto, uma ferramenta de difusão de boas práticas de controle externo, por meio da qual os Tribunais de Contas vêm consolidando importantes avanços. Para aferir a efetividade do próprio MMD-TC, a Atricon decidiu submetê-lo a uma avaliação técnica criteriosa, entregue à competência da Fundação Vanzolini (USP), que possui o mais elevado conceito da América Latina entre as entidades certificadoras.
Com o Certificado de Conformidade, referenciado pela norma ISO 17021 de Sistema de Gestão, o Marco de Medição de Desempenho dos Tribunais de Contas está se preparando para a 5ª aplicação, que acontecerá neste ano. No ciclo de 2022, além da certificação que atesta a qualidade da metodologia, o MMD-TC passa a contar com Sistema Aprimore, concebido para elevar a precisão da avaliação dos TCs.
Se remanescem desafios, também sobra estímulo para a continuação da jornada. Cada dia nos fortalece na convicção de que estamos num caminho sem volta. A pandemia da Covid-19 tem sido uma verdadeira prova de choque para as autoridades sanitárias mundiais, com reflexos nas instituições e no modo de vida das pessoas. Não seria diferente para as Cortes de Contas brasileiras.
Para os Tribunais de Contas do Brasil, a pandemia também trouxe a oportunidade de reforçar quão essencial é a atuação do controle externo para a preservação do interesse público coletivo, além de demonstrar toda uma capacidade inventiva, que já vinha se consolidando ao longo desses cinco anos.
A pandemia aprofundou as demandas sociais no Brasil e o controle externo tem sido instado a responder, de forma ainda mais criteriosa e tempestiva, aos anseios da cidadania. A situação emergencial exige o mais contemplativo dos olhares: o acompanhamento rigoroso das contratações emergenciais e dos efeitos da pandemia nas políticas públicas de saúde, educação e assistência social.
Os tribunais ainda intensificaram a fiscalização da gestão fiscal, para assegurar o equilíbrio das contas públicas; ampliaram a orientação aos gestores sobre a nova legislação relacionada à Covid-19, mais especificamente quanto às contratações emergenciais e a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Nesse aspecto, os Tribunais de Contas mantêm uma rotineira atuação pedagógica, que atende aos parâmetros do controle externo contemporâneo. Nela está incluída, além do acompanhamento técnico preventivo, a capacitação de agentes e gestores públicos. Isso representa um ganho significativo em termos de prevenção de danos ao erário e de desvios de recursos públicos.
É uma responsabilidade que os Tribunais de Contas, cada vez mais, compartilham com a ciência de dados. Além de uma imensa expertise dos seus quadros técnicos, os TCs se valem de recursos tecnológicos variados – ultimamente a inteligência artificial tem estado bastante presente – para a fiscalização das contas públicas, o que amplia a capacidade e a velocidade de responder aos interesses públicos.
Num estágio posterior, o dever de responder satisfatoriamente à sociedade será ainda maior. Desempenho negativo da economia; incremento das demandas sociais, particularmente nos municípios mais pobres; alto grau de insegurança alimentar; retrocessos do ensino público, em função das dificuldades de acesso ao ambiente digital etc. São alguns dos desafios com os quais o Brasil se defronta e que tendem a se agravar no pós-pandemia.
Com o comportamento atual os Tribunais de Contas já contribuem com a mitigação da situação crítica e alivia as projeções de agravamento. Os TCs têm a capacidade técnica e vocacional de contribuir para a superação das demandas sociais. Com ações preventivas, também se conquista efetividade.
Os Tribunais de Contas fomentam o controle social e entendem que a participação do cidadão no acompanhamento da gestão pública fortalece a democracia. Nos períodos eleitorais – é o caso de 2022 – os TCs reforçam essa aproximação com a população. Identificar ou checar a conduta de gestores que pleiteiam mandatos eletivos é uma das possibilidades oferecidas pelas variadas ferramentas disponíveis nas Cortes brasileiras.
Os Tribunais de Contas atuam em parceria com a Justiça Eleitoral, à qual disponibiliza banco de dados acerca de potenciais casos de inelegibilidade. Ou seja, aqueles que não se comportaram ética e legalmente na gestão pública terão seus casos apresentados ao respectivo Tribunal Regional Eleitoral.
Nas eleições municipais, por exemplo, os Tribunais de Contas orientam a instituição de comissões de transição. O prefeito que encerra o mandato precisa disponibilizar as informações que possibilitarão a continuidade de políticas públicas e subsidiarão a execução do plano do futuro governo.
A preocupação é evitar situações de abandono de obras/serviços, por absoluto desinteresse em continuar programas de uma gestão anterior. Um comportamento não incomum, que precisa ser banido da gestão pública.
São abundantes, portanto, as vertentes da atuação dos Tribunais de Contas do Brasil, que têm seu dia comemorado neste 17 de janeiro. Desde a implantação pioneira do TCU, há 129 anos, muitos avanços foram alcançados, o que nos motiva a convicção de que cada uma das 33 Cortes deste país reúne meios de contribuir para o desenvolvimento da nação. Nesta data histórica, porém, há uma sensação de falta. A sociedade ainda não conhece profundamente o imperioso papel republicano dos Tribunais de Contas. A população precisa fazer uma aliança com essas instituições e contribuir para o fortalecimento dessa atuação democrática, que concerne a cada brasileiro, indistintamente.
* Fábio Túlio Filgueiras Nogueira é bacharel em Direito (Universidade Estadual da Paraíba) e pós-graduando em Direito Público (Unisul). Ocupou cargos executivos na Prefeitura de Campina Grande (PB). Compôs o Poder Legislativo municipal (vereador em três legislaturas) e ocupou cadeira na Assembleia Legislativa da Paraíba (2003-2006). Em 2006 tornou-se membro do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba, sendo o atual vice-presidente do TCE-PB. Em 2018 assumiu a presidência da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon)