Em dois anos e meio, o presidente Michel Temer (MDB) conseguiu ressuscitar um Itamaraty que estava em petição de miséria, sem pagar nem as contas de luz das embaixadas, e iniciou diversas negociações bilaterais de comércio, após anos de paralisia.
Não é pouca coisa para um governo que precisou dedicar boa parte de sua política externa para tentar legitimar o presidente da República e o impeachment que o alçou ao poder.
Depois da hiperatividade dos anos Lula e do apagão diplomático do governo Dilma, muitos ansiavam por um pouco de equilíbrio -e Temer, em seu curto período, conseguiu entregar.
O emedebista herdou um ministério de relações exteriores em situação financeira calamitosa e baixíssimo moral.
Sua antecessora, Dilma Rousseff (PT), negligenciava a política externa e sua saída foi comemorada nos corredores do Itamaraty.
No entanto, a contestação do impeachment gerou desgaste internacional. O PT manteve uma diplomacia partidária atuante, reforçando a narrativa do golpe em diversos foros multilaterais. Governos de esquerda retiraram seus embaixadores do país. Chefes de Estado evitavam vir ao Brasil.
Meses depois, quando as coisas pareciam se acalmar, mais um golpe para a credibilidade. Em maio de 2017, foram divulgadas conversas gravadas por Joesley Batista, da JBS, com o presidente.
Mesmo com esses entraves, o governo conseguiu eliminar mais de 70 barreiras ao comércio dentro do Mercosul. Lançou negociações comerciais com Canadá, Singapura e Coreia do Sul e acelerou as tratativas com o EFTA (Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça). Houve avanços para o acordo entre Mercosul e União Europeia, cujas negociações se arrastam há 20 anos.
Apesar de não concluir acordos, foi uma evolução. O Brasil, até hoje, assinou só três acordos de livre-comércio -com Egito, Israel e Palestina.
Uma das críticas à política externa do período foi a falta de liderança brasileira nas negociações para a crise venezuelana. O Brasil elevou o tom das críticas e pressionou para a suspensão da Venezuela do Mercosul. Para alguns, isso fez com que o país perdesse qualquer chance de atuar como mediador na crise.
O grande esforço pela acessão à OCDE (entidade que reúne países desenvolvidos) foi visto por alguns como um afastamento da política sul-sul do governo anterior. O Brasil estaria abandonando ambições de ser uma potência global e optando por uma política medíocre de país médio, submisso aos EUA.
“Não temos a ambição de exercer uma influência que vá além do nosso poder real; o Brasil tem o tamanho que tem, não podemos nos igualar à ambição imperial da Rússia, ao poder econômico dos EUA ou à força geopolítica da China”, diz o ministro das relações exteriores, Aloysio Nunes. “Não recuamos, só estamos fazendo política externa compatível com a nossa força real, não nos metemos no acordo nuclear da Coreia do Norte e dos EUA.”
Para Guilherme Casarões, professor da FGV, o grande mérito do governo foi “foi manter as grandes linhas de inserção internacional no Brasil, mantendo e até reforçando iniciativas como Brics e Ibas [que aliam o Brasil a países como Índia e África do Sul], além de fazer uma urgente inflexão para a Ásia”.
Aloysio acredita que sua gestão no ministério reforçou o compromisso histórico do Brasil com o multilateralismo, através de medidas como a entrada no Acordo do Clima de Paris, Pacto de Migração e presença em órgãos como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), declarou que irá abandonar várias dessas iniciativas. “A política externa de Temer foi pragmática e focada, mas em um governo frágil, com pouco espaço para grandes realizações”, diz Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da FGV. “No atual momento, temos uma perspectiva diferente -dado o que temos pela frente, qualquer um que não faça o Brasil passar vexame é um Kissinger”, diz, em referência ao secretário de Estado dos EUA durante a Guerra Fria.