A menção a um cenário alternativo de projeções de inflação, com a Selic inalterada até o fim de 2025, como descrito pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central em sua decisão de juros, foi interpretada por economistas ouvidos pelo Valor como um sinal de que a taxa básica deve seguir estável à frente, ainda que possíveis ajustes na política monetária não estejam totalmente descartados, conforme reportagem de Arthur Cagliari e Matheus Prado, do jornal Valor.
“O mercado sempre se antecipa, e, muitas vezes, para a direção errada. Hoje, o mercado precifica alta de juros. Por isso, o que o Banco Central quis fazer foi dizer que, se mantiver a Selic a 10,50%, ele consegue levar a inflação à meta”, afirma o economista-chefe da Parcitas Investimentos, Vitor Martello. “O BC quer dizer que não vê, agora, necessidade de subir os juros. Não que eles estejam descartando essa opção, porque senão ele nem desenharia esse cenário alternativo”, aponta. “É uma forma de limpar a volatilidade de curto prazo.”
O economista-chefe da Oriz Partners, Marcos De Marchi, avalia que, com a inserção de um cenário alternativo, o BC indica que, embora preocupado, tem uma opção que não a de elevar a Selic adicionalmente. “É um contraponto ao trecho em que diz que ‘se manterá vigilante’. Esse termo, na Europa, é muito usado quando o banco central está incomodado com algo que deve vir à frente”, afirma.
“Só que, ao mesmo tempo em que é posta essa cautela com a inflação, o comunicado insere um cenário alternativo de Selic constante, que levaria a inflação para bem próximo da meta. É um contraponto importante. Não descarta por completo juros mais altos, mas sugere cenário que pode alcançar a meta sem precisar subir a taxa”, diz.
Na mesma linha, o economista-chefe da Occam, Paulo Val, nota que o cenário alternativo foi uma forma de quantificar que a Selic atual é suficiente para que a inflação convirja à meta em 2025. “Mas precisamos lembrar que 2026 entra no horizonte relevante do Copom já na próxima reunião, então será uma informação adicional para o processo decisório”, afirma. “Duas questões importantes, e que alguns diretores abordaram nos últimos dias, são juro neutro e hiato de produto. Devemos ter mais informações sobre isso na ata da reunião e no Relatório de Inflação.”
Também para o economista-chefe da G5 Partners, Luis Otávio de Souza Leal, a possibilidade de uma alta nos juros parece ter ficado mais distante. “Na comunicação da última reunião, alguns membros indicaram enxergar balanço de riscos com viés negativo. Se continuou assim, não sabemos, mas não é maioria. Saberemos na ata”, diz. “E o texto também não imobiliza possíveis cortes se o exterior ajudar. Se o Fed começar a cortar em setembro, não dá para descartar.”
Outro ponto de atenção do comunicado foi a decisão unânime dos diretores, diz Leal. “Diferente da decisão de maio, que foi um ‘Fla-Flu’, a de ontem veio para o colegiado retomar sua credibilidade, como discursos dos membros do colegiado já indicavam nos últimos dias”, diz Leal. “Isso pode tirar pressão do mercado, que melhorou ontem com essa expectativa.”
Para Martello, da Parcitas, há espaço limitado para melhora nos mercados. “Vimos o desempenho do real começar a se descolar dos pares emergentes justamente quando houve a divergência do colegiado, então é possível que haja uma leve melhora nos próximos dias”, diz. “Mas a credibilidade mesmo só deve ser restaurada quando for provado que o BC não vai ceder a uma melhora das variáveis.” Martello nota que, agora, todas as variáveis apontam para o mesmo lado: as expectativas de inflação subindo; o dólar alto; mercado de trabalho aquecido; e atividade forte. “A prova vai ser quando houver variáveis apontando para cenários distintos.”
Da mesma forma, Val, da Occam, diz que o consenso ajuda a melhorar a percepção em torno do Copom, assim como a comunicação, “mas não há bala de prata”. “Credibilidade se ganha ao longo do tempo e os novos membros precisam conquistar isso”, afirma.