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Paulo Gonet, indicado de Lula para a PGR. — Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo / Arquivo
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sábado 22 de fevereiro de 2025 às 08:10h

Responsável por denunciar Bolsonaro, Gonet foi cotado pelo ex-presidente para a PGR

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Responsável por denunciar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras 33 pessoas por golpe de Estado e outros quatro crimes contra o Estado Democrático de Direito, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, foi seriamente cotado para o cargo no início do mandato de Bolsonaro, em 2019. Quatro anos depois, chegou à chefia do Ministério Público Federal (MPF) por meio do presidente Lula da Silva (PT), alvo da trama golpista que visava impedir sua posse em 2023.

Gonet disputou o comando da Procuradoria-Geral da República (PGR) à margem da lista tríplice votada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e sua escolha por Lula representou uma quebra na tradição dos governos petistas de nomear o primeiro colocado. Ele não tinha os votos da categoria, mas contou com o apadrinhamento dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, seu ex-sócio, e Alexandre de Moraes.

Até então, Gonet exibia credenciais conservadoras e cabos eleitorais que hoje não podem nem ouvir falar no nome de Gilmar e Moraes – como a deputada federal Bia Kicis (PL-DF), integrante da tropa de choque bolsonarista no Congresso que já o definiu como “conservador raiz”.

Gonet foi contemporâneo de Kicis no curso de Direito da Universidade de Brasília (UnB) e os dois são amigos desde a década de 1980. Aposentada como subprocuradora do Ministério Público do Distrito Federal, a deputada o levou para uma reunião em 2019 com Jair Bolsonaro para defender a indicação do colega. Na ocasião, a parlamentar relatou nas redes sociais detalhes da conversa.

“O candidato à PGR, Paulo Gonet, disse ao presidente Jair Bolsonaro que nenhum candidato pode prometer que jamais haverá uma ação que [o] incomode. Mas garantiu que jamais usaria do cargo para atrapalhar o governo”, escreveu Kicis.

“Paulo Gonet é conservador raiz, cristão, sua atuação no STF nos processos da Lava-Jato foi impecável. Ele não tem capivara. E o fato de ter sido sócio de Gilmar Mendes no IDP em nada interferiu em sua atuação profissional”, complementou.

Críticas ao aborto

Católico praticante, Gonet é um duro crítico do aborto. Em artigo publicado em 2009 sob o título “Proteção à vida: a questão do aborto”, o então subprocurador criticou enfaticamente o direito à interrupção da gravidez.

O texto foi publicado em um periódico do Instituto Brasileiro de Ensino, Brasileiro e Pesquisa (IDP), instituição de ensino superior ligada a Gilmar da qual o subprocurador foi sócio até 2017, em meio à discussão sobre a possibilidade do uso de embriões para pesquisas científicas, jurisprudência firmada pelo STF em 2008.

O artigo cita diversas uma encíclica do Papa João Paulo II e artigos do Ives Gandra Martins, jurista referência para o bolsonarismo. No ensaio, Gonet defende que a vida humana deve ser considerada desde a concepção – o que incluiria embriões usados em pesquisas – e sustenta que a rejeição do procedimento seria um “dever do Estado no domínio do nosso direito constitucional”.

O Código Penal autoriza o aborto em duas exceções: estupro e risco de vida. Além disso, em 2012, o STF autorizou a interrupção da gravidez em casos de feto anencéfalos, quando há má formação congênita do cérebro.

Outra pauta de costumes criticada por Gonet é a criminalização da homofobia e transfobia pelo Supremo, que em 2019 equiparou os dois crimes ao de racismo, que é imprescritível e inafiançável. Segundo reportagem da Folha de S. Paulo em 2019, ao tentar se viabilizar para a PGR de Bolsonaro, o subprocurador manifestou ao então presidente sua contrariedade à decisão do STF.

Vítimas da ditadura

Ao longo dos anos 90, quando representou o MPF no colegiado, Gonet se posicionou contra a responsabilização do Estado pela morte dos guerrilheiros Carlos Marighella e Carlos Lamarca, do estudante secundarista Edson Luís e da estilista Zuzu Angel, além da reparação aos familiares da vítima da ditadura – o que levou Lula a destituí-lo da comissão no seu primeiro mandato.

Na ocasião, o atual PGR e o representante das Forças Armadas, general Oswaldo Pereira Gomes, argumentaram que as vítimas em questão não haviam morrido em instalações policiais – como previa o texto da legislação que criou o colegiado. Por fim, prevaleceu a tese de que as reparações também se aplicariam a contextos jurídicos e políticos nos quais as vítimas estavam sob a custódia ou o domínio dos agentes da repressão

Em todos os casos, Gonet foi voto vencido e seu posicionamento foi criticado publicamente pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e por ONGs como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch.

Apesar desses posicionamentos afinados com os do bolsonarismo, o então presidente acabou escolhendo Augusto Aras para comandar a PGR.

A gestão Aras ficou marcada pela leniência e blindagem de Bolsonaro e seus aliados diante do negacionismo da pandemia, das interferências na Polícia Federal (PF) e das investidas autoritárias contra o sistema eleitoral e o Supremo, além da perseguição jurídica a críticos.

Apesar da biografia conservadora que o afasta dos setores mais à esquerda da base lulista, o PGR conseguiu dois feitos notáveis em menos de dois anos: não só driblou resistências de alas do PT à sua indicação como assinou a denúncia mais relevante desde a redemocratização contra o presidente que cogitou nomeá-lo para o mesmo cargo.

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