O Congresso deve votar nesta quinta-feira (13) uma resolução que muda regras para as emendas parlamentares. Um esboço do texto ao qual André Shalders, do Estadão teve acesso, diminui a fiscalização sobre as emendas ao criar a figura do “Secretário Especial de Orçamento Público”.
Indicado pelo presidente do Senado, esse secretário terá controle sobre os consultores de Orçamento da Câmara e do Senado. Hoje, eles têm autonomia e com frequência apontam problemas. No novo modelo, o trabalho deles estará submetido às “políticas e critérios” do novo Secretário Especial, indicado pelo presidente do Senado.
Além disso, entidades que trabalham no tema, como a Transparência Brasil e a Transparência Internacional, fazem críticas ao projeto de resolução, elaborado pela Mesa Diretora do Senado. Para a Transparência Brasil, a submissão dos consultores põe em risco “a integridade do processo de elaboração e aprovação do Orçamento”. Já para a Transparência Internacional, o novo regramento mantém os problemas anteriores do orçamento secreto ao impedir a identificação dos congressistas que enviam os recursos.
A votação desta quinta-feira foi marcada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), como resposta às negociações com o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF). Em agosto de 2024, Dino suspendeu o pagamento de vários tipos de emendas parlamentares até que o Congresso criasse novas regras para dar mais transparência à aplicação do dinheiro. A reportagem procurou Davi Alcolumbre por meio da assessoria, mas ele não comentará o assunto neste momento.
Além de criar a nova Secretaria Especial de Orçamento Público, a proposta de resolução traz várias inovações no rito das emendas parlamentares. Padroniza, por exemplo, como devem ser as atas para a apresentação das emendas de comissão, além de mudar outros aspectos da elaboração das indicações feitas por senadores e deputados. As emendas parlamentares são modificações feitas por congressistas no Orçamento, de moto a enviar verbas para as localidades onde eles têm votos.
Segundo Dino, o Congresso continuou com a prática do orçamento secreto, revelada pelo Estadão em 2021 e declarada inconstitucional pelo Supremo em dezembro de 2022. Mesmo com os bloqueios impostos por Dino, no ano passado o Congresso destinou R$ 44,9 bilhões em emendas parlamentares. É o maior valor nominal da História. A soma empoderou o Congresso na relação com o governo do presidente Lula (PT) e contribuiu para a vitória acachapante dos partidos do Centrão nas eleições municipais de 2024.
A minuta da resolução é de autoria de Alcolumbre e deverá ter como relator o vice-presidente da Casa, Eduardo Gomes (PL-TO). Como publicou o Estadão, Eduardo Gomes é mencionado no relatório da operação Emendário, que investiga um suposto esquema de venda de emendas parlamentares por parte de deputados do PL do Maranhão. Um assessor dele atua como “corretor de emendas”, prestando consultoria a prefeituras do interior do Tocantins.
“Submeter a atuação das consultorias de Orçamento a uma secretaria cujo titular está sujeito à influência política coloca em risco a integridade do processo de elaboração do Orçamento no Congresso”, diz Marina Atoji, que é diretora da Transparência Brasil.
“O trabalho dessas consultorias é fundamental para o controle social sobre o processo orçamentário, se considerarmos que o trabalho que elas fazem é especializado, público para todos verem, e não está vinculado ao interesse dos parlamentares”, avalia ela.
Além disso, a proposta de resolução mantém a possibilidade de ocultar os verdadeiros responsáveis pela indicação das emendas, diz Guilherme France, que é consultor da Transparência Internacional.
“A minuta de resolução reincide no mesmo problema histórico do orçamento secreto: a criação de figuras interpostas – relator, comissões – para impedir a identificação do parlamentar que, de fato, patrocina cada emenda. Ao prever a possibilidade de que o líder da bancada partidária encaminhe emenda para as comissões e, assim, assuma a titularidade de todas as emendas dos parlamentares daquele partido, na prática, está se criando uma nova figura interposta”, avalia ele.
“Essa (proposta de) resolução, portanto, cria, indiretamente, a figura da emenda de bancada partidária, que não encontra respaldo na própria Constituição Federal”, diz France.
“Estão tentando calar as consultorias técnicas para concentrar poder e manipular informações orçamentárias. Essa mudança atropela a independência do assessoramento técnico e fere o equilíbrio entre as Casas. Querem transformar um processo técnico e transparente em informação controlada pelos donos do poder”, diz a líder do Novo na Câmara, a deputada federal Adriana Ventura (SP).
Segundo o Estadão apurou, a proposta de resolução vem gerando insatisfação entre os consultores legislativos das duas Casas. Há a possibilidade de que o texto seja modificado antes de ser protocolado. Para consultores de Orçamento, a nova resolução representa um “retrocesso institucional”. As consultorias, dizem os profissionais, foram importantes para denunciar práticas inadequadas na época do orçamento secreto.
A proposta também acaba com a alternância que existe hoje entre as consultorias da Câmara e do Senado. Desde 1993, as consultorias de Orçamento das duas Casas se revezam na coordenação do assessoramento à elaboração do Orçamento. No modelo proposto, essa responsabilidade será do novo secretário indicado pelo presidente do Senado.
O projeto altera a Resolução 01 de 2006, que disciplina o funcionamento da Comissão Mista de Orçamento (CMO). A CMO é a comissão responsável por analisar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA), que corresponde ao Orçamento de cada ano. A criação do “Secretário Especial de Orçamento” está prevista no artigo 154 da minuta de resolução.
Segundo a justificativa da minuta, o objetivo da criação da nova Secretaria Orçamentária Especial é realizar a “padronização de orientações, durante o processo orçamentário e sobre a execução de emendas, e dos procedimentos das bancadas partidárias e das comissões permanentes”.