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sábado 11 de fevereiro de 2023 às 16:41h

Por qual Juízo devem tramitar as investigações sobre o ex-presidente Bolsonaro?

DESTAQUE, JUSTIÇA, NOTÍCIAS


Vários procedimentos investigatórios instaurados para apurar eventuais crimes cometidos pelo ex-presidente Bolsonaro foram remetidos pela Ministra Carmen Lúcia para o juízo competente de primeiro grau.

Tal fato causou estardalhaço na imprensa e nas redes sociais, mas sem nenhuma razão para isso. A Ministra simplesmente fez cumprir o que determina a Constituição Federal e o Código de Processo Penal.

O que deveria causar espanto é justamente o contrário, isto é, tramitar no Supremo Tribunal Federal investigação ou processo em que figure como investigado ou acusado aquele que não possui prerrogativa de foro, por violar o princípio do juiz natural, existente para que não seja instituído tribunal de exceção, que é aquele criado especialmente para julgar alguém ou alguma situação específica, vedado em nosso sistema constitucional por força do artigo 5º, incisos XXXVII e LIII, da Carta Magna.

O princípio do juiz natural também foi instituído para preservar a imparcialidade do magistrado, que será aquele a quem o feito for distribuído de acordo com as regras legais de competência. Com isso, proíbe-se que os procedimentos ou processos sejam dirigidos a um ou outro magistrado, o que poderia importar direcionamento da decisão a fim de favorecer alguém em especial.

Somente em situações previstas em lei é possível que aquele que não possui prerrogativa de foro seja processado conjuntamente no mesmo tribunal com aquele que a detém. Isso ocorrerá quando os crimes são conexos e a prova de um pode influir na do outro (conexão instrumental probatória) e para que se evitem decisões conflitantes, o que poderia advir com julgamentos sobre os mesmos fatos em instâncias diversas. Nestes casos, cabe ao tribunal decidir pela tramitação conjunta ou pelo desmembramento dos feitos com cada qual dos envolvidos sendo investigado e processado no juízo competente.

A prerrogativa de foro é prevista na Carta Magna e nas Constituições Estaduais e sua “mens legis” é a proteção do cargo e, indiretamente, da pessoa que o ocupa, em razão da relevância das funções exercidas, para que possa bem desempenhá-las livre de pressões externas e internas. Assim, como a prerrogativa é do cargo e não da pessoa, não pode ser renunciada.

Em 25.08.1999, o Supremo Tribunal Federal, julgando questão de ordem, decidiu cancelar a Súmula 394 (Informativo STF 159, Brasília, 23 a 27 de agosto de 1999). Dizia a súmula: “Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício”.

Com o cancelamento da Súmula 394, o Supremo Tribunal Federal decidiu que os inquéritos e processos que apuram infrações penais, cometidas por ex-ocupantes de cargos que detinham prerrogativa de foro, passarão a tramitar de acordo com a regra geral de competência.

Quanto ao mesmo tema, o Supremo Tribunal Federal julgou ser inconstitucional os §§ 1º e 2º do art. 84 do Código de Processo Penal. O § 1º desse dispositivo dispunha que o ocupante de cargo público que cometesse crime relativo ao exercício de atos administrativos continuaria com a prerrogativa de foro mesmo depois de cessado o exercício da função pública.

A decisão do STF é lógica e sensata. Como a prerrogativa é do cargo e não da pessoa que o ocupa, ao deixá-lo não mais se justifica sua proteção.

Com efeito, praticado crime por alguém que ocupava cargo que lhe garantia prerrogativa de foro, deixado o cargo por qualquer motivo, essa pessoa passará a ser investigada e julgada perante o juízo competente da comarca onde o fato ocorreu, que deverá tramitar de acordo com a regra geral de competência.

César Dario Mariano da Silva.
César Dario Mariano da Silva. Foto: DIVULGAÇÃO

Resumindo, como o ex-presidente Bolsonaro não foi reeleito e nem assumiu outro cargo que lhe garanta prerrogativa de foro, as investigações e eventuais processos devem tramitar perante o juízo de primeiro grau competente, como para todas as demais pessoas. Mesmo que assuma outro cargo eletivo posteriormente, como os fatos anteriores não possuem relação causal com o novo mandato, o processo ou procedimento investigatório continuarão a ser de competência do juízo de primeiro grau, não podendo a competência passar a ser do STF ou de outro Tribunal por falta de correlação com as atuais funções exercidas.

[1] Previa o art. 84, § 1º do Código de Processo Penal que a competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevaleceria, ainda que o inquérito ou a ação penal tivessem sido iniciados após a cessação do exercício da função pública. De acordo com essa norma, se o ocupante de cargo público com prerrogativa de foro fosse acusado de ter cometido crime relacionado ao exercício de suas funções administrativas, continuaria com a prerrogativa de foro para esse caso, mesmo após cessado o exercício da função pública. Já o art. 84, § 2º, do Código de Processo Penal dispunha que a ação de improbidade administrativa, de que trata a Lei 8.429/1992, seria proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, devendo ser observado o disposto no § 1º do mesmo artigo, ou seja, permaneceria a prerrogativa de foro para esse caso mesmo após o término do exercício da função pública. Todavia, os §§ 1º e 2º do art. 84 do Código de Processo Penal foram declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal por 7 votos a 3 (ADI 2797, j. 15.09.2005, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, pleno, m.v.). Decidiu a maioria dos Ministros que a competência do Supremo Tribunal Federal e dos demais Tribunais é de direito estrito e decorre da Constituição Federal e das respectivas Constituições dos Estados (no caso de Tribunais de Justiça) e se restringe aos casos nelas enumerados. A Constituição Federal não prevê a prorrogação da competência dos Tribunais após o término do exercício da função pública e nem engloba a prerrogativa de foro no caso de ação civil por improbidade administrativa. Com efeito, não pode o Código de Processo Penal, que é lei ordinária, sobrepor-se à Constituição Federal e modificar a competência dos Tribunais nela regulada, que é matéria de cunho eminentemente constitucional.

*César Dario Mariano da Silva, procurador de Justiça – SP. Mestre em Direito das Relações Sociais. Especialista em Direito Penal. Professor universitário. Autor de vários livros, dentre eles Manual de Direito PenalLei de Execução Penal ComentadaProvas IlícitasEstatuto do DesarmamentoLei de Drogas Comentada e Tutela Penal da Intimidade, publicados pela Juruá Editora

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