quinta-feira 9 de maio de 2024
O presidente Lula (ao centro), ao lado do ministro da Defesa, José Múcio (à direita), e o comandante do Exército, Tomas Paiva, no desfile do 7 de setembro — Foto: Ricardo Stuckert/PR
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segunda-feira 8 de janeiro de 2024 às 07:05h

Pacificação de Lula após o 08/01 só trouxe vitórias aos militares

NOTÍCIAS, POLÍTICA


O evento que o governo Lula preparou para o primeiro aniversário dos atos de 8 de janeiro foi pensado segundo a coluna de Malu Gaspar, do O Globo, para ser uma grande celebração. Da mesa em que estarão o presidente, o vice-presidente Geraldo Alckmin e dos chefes dos Três Poderes, devem ser feitos discursos comemorando a preservação da democracia e louvando o papel de alguns personagens, como a ex-presidente do STF Rosa Weber e o ministro Alexandre de Moraes, que comandou a reação do tribunal aos ataques.

Quem mais ganhou com o esforço de superação da ameaça golpista, porém, ficará em silêncio e talvez nem seja lembrado diretamente: os militares. Eles serão representados na plateia pelos comandantes das Forças Armadas, cuja presença foi exigida pelo ministro da Defesa, José Múcio, como gesto simbólico de respeito à democracia.

Exigência correta, mas nem um pouco difícil de ser cumprida, uma vez que os militares foram muito bem tratados pelo governo desde os ataques às sedes dos Três Poderes.

Embora oficiais de alta patente (na reserva e na ativa) tenham tido papel fundamental no avanço do golpismo – e vários de forma sistemática, durante todo o governo Bolsonaro – nenhum foi indiciado, denunciado, julgado ou preso até hoje.

No governo, Múcio foi bastante eficiente em desarmar as bombas legais ou institucionais que poderiam incomodá-los, anulando aos poucos o argumento – defendido não só pelo PT mas por vários setores da sociedade – de que para evitar novas insurreições seria preciso reduzir o poder dos militares e recolocá-los em suas devidas caixinhas.

A primeira iniciativa do PT a ser desidratada foi a de reescrever o artigo 142 da Constituição, tantas vezes usado pelos bolsonaristas para justificar uma intervenção militar. O 142 diz que os militares devem garantir a “defesa da Pátria” e “dos poderes constitucionais”, mas “sob a autoridade suprema do Presidente da República”.

A ideia no PT era anular qualquer brecha no texto que permitisse aos golpistas evocar um poder “moderador” ou de “árbitro”, como tantas vezes se fez nos últimos anos. Passado o primeiro trauma do 8 de janeiro, porém, o governo Lula prontamente desestimulou a ideia.

Outra proposta cara propositalmente esquecida por Lula foi a reabertura da comissão dos mortos e desaparecidos políticos, que chegou a ser incluída no relatório de transição como prioridade a ser implementada nos primeiros três meses de mandato.

O ministério dos Direitos Humanos, de Silvio Almeida, redigiu uma minuta de decreto que indicava até os membros da nova comissão, mas ela tramitou a passos de jabuti no governo, até ir parar em uma gaveta da Casa Civil, à espera da assinatura presidencial que nunca veio.

Nas conversas com integrantes do primeiro escalão ninguém fez segredo sobre o desconforto de Múcio e dos militares com a proposta. O próprio Lula desconversou todas as vezes que lhe perguntaram sobre a comissão.

O projeto de lei que acabava em definitivo com as pensões para filhos de militares – hoje válidas apenas para quem começou a receber o benefício antes de 2000 – também foi engavetado sem maiores explicações.

A única iniciativa que prosperou no Congresso foi um projeto de lei que proíbe militares da ativa de se candidatarem a cargos eletivos – que só foi adiante porque era aprovada pelos próprios militares.

A ideia original era impedir também que o pessoal da ativa fosse nomeado para ministérios, como fez Bolsonaro em seu governo, mas esse ponto não foi adiante porque não tinha o aval dos fardados.

Além de se empenhar em não melindrar as Forças Armadas, o governo Lula também se empenhou em conquistá-las com verbas, dando à Defesa a maior fatia do orçamento da nova versão do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – R$ 52,8 bilhões.

No dia-a-dia, a cúpula militar recebeu atenção especial de Lula, em encontros reservados e até um churrasco. Com o comandante do Exército, Tomás Paiva, o presidente fala direto ao telefone.

É verdade que a cúpula fez sua parte – em especial o general Tomás, com seus discursos, entrevistas e ordens do dia exortando a tropa a respeitar a democracia e obedecer o desejo das urnas. Mas não há dúvida que é muito mais fácil controlar uma tropa com afagos do que tentando tirar suas regalias.

Os militares têm consciência das vitórias acumuladas. Nas conversas internas sobre o saldo deste ano após 8 de janeiro, os generais não se acanham em dizer que estão no lucro.

No âmbito judicial, a situação não é muito diferente, apesar do intenso trabalho do Supremo, da Procuradoria-Geral da República e da Polícia Federal. Em que pesem as 1345 denúncias feitas contra invasores do 8 de janeiro, dos quatro inquéritos abertos e das diversas operações da PF, ainda há muitas perguntas sem resposta.

Até hoje não se sabe exatamente o que diz a delação de Mauro Cid e o que, nela, fica de pé, ou o que a PF de fato descobriu sobre quem planejou o golpe e quem financiou seus preparativos. Um único financiador foi denunciado, um empresário que desembolsou pouco mais de R$ 50 mil – dinheiro de pinga para o tamanho da mobilização testemunhada há um ano.

A iniciativa mais contundente veio do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que ao decretar a inelegibilidade de Jair Bolsonaro desarticulou a extrema-direita pró-intervenç.

Do governo Lula, por ora, as Forças Armadas só receberam afagos, o que não chega a ser surpresa para quem acompanhou a relação do petista com a caserna em mandatos anteriores.

Não custa lembrar, porém, que, nos últimos anos, não foram poucos os que lamentaram que nenhum presidente após a redemocratização tenha levado adiante a ideia de rever a Lei da Anistia e punir os responsáveis por assassinatos cometidos pela ditadura.

Claro que esse não foi o único fator a turbinar a extrema-direita no Brasil, mas é razoável supor que falta de um amplo julgamento público ajudou a abrir espaço para narrativas tortas e até uma certa romantização do regime militar, permitindo a emergência de figuras como Bolsonaro e abrindo os bueiros do golpismo.

Pode parecer implicância falar em ameaça no momento em que se celebra um ano de paz na caserna. Mas é nas horas de calmaria que se desfaz os nós mais difíceis e previne novas tempestades. Hoje o golpismo parece debelado, mas suas raízes não chegaram a ser cortadas – o que pode se tornar um risco grave se e quando as condições para uma insurreição voltarem a se apresentar.

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