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sábado 16 de dezembro de 2023 às 09:51h

O poder dos submarinos nucleares que apenas seis países sabem construí-los e o Brasil tenta entrar na lista há 40 anos

MUNDO, NOTÍCIAS


No dia 5 de novembro, quase um mês após os ataques do Hamas, Israel revidava com uma invasão por terra e bombardeios diários à Faixa de Gaza. Muitos deles acertaram alvos civis, o que motivou protestos da ONU (cujo secretário-geral, António Guterres, se disse “horrorizado”) e despertou rumores de que o Irã pudesse declarar guerra a Israel.

Mas aí um tuíte meio críptico, e aparentemente banal, diz reportagem de Bruno Garattoni e Tiago Cordeiro, na revista Super, mudou tudo. “Em 5 de novembro de 2023, um submarino da classe Ohio chegou à área de responsabilidade do U.S. Central Command”, dizia a postagem publicada pelo Centcom, o comando central das Forças Armadas dos EUA.

Com o texto havia uma foto, que mostrava o submarino atravessando o canal de Suez, no mar Mediterrâneo. Ou seja: os americanos queriam dizer ao mundo que haviam enviado um submarino nuclear para o Oriente Médio.

Foi uma quebra de protocolo (normalmente, a localização dos submarinos é mantida em segredo). Analistas militares o interpretaram como uma advertência dos EUA ao Irã. A notícia causou apreensão, turbinada por um detalhe.

Submarino nuclear russo – Foto: Reprodução

Como os americanos não especificaram qual de seus 18 submarinos da classe Ohio estava lá, uma incógnita incendiou o X/Twitter: a embarcação enviada para patrulhar o Mediterrâneo poderia estar carregando armas nucleares (por um detalhe da foto, ao qual pouca gente atentou, era possível deduzir que transportava mísseis Tomahawk, convencionais).

O Irã – pelo menos até agora, quando este texto é escrito – decidiu não se envolver. E os submarinos nucleares, que frequentavam as manchetes no tempo da Guerra Fria, voltaram a aparecer no noticiário. Eles são a arma mais exclusiva do mundo, que apenas seis países possuem. Um clube muito restrito, no qual o Brasil pretende entrar.

Em 2008, o governo brasileiro anunciou a criação do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), administrado pela Marinha. Com orçamento atualizado da ordem de R$ 40 bilhões, a iniciativa nasceu como um dos maiores projetos de defesa militar da história do país.

Em 2022, cinco anos após o previsto, o Prosub entregou seu primeiro produto: o submarino Riachuelo (S-40). Ele é um modelo de propulsão convencional, não nuclear.

Isso também vale para o Humaitá (S-41), que está em final de testes no mar – ele está prestes a adquirir o status operacional, e ser liberado para uso militar. O Prosub pretende entregar mais dois submarinos do tipo, o Tonelero (S-42) e o Angostura (S-43), até o ano que vem.

Mas o programa vai além deles, e pretende dar o próximo passo: fabricar um submarino de propulsão nuclear. Esse projeto, que foi batizado de Álvaro Alberto (vice-almirante e cientista brasileiro que representou o país no primeiro Comitê de Energia Atômica da ONU, em 1946), recentemente alcançou um marco importante: em outubro, a Marinha cortou a primeira chapa de aço do submarino.

Mas a construção dele vai ser bem mais difícil. O Riachuelo e seus irmãos nasceram graças à transferência de tecnologia: são derivados de submarinos franceses, da classe Scorpène. Mas nenhum dos países que possuem submarinos nucleares se dispôs a nos ajudar no projeto do Álvaro Alberto (você já vai entender as razões).

Mapa mundi com a quantidade de submarinos por países.
(Arte/Superinteressante)

O Brasil sabe construir o reator nuclear do submarino, mas ainda enfrenta desafios para montá-lo dentro do veículo e integrá-lo à turbina e ao gerador elétrico – em setembro, o governo retomou as tentativas de convencer a França a compartilhar essas tecnologias.

Com ou sem elas, a princípio, o submarino nuclear brasileiro deverá ficar pronto em 2029. Se esse prazo for cumprido, será o fim de uma saga iniciada exatamente 50 anos antes, em 1979.

O trunfo nuclear

O Brasil possui submarinos desde 1914, quando o país começou a utilizar três modelos, o F-1, o F-3 e o F-5, que foram comprados da Itália e formavam a chamada Flotilha de Submersíveis da Marinha. Eram limitados e não se mostraram confiáveis para operações militares. Em 1929, chegou o Humaitá, também comprado dos italianos, que se manteria na ativa até 1957.

Outros três submarinos da mesma origem, que chegaram por aqui em 1937, foram usados para patrulhar a costa brasileira durante a Segunda Guerra Mundial – na qual o Brasil ficou contra o Eixo (e, por isso, recebeu a visita de 25 submarinos da Alemanha Nazista, que atacaram 36 navios mercantes brasileiros (2)).

Após a Segunda Guerra, os EUA se tornaram nossos principais fornecedores de submarinos. A partir do final da década de 1950, compramos nada menos do que 11 veículos deles. Em 1967, a ditadura militar criou o Programa Decenal de Renovação dos Meios Flutuantes, com o objetivo de reforçar e diversificar a frota – compramos três submarinos da Inglaterra, por exemplo.

Até que, em 1979, o almirante Maximiano Eduardo da Silva Fonseca tornou-se ministro da Marinha. Decidido a desenvolver modelos 100% nacionais, ele implementou também o Programa Nuclear da Marinha, com o objetivo de consolidar a infraestrutura necessária para o Brasil ter seus próprios submarinos de propulsão nuclear.

A Marinha dominou o enriquecimento do urânio, uma tecnologia que os países ricos não quiseram ceder – e foi essencial para a criação das nossas usinas nucleares, Angra I e II, alimentadas por esse combustível.

Submarino dos EUA durante cerimônia militar em Connecticut – Foto: Divulgação

O Brasil criou do zero sua própria técnica de enriquecimento; e ela é 25 vezes mais barata que o sistema usado nos EUA. Foi uma demonstração de capacidade científica. Mas o submarino nuclear não saiu do papel. Por quê?

“Faltou vontade política, o que se traduziu em restrições orçamentárias”, afirma Pedro Fonseca Júnior, oficial da Marinha, ex-comandante dos Fuzileiros Navais e autor de uma tese de mestrado sobre o Prosub (3).

“Faltou entender a importância do programa para o desenvolvimento nacional. Um submarino de propulsão nuclear não é apenas uma arma de guerra, é um projeto que incentiva o desenvolvimento tecnológico do país”, diz ele.

O submarino nuclear depende de tecnologias complexas, mas seu princípio básico é simples: ele ferve água. Para fazer isso, primeiro você precisa de urânio, cujos átomos serão fissionados (quebrados) dentro do reator, liberando calor. Não serve qualquer um: precisa ser urânio-235, o isótopo cujos átomos são mais fáceis de partir.

O problema é que ele é bem raro: 99,2% do material encontrado na natureza é urânio-238, que não serve para o reator. E ele vem misturado com o urânio “bom”. Então é preciso fazer o tal enriquecimento, que consiste em separar o U-235 do U-238.

O processo geralmente utiliza supercentrífugas, máquinas que giram a até 90 mil RPM (com isso o U-238, que é mais pesado, vai para os cantos da centrífuga – e o U-235 fica no meio).

Depois você mistura novamente os dois urânios, só que numa proporção adequada para a fissão, e coloca no reator. Num reator de usina nuclear, 3% a 4% de U-235 já é suficiente. Só que os submarinos precisam de bem mais do que isso.

Os russos trabalham com 20% a 40% de enriquecimento, e a frota americana usa urânio enriquecido a 93%. Isso permite que os submarinos tenham reatores muito menores, e com enorme autonomia: sua carga de urânio dura 30 anos ou mais (já as usinas comuns, em terra, precisam ser reabastecidas a cada 1 ou 2 anos).

Esse é o grande trunfo dos submarinos nucleares: eles podem ficar submersos por períodos muito, mas muito longos. Como a embarcação tem acesso a um suprimento farto e ininterrupto de energia do reator, que ela usa para alimentar seus propulsores e gerar seu próprio oxigênio (bem como água doce, dessalinizada, para consumo da tripulação), só precisa vir à tona quando acabar a comida a bordo.

Submarinos nucleares da China – Foto: Reprodução

Isso é uma vantagem enorme. Significa que o submarino nuclear pode ficar submerso a grandes profundidades, nas quais é difícil de detectar, por períodos indefinidos – não é como os modelos comuns, que pelo menos 1 vez ao mês têm de vir à tona para ligar seu gerador a diesel (ele carrega baterias que alimentam o motor elétrico usado sob a água).

Mas há um grande porém. Lembra que os submarinos nucleares trabalham com urânio altamente enriquecido, chegando a mais de 90%? Esse é o mesmo nível das bombas atômicas. Percebeu o problema? Se um país desenvolver tecnologia suficiente para alcançar esse grau de enriquecimento, em tese ele também será capaz de produzir urânio para fazer armas nucleares.

E isso as potências nucleares – que já têm essas armas – não querem. Em 1998, o Brasil assinou o Tratado de Não-Proliferação Nuclear, no qual abriu mão de desenvolver bombas atômicas. Mas mesmo assim a França, que compartilhou conosco algumas tecnologias usadas nos submarinos brasileiros, reluta em nos ajudar na propulsão nuclear.

Durante muitos anos, o Brasil tentou convencer os EUA, mas os americanos sempre enrolavam. Em 2022, chegou a haver uma tentativa de aproximação sobre isso com a Rússia, mas a coisa também não foi adiante. Talvez as potências simplesmente não queiram que o Brasil tenha submarinos nucleares – mesmo que só armados com mísseis e torpedos convencionais, não-atômicos.

História dos submarinos nucleares

Os submarinos nucleares são uma enorme vantagem naval. Eles vão mais fundo, navegam mais rápido e por muito mais tempo. Essas qualidades se mostraram óbvias já em 1939, quando o físico americano Ross Gunn idealizou a primeira embarcação do tipo. A partir de 1942, Gunn foi um dos diretores do Projeto Manhattan, que criou a bomba atômica.

Em 1951, o governo americano autorizou a construção do primeiro submarino de propulsão nuclear. Ele foi batizado de Nautilus (4), numa homenagem a Júlio Verne e seu clássico 20 Mil Léguas Submarinas – no qual o submarino tem esse nome. A embarcação americana tinha 98 metros de comprimento e custou US$ 630 milhões, em valores atuais. Foi inaugurada em 30 de setembro de 1954.

A União Soviética tirou o atraso rápido, em poucos anos, mesmo que ao custo de acidentes fatais nas décadas seguintes [leia a história do maior deles no quadro abaixo]. Seu primeiro reator adaptado para embarcações entrou em testes em 1956, e o primeiro submarino nuclear soviético, o K-3, começou a operar em 1958.

Depois vieram os ingleses, que em 1963 começaram a operar o seu: o HMS Dreadnought, que usava um reator fornecido pelos EUA (5). “Nem mesmo o mais dedicado comandante de submarinos a diesel poderia argumentar contra a vantagem daquela bateria infinita”, escreve Don Walsh, ex-oficial da Marinha americana, em artigo (6) sobre a história dessas embarcações.

“Entre metade da década de 1940 e metade da década de 1960, os submarinos passaram por uma série de inovações. Nenhuma teve o impacto da propulsão nuclear.”

De fato. Especialmente quando os EUA decidiram armar seus submarinos nucleares com mísseis também nucleares. Eram os SLBMs (“mísseis balísticos lançados de submarino”, na sigla em inglês), capazes de sair da atmosfera e reentrar em altíssima velocidade, carregando ogivas nucleares que detonariam sobre o território inimigo.

Era uma resposta aos ICBMs (“mísseis balísticos intercontinentais”), uma tecnologia na qual a União Soviética estava na frente. Com o tempo, os submarinos se tornaram uma peça fundamental da chamada tríade nuclear: quando um país possui armas atômicas que podem ser disparadas do mar, da terra e do ar.

Hoje, todos os 64 submarinos dos EUA são nucleares. A estrela do arsenal é a classe Ohio (ela tem esse nome porque seu primeiro representante foi o USS Ohio, que começou a operar em 1981).

Os americanos possuem 18 submarinos desse modelo, que tem 170 metros de comprimento e suporta 18.750 toneladas de carga. Oficialmente, mergulha a até 240 metros de profundidade, mas suspeita-se de que possa chegar ao dobro (boa parte das informações é confidencial).

Ele comporta uma tripulação de até 155 pessoas. E carrega até 20 mísseis balísticos, com 8 a 14 ogivas cada, capazes de acertar alvos a 12 mil km (novamente, isso segundo dados oficiais; especula-se que o alcance seja maior).

Ilustração da espaço do reator nuclear no interior do submarino, com uma pessoa da tripulação fazendo manutenção.
Os reatores dos submarinos suportam décadas sem reabastecimento. Para isso, usam urânio altamente enriquecido – o mesmo das bombas atômicas. (Davi Augusto/Superinteressante)

A Rússia fornece menos informações, mas a organização não-governamental Nuclear Threat Initiative (NTI) estima que hoje sua frota seja composta por 58 submarinos, sendo 26 deles nucleares.

Os russos têm se vangloriado da capacidade de construir e entregar no mínimo um submarino de propulsão nuclear por ano, mas é difícil confirmar essa afirmação (e o esforço de guerra na Ucrânia pode estar atrapalhando). No final de novembro, o país anunciou a conclusão do Arkhangelsk, que é de propulsão nuclear – e será armado com mísseis hipersônicos.

Já a China ainda está bem atrás. O país só começou a desenvolver seus submarinos a partir do final da década de 1950, e concluiu seu primeiro modelo de propulsão nuclear, o Type 091, em 1974. Mas o programa evoluiu devagar, e hoje estima-se que apenas seis dos 56 submarinos chineses em operação sejam nucleares.

Porém, segundo um relatório (7) do governo dos EUA, a China está reagindo: teria em construção nada menos do que 15 submarinos nucleares. Por isso os americanos, mesmo detendo uma supremacia folgada, também voltaram a investir.

Estão construindo os primeiros submarinos da nova classe Columbia, que devem entrar em operação a partir de 2031 e trazem uma série de avanços técnicos – como um reator capaz de operar por 42 anos sem reabastecimento, e um novo sistema de propulsão nuclear-elétrico, que os tornará ainda mais difíceis de detectar [veja no infográfico acima].

“O momento atual é marcado por uma escalada de tensões. Os submarinos de propulsão nuclear são estratégicos nesse contexto, especialmente os que transportam ogivas atômicas”, resume Pedro Fonseca Júnior. Há uma corrida, entre as potências, por mais submarinos. É nesse contexto que o Brasil tenta fazer o seu.

O Álvaro Alberto já tem um desenho adiantado. Suas especificações preveem que ele possa descer até a profundidade de 350 metros e alcançar 37 km/h, a mesma velocidade “oficial” da classe Ohio (há rumores de que ela seja capaz de navegar mais rápido, a 46 km/h).

Terá 6 mil toneladas, 56 metros de comprimento e capacidade para 80 tripulantes. Está sendo projetado para passar períodos de três meses sem vir à tona – mas essa limitação de tempo está relacionada apenas à alimentação dos tripulantes.

Além de desenvolver a capacidade industrial e tecnológica do Brasil, o submarino nuclear traria vantagens militares consideráveis – especialmente para um país de litoral imenso, com 7.367 km de extensão.

Os modelos convencionais que estão sendo produzidos e entregues têm autonomia mais baixa, alcançam profundidades menores e não conseguem se afastar para o mar aberto com a mesma segurança. Eles podem operar na costa, por onde passam quase todas as exportações do país e onde ficam as valiosas reservas de petróleo e gás do pré-sal.

O submarino nuclear complementaria isso, percorrendo distâncias mais longas, por mais tempo, a profundidades maiores. Mas sua maior utilidade é dissuasiva, ou seja, psicológica: o simples fato de ele existir desestimularia outros países a tentarem invadir nosso mar territorial.

Esse tipo de agressão pode soar meio absurdo hoje – mas a história está cheia de fatos que um dia pareceram exageros. “Sabemos que o cenário internacional é volátil, e nossa costa é vasta e desejada”, argumenta Fonseca. Na opinião dele, o ideal seria o Brasil ter 30 submarinos convencionais, mais seis a dez de propulsão nuclear.

É muita coisa; talvez o país nunca chegue a esse nível. Mas tudo tem um primeiro passo. Se o projeto finalmente der certo, no começo dos anos 2030 o Álvaro Alberto partirá, como o Nautilus, para investigar ameaças no mar. No romance de Júlio Verne, o inimigo era um monstro marinho. Na vida real, a ameaça é a intrusão de outros países; a ganância, onipresente e inesgotável, do ser humano.

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