A reeleição de presidentes e de governadores tem sido um tema de debate intenso em várias democracias ao redor do mundo. Embora inicialmente concebida para promover a continuidade e a estabilidade políticas, essa prática tem mostrado falhas e consequências indesejáveis.
Em bom tempo, o Senado Federal discute segundo Murillo Aragão, da Veja, uma emenda constitucional para acabar com a possibilidade de reeleição para cargos no Poder Executivo. A proposta já conta com o apoio de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, mas, obviamente, gera resistência entre os que têm a prerrogativa da reeleição e desejam prosseguir mandando. Porém, o dano ao sistema político e à construção da democracia impõe uma profunda reflexão sobre a questão.
Um dos principais argumentos contra a reeleição é o desvio de foco das responsabilidades governamentais durante as campanhas eleitorais. Líderes em busca de reeleição frequentemente priorizam decisões e políticas que servem mais a seus interesses eleitorais do que ao bem-estar público. Em especial, no primeiro mandato, o que pode levar à implementação de políticas populistas de curto prazo, em detrimento de planos de longo prazo mais sustentáveis e benéficos.
Eleitos já começam a agir visando à reeleição. No Brasil, a norma é pensar na fórmula 4 + 4 visando 8 anos de
no poder. Nos primeiros quatro anos, governa-se para se reeleger e nos últimos quatro a máquina trabalha para eleger os aliados. O processo estimula o culto à personalidade, a imagem do pai dos pobres e do político viril e corajoso, que irá proteger seu povo das injustiças do mundo.
O paternalismo, frequentemente percebido como justificativa para a perpetuação no poder, mascara uma realidade mais complexa e problemática. Na verdade, é o povo que necessita de proteção contra aqueles que se autoproclamam “pais da pátria”. Esses líderes, frequentemente se vestem com a roupagem de protetores e salvadores. No entanto, suas ações muitas vezes contradizem o interesse público, ressaltando a importância de um olhar crítico e vigilante sobre tais figuras e suas promessas de paternalismo benevolente.
Não raro na campanha, candidatos dizem que não disputarão a reeleição. Mas toda a pompa e o poder, bem como o cerco da mordomia e do puxa-saquismo abalam as convicções não muito sólidas. Bem como os esquemas de poder, influência e verbas que se organizam junto aos polos de poder. Em certas circunstâncias, a ‘entourage’ deseja mais a reeleição do que o próprio ja cansados dos desafios de governar.
Na prática, a reeleição pode levar à consolidação do poder nas mãos de um indivíduo ou de um partido. Vide o exemplo de Vladimir Putin, o mais longevo autocrata, reeleito sucessivamente. No seu caso, certa altura , ele fez um “roque” – uma conhecida manobra do jogo de xadrez – com seu primeiro-ministro por um mandato para, depois, voltar como presidente. Evidentemente, a promessa de uma democracia russa terminou nunca se consolidando.
A alternância de poder é essencial para uma democracia saudável, já que permite a renovação de lideranças e a introdução de novas perspectivas e estratégias. Com a reeleição, aumenta o risco de práticas corruptas e de nepotismo. Os sucessivos escândalos ocorridos na política nacional mostram as vulnerabilidades do sistema, o que inclui favorecimento de aliados e, sobretudo, aparelhamento da máquina pública com aliados. O presidente brasileiro pode nomear mais de 25 mil cargos de confiança: um exército para lutar pela sua reeleição.
No panorama político brasileiro, a prática de perpetuação no poder tem sido uma constante preocupante. Líderes políticos que almejam a reeleição frequentemente se encontram sob suspeita de utilizar indevidamente recursos públicos em suas campanhas. Além disso, há alegações recorrentes de que estes mesmos líderes favorecem aliados e doadores com decisões governamentais, o que levanta questões sobre a integridade e a equidade no processo democrático do país. Isso não apenas prejudica a integridade do governo, como também mina a confiança pública nas instituições democráticas.
A desconfiança do eleitor em relação às instituições é crescente e a reeleição é um dos fatores que as desmoralizam.
A prática da reeleição deixa novos candidatos em desvantagem, pois o titular no cargo geralmente tem mais acesso a recursos governamentais, maior visibilidade e mais chance de reconhecimento. Isso pode limitar a competição política saudável, essencial para a evolução e o progresso da governança. Por exemplo, um presidente e um governador em campanha de reeleição deveriam, pelo menos, se afastar do cargo para disputar em condições quase iguais às dos demais concorrentes. Pois o controle da máquina pública dá uma vantagem enorme a quem concorre à reeleição de cargos executivos. Não é preciso ser um gênio para constatar a desvantagem para os que concorrem com esses detentores de cargos.
Vale destacar que a corrupção e o aparelhamento da máquina pública não são causados apenas pela reeleição. No México, país gravemente afetado pela corrupção, não se permite a reeleição do presidente. Mas o sistema e suas falhas facilitaram o controle da vida política do país pelo Partido Revolucionário Institucional (PRI) durante décadas. Assim, o fortalecimento da democracia não exige apenas o fim da reeleição.Mas instituições fortes e autônomas e que exerçam auto contenção e controle sobre os demais.
Quando do debate da relação presidencial em 1997, cheio de denúncias de compra de votos, me posicionei a favor acreditando que a continuidade por dois mandatos seria benéfica para o país. Estava errado. De maneira clara, a reeleição não trouxe nenhum benefício. A prova é que o governo mais reformista foi a gestão Michel Temer que durou pouco mais de dois anos. Não precisou de muito tempo para construir o apoio necessário e propor agendas.
Enfim, a reeleição de presidentes e de governadores apresenta várias falhas que podem prejudicar a eficácia, a integridade e a democracia em um governo. É vital repensar essa prática, considerando alternativas que possam promover a renovação política, a responsabilidade governamental e a transparência. A introdução de limites estritos de mandato ou a proibição total da reeleição pode representar um passo importante para fortalecer as democracias e garantir que os interesses públicos sejam sempre a prioridade máxima.