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segunda-feira 24 de abril de 2023 às 16:04h

Nova portaria da Receita Federal e as perspectivas para os processos criminais tributários federais

JUSTIÇA, NOTÍCIAS


A partir do dia 1/5/2023, passará a vigorar a Portaria da Receita Federal do Brasil (RFB) n. 315/2023, que regulamenta o oferecimento de fiança bancária e seguro garantia em procedimentos administrativos fiscais perante a Receita Federal.

De uma maneira geral, essas regras permitem que a RFB passe a aceitar a apresentação de fiança bancária ou seguro garantia como mecanismos para (i) substituir (a) o arrolamento de bens dos contribuintes em casos de contencioso administrativo ou (b) as garantias apresentadas em processos de transação tributária, (ii) para liberar mercadorias apreendidas em certos tipos de fiscalização aduaneira e (iii) para substituir o depósito garantia requerido de empresas operadoras de remessas expressas internacionais.

Para além dos benefícios trazidos pela Portaria, especialmente nos casos em que são atingidos bens de outras pessoas físicas ou jurídicas apontadas como responsáveis pelas autuações, destacamos que as novidades trazidas pela Receita Federal podem passar a servir, do ponto de vista penal, como fundamento da justificativa do pedido da suspensão de procedimentos criminais em função da apresentação, na esfera cível, das referidas modalidades de garantia do crédito tributário de carta de fiança bancária e seguro garantia.

Como se sabe, é bastante comum que o contribuinte recorra ao Poder Judiciário para defender a legalidade da operação tributária que está sendo contestada pelo Fisco por meio de ações anulatórias, por exemplo, antes mesmo do ajuizamento da execução fiscal. Em tais situações, o oferecimento de garantias ao pagamento do crédito tributário que está sendo discutido é prática recorrente, principalmente por meio da carta de fiança bancária ou da apresentação do seguro garantia – agora regulamentadas pela referida Portaria RFB n. 315/2023, pois o depósito judicial do valor discutido compromete a saúde financeira da empresa.

Ocorre que, para além da autuação fiscal, tem sido recorrente a formalização de Representação Fiscal Para Fins Penais (“RFFP”) ao Ministério Público para apuração de eventual responsabilidade criminal dos contribuintes. Dados fornecidos pela Receita Federal indicam que, apenas no ano de 2021, foram elaboradas 2.358 RFFP, correspondentes a cerca de 27,8% de todas as ações fiscais encerradas naquele ano[1].

Considerando a apresentação da referida garantia pelos contribuintes, grande parte do Poder Judiciário tem concedido, no âmbito cível, a suspensão da exigibilidade da cobrança do débito tributário e, portanto, a suspensão da execução fiscal. E é exatamente neste ponto que se defende que esse efeito deveria repercutir nos procedimentos que discutem a prática de crimes contra a ordem tributária, especialmente ao se considerar as medidas despenalizadoras já previstas na nossa legislação, a saber, a extinção da punibilidade pelo pagamento do crédito tributário (prevista no art. 34 da Lei nº. 9.249/1995) e a suspensão da pretensão punitiva estatal em função da adesão a parcelamento (prevista no art. 83, §2º, da Lei nº. 9.430/96).

Ainda que se verifique o aumento de decisões judiciais favoráveis aos contribuintes reconhecendo, por exemplo, a ausência de justa causa para o prosseguimento procedimentos criminais em função da pendência de análise do caso em âmbito cível, e do oferecimento de seguro garantia ou carta fiança, a jurisprudência dominante é contrária à suspensão de investigações e de ações penais em tais hipóteses, sob o argumento de que as esferas cível e criminal são independentes, e também porque não há previsão legal nesse sentido[2].

Com publicação dessa nova portaria, compreendemos, em um primeiro momento, que o contribuinte terá um fôlego maior para discutir a autuação fiscal na esfera especializada, conseguindo postergar, ao menos no que diz respeito aos processos administrativos em que se discute créditos tributários de titularidade da União Federal, o momento da formalização de RFFP e o envio dos fatos ao Ministério Público Federal.

Além disso,  entendemos que a consolidação desses instrumentos pela própria Receita Federal como mecanismos legítimos e efetivos de garantia do crédito tributário torna premente o debate, em campo penal, sobre a necessidade de se reconhecer a apresentação da apólice de seguro e da fiança bancária como causas supervenientes hábeis a operar como hipóteses de suspensão da marcha processual de procedimentos criminais em curso, ainda que existam problemas mais espinhosos relacionados à persecução dos crimes contra a ordem tributária no ordenamento jurídico brasileiro, como a própria tipificação dos crimes previstos no art. 1º da Lei nº. 8.137/90

De todo o modo, apesar da louvável inovação, não se pode olvidar que tal norma somente se aplica aos processos em trâmite perante a RFB, de modo que se mostra relevante não só a reforma do próprio art. 151 do Código Tributário Nacional (CTN) – Lei nº 5.172/9166, que prevê as hipóteses suspensivas do crédito tributário, como também a regulamentação da apresentação de tais garantias por parte da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) para os processos judiciais em curso, como forma de reforçar, também, o avanço dessas discussões na seara penal tributária.

*Thaís Tereciano, advogada de Direito Penal Empresarial e mestre em Direito Penal Econômico pela FGV

*Bruno Borragine, sócio do escritório Bialski Advogados e mestrando em Direito Penal Econômico pela FGV

[1] Relatório Anual de Fiscalização 2021-2022. Disponível em: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/relatorios/fiscalizacao/relatorio-anual-fiscalizacao-2021-2022.pdf/view. Acesso em: 20/04/2023.

[2] Como exemplo, podemos citar a decisão proferida no Recurso Especial Nº 1.550.458 – SP, de relatoria da ministra Maria Thereza de Assis Moura.

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