As negociações sobre a formação das chapas no pleito municipal de outubro já estão atreladas, em alguns cenários, à disputa para vagas de senadores em 2026, mesmo a quase três anos das eleições gerais.
O pano de fundo desse movimento é o embate pela presidência do Senado, em meio ao acirramento das relações da oposição com o Supremo Tribunal Federal (STF), em especial após a operação da Polícia Federal (PF) na semana passada que teve como alvo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e dezenas de aliados.
Em 2026, o Senado vai renovar 2/3 da Casa, e esquerda e direita deverão protagonizar segundo Andrea Jubé, do Valor ,uma das disputas mais acirradas na história recente por uma das 54 vagas a serem abertas. Isso porque o Senado é a Casa legislativa com atribuição constitucional para julgar pedidos de impeachment de ministros do Supremo.
Um parlamentar experiente, de uma legenda do Centro político, observou ao Valor que a operação da PF que teve Bolsonaro como um dos alvos, e ainda levou à prisão o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, aprofundou a tensão no grupo que lidera a oposição ao governo Lula da Silva e ao PT.
Uma das consequências, na avaliação deste parlamentar, será o grupo de Bolsonaro dobrar a aposta na eleição para o Senado para tentar formar maioria e obter o controle da Casa.
Líder da oposição e ex-ministro de Bolsonaro, o senador Rogério Marinho (PL-RN) obteve 32 votos na eleição para presidente do Senado no ano passado. O resultado — mais de um terço dos votos — foi considerado expressivo, mas ficou longe dos 49 votos que reconduziram Rodrigo Pacheco (PSD-MG), aliado de Lula, para mais um mandato.
Uma das bandeiras de Marinho era, justamente, dar andamento aos pedidos de impeachment contra ministros do STF. Pacheco negou seguimento aos requerimentos, inclusive aos que miravam o ministro do STF Alexandre de Moraes, relator do inquérito sobre milícias digitais, que investiga os ataques à democracia, e tem como alvos Bolsonaro, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), e dezenas de aliados.
Até a operação policial, Bolsonaro e Valdemar articulavam meios para eleger entre 30 e 35 senadores do PL em 2026. Uma meta ousada já que a bancada atual da sigla tem 12 titulares. Como a decisão do ministro Alexandre de Moraes impediu a comunicação entre ambos, lideranças do PL deverão dar seguimento à estratégia.
Uma das apostas de Bolsonaro para o Senado é o ex-ministro do Meio Ambiente e atual deputado federal Ricardo Salles (PL-SP). Segundo fontes do PL, Valdemar entrou em campo para dissuadir Salles de concorrer à Prefeitura de São Paulo porque a prioridade do partido é compor a chapa do prefeito Ricardo Nunes (MDB), que busca a reeleição, na vaga de vice. Bolsonaro já indicou para a vaga o coronel da reserva da Polícia Militar Ricardo Mello Araújo.
Além disso, Salles é visto como um quadro de fôlego do bolsonarismo em São Paulo, com capital para disputar uma eleição majoritária: ele teve quase 641 mil votos e foi o quarto deputado federal mais votado em São Paulo em 2022.
O jornal Valor entrou em contato com Salles, que não confirmou as conversas com Valdemar e Bolsonaro sobre a sucessão municipal, e nem o projeto para concorrer ao Senado.
No campo da esquerda, Lula dialoga com a cúpula do PT no Rio de Janeiro para demover os aliados de reivindicarem a vaga de candidato a vice na chapa do prefeito da capital, Eduardo Paes (PSD), que tentará a reeleição. Em troca, o partido garantiria uma das duas vagas ao Senado na provável chapa de Paes ao governo fluminense em 2026.
Lideranças do PT no Rio, como o secretário de Assuntos Federativos e ex-presidente da Assembleia Legislativa André Ceciliano, disseram ao jornal que o partido quer indicar o vice de Paes. O próprio Ceciliano é um dos cotados, bem como o atual secretário municipal de Assistência Social, Adilson Pires.
Em outra frente, a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, articula nos bastidores para que a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, seja a candidata a vice do prefeito.
Anielle, irmã de Marielle Franco, é a principal aposta do PT para tentar alavancar o partido no Rio. No entanto, o próprio Lula e outras lideranças nacionais da sigla têm outros planos para a ministra: ela é vista como um nome de fôlego para disputar uma das duas vagas ao Senado pelo Rio. Ela comporia a chapa com Paes — mas em 2026, na corrida ao governo estadual.
De seu lado, Paes rejeita um vice do PT porque quer formar uma chapa pura com sua legenda, já que tem planos de renunciar ao mandato em 2026 para concorrer ao governo. O vice dos sonhos do prefeito é o deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ), ex-secretário municipal de Fazenda. Na hipótese de Paes reeleito, ele assumiria a Prefeitura em 2026, e teria o caminho pavimentado para a sucessão municipal em 2028, mantendo o PSD no poder na capital.
Em Pernambuco, as negociações do PT sobre a chapa municipal também envolvem o Senado, mas para beneficiar um aliado do Centrão, o Republicanos.
Candidato à reeleição, o prefeito de Recife (PE) João Campos (PSB) estaria disposto a aceitar o PT na vaga de vice. O partido é o seu principal aliado na gestão municipal. Nesta hipótese, entretanto, aliados do Centrão lançaram o nome da senadora Teresa Leitão (PT-PE) como vice de Campos.
Se a chapa se consumar, e sair vitoriosa, Teresa renunciaria à vaga de senadora para dar lugar ao primeiro suplente, o ex-deputado Silvio Costa, do Republicanos, e pai do ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho. O PT perderia um senador, mas o argumento a favor da manobra é de que a eventual posse de Costa contribuiria para ampliar a governabilidade no plano federal.
Coordenador do grupo de trabalho eleitoral (GTE) do PT, o senador Humberto Costa, que é pernambucano, confirmou ao jornal Valor que o partido deverá indicar o vice de João Campos, mas negou a articulação para favorecer Silvio Costa.
Segundo Humberto Costa, está consolidada na direção nacional do PT a orientação de não aceitar, na formação das chapas municipais, nenhuma condicionante ligada à governabilidade no plano nacional. “Isso não entra na nossa equação”, reforçou.
O senador reconheceu que o cenário para 2026 “é importante”, mas ponderou que até o momento a conjuntura futura não influenciou nenhuma das negociações em andamento para as chapas municipais.