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quarta-feira 11 de outubro de 2023 às 06:22h

‘Não vou ceder a extremismo nenhum’, diz Boulos

NOTÍCIAS, POLÍTICA


Líder na disputa pela Prefeitura de São Paulo, segundo o Datafolha, o deputado federal Guilherme Boulos (Psol) avalia que a cidade está parada no tempo e ficou para trás em debates liderados por grandes cidades do mundo, como a redução da distância entre moradia e trabalho, transição energética, a melhoria da mobilidade urbana, a diminuição da desigualdade social e o combate às mudanças climáticas. Deputado mais bem votado de São Paulo – e o segundo do país – em 2022, Boulos diz que falta visão de longo prazo ao prefeito e pré-candidato à reeleição, Ricardo Nunes (MDB). “O prefeito não é do tamanho da cidade.”

O pré-candidato do Psol afirma ter como desafio, a um ano da eleição, quebrar a imagem de “invasor” explorada por adversários em relação à sua militância no MTST, e conquistar apoios para além da esquerda. Boulos tem procurado empresários, investidores e comerciantes e não descarta parcerias com o setor privado, a despeito de ter apoiado a greve da Sabesp, Metrô e CPTM -que atacou a privatização, concessão e terceirização.

O parlamentar, no entanto, é crítico da influência que o setor imobiliário teve na revisão do Plano Diretor e diz que, se eleito, discutirá o tema com os vereadores.

Boulos foi ao segundo turno da disputa de 2020 contra o então prefeito Bruno Covas (PSDB), e lembra que foi uma campanha “civilizada”. Agora, com Ricardo Nunes, que assumiu depois da morte de Covas, em 2021, e busca o apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), prevê um embate marcado por “fake news”.

Quem só conversa com quem pensa igual, forma uma seita, não está habilitado para atuar na política”

O parlamentar foi lançado por Luiz Inácio Lula da Silva em 2022 e terá o PT na vice. Boulos não conseguiu reeditar a “frente ampla” de Lula na capital, mas afirma que a diversidade de apoios virá da sociedade civil. A seguir, trechos da entrevista ao jornal Valor:

Valor: Qual a sua estratégia para conquistar um eleitorado mais amplo, fora do campo da esquerda?

Guilherme Boulos: São Paulo tem histórico progressista. Já elegeu três prefeitos do campo de esquerda. Lula ganhou do [Jair] Bolsonaro na capital, Haddad ganhou do Tarcísio [de Freitas]. O desafio é quebrar uma caricatura que foi feita a meu respeito em um processo de criminalização de movimento social. Minha trajetória, minha luta por moradia digna [no MTST], ela é conhecida, mas hoje o debate político no país se tornou muito rebaixado, se resolve com meme, com vídeo lacração de 15 segundos. E houve estigmatização da minha trajetória, de extremista, invasor, radical. Com o diálogo com o conjunto da cidade, isso se quebra. Conseguimos quebrar uma parcela disso em 2020 e desmistificar. Não foi o suficiente. Temos que mostrar que a minha atuação política e convicções políticas não têm nada do extremismo que os adversários tentam colocar.

Valor: Nos diálogos que o senhor tem com empresários e investidores, que temores tem ouvido?

Boulos: Há uma preocupação de como vou lidar com contratos, se vou rompê-los. Se um concessionário da prefeitura está cumprindo contrato, prestando serviço de forma adequada, vou cobrar que cumpra o contrato. O nosso esforço é para quebrar um estereótipo, um medo, um preconceito que construíram ao meu respeito.

Valor: A eleição em São Paulo é aposta da extrema direita para tentar sobreviver. Como isso já tem se refletido na sua pré-campanha?

Boulos: Com ataques frontais. O bolsonarismo quer fazer de São Paulo o seu polo de sobrevivência e não vamos permitir. A aliança de Ricardo Nunes com Bolsonaro, o ‘BolsoNunes’, a tentativa de unir um frentão para nos derrotar, a forma como eles têm atuado, a quantidade de ‘fake news’, de ataques é uma coisa violenta, brutal. Nesses últimos dias disseram que eu era ligado ao Hamas. E lamento porque promovi uma campanha com Bruno Covas marcada pela civilidade. Diferenças políticas evidentes, mas promovemos um debate civilizado, franco, honesto. Lamento que Nunes não esteja preparado para o debate civilizado e que aposte nesse tipo de jogo baixo, de ‘fake news’. Nosso ponto de partida é apresentar propostas que gerem esperança. Não vou entrar num ringue de vale tudo com o prefeito que caiu de paraquedas, que lamentavelmente não se coloca à altura dos desafios da cidade.

Valor: Jean Gorinchteyn, ex-secretário de saúde de Doria, se afastou da sua pré-campanha com críticas ao fato de o senhor não ter repudiado o ataque do Hamas a Israel.

Boulos: Lamento. Nos conhecemos há uns dois meses, ele demonstrou interesse em ajudar, fez sugestões. Eu condeno sem meias palavras os ataques do Hamas a civis israelenses, como condeno sem meias palavras os ataques do Benjamin Netanyahu a civis palestinos. Não podemos ter dupla moralidade. Setores de extrema direita postaram uma foto de quando visitei a Cisjordânia para conhecer a situação dos territórios palestinos e disseram que eu estava associado ao Hamas. Isso criou ‘‘fake news” e Jean recebeu pressões de extremistas para tomar esse posição. Lamento. Agora, não vou ceder a extremismo nenhum e não vou modificar minhas convicções por qualquer tipo de conveniência.

Valor: O senhor defendeu a greve contra a privatização, concessão e terceirização. Mas o governo Lula aposta em concessões, PPPs e terceirizações. Como vai se mover nesse debate e conciliar essa crítica em SP à defesa de Lula a esses modelos?

Boulos: Assim como o governo Lula, defendo o serviço público de qualidade. Isso implica em servidor valorizado, na abertura de concursos. O governo federal tem feito isso. Onde o serviço público eventualmente não chega com eficiência, ter parcerias não é uma questão de dogma. A questão é o serviço público chegar com qualidade nas pessoas que precisam.

Valor: Sua equipe de campanha será mais ampla ideologicamente do que em 2020?

Boulos: Tem figuras que não necessariamente se identificam com o meu partido ou com meu campo político, mas que podem contribuir para um debate voltado para o combate às desigualdades. Tem dois grandes temas que queremos levar. Um é o combate às desigualdades. É insustentável a cidade ter 53 mil pessoas morando nas ruas. O outro é um processo de modernização. Estive em Harvard, discutindo com 15 professores, estudiosos sobre questões urbanas e combate a mudanças climáticas. Estive com o ex-prefeito de Nova York Bill de Blasio, estive em Santiago com a prefeita Iraci Hassler. Estou conhecendo as experiências internacionais de vanguarda urbana. O mundo todo discute redução de distâncias, transição energética, inclusive da frota de transporte público, aumento das áreas permeáveis. São Paulo, infelizmente, com essa gestão, parou no tempo. São Paulo sempre foi uma cidade cosmopolita, ligada aos debates de todas as cidades globais. Hoje, com um prefeito que não é do tamanho da cidade, ficou para trás.

Condeno sem meias palavras os ataques do Hamas a civis israelenses e os ataques do Netanyahu a civis palestinos’

Valor: O que seria possível trazer dessas experiências para SP?

Boulos: Estamos discutindo três. Primeiro, a redução de distâncias que está sendo feito em Paris para aproximar a moradia do trabalho. É problema crônico de São Paulo, com a concentração de trabalhadores nas periferias e a das oportunidades e geração de emprego no centro expandido. É preciso estimular a destinação de serviços públicos, privados, infraestrutura, oferta de emprego nas periferias. Reduz o trânsito, congestionamento, emissão de carbono. Ao mesmo tempo, é preciso repovoar o centro, onde tem maior oferta de infraestrutura e de serviços. Ter prédios de uso misto, habitação social e para classe média, áreas de cultura, lazer, parceria com o setor de bares e restaurantes.

Valor: E os outros?

Boulos: O segundo é eletrificação da frota, com ônibus elétricos. É essencial não só para a redução da emissão de carbono mas também para a melhor qualidade do transporte. Conversei com o BNDES, propus uma linha de crédito para ônibus elétrico. Fizemos reunião no BNDES com as empresas concessionárias do transporte público e o banco vai lançar neste mês uma linha de crédito. E o terceiro é a perspectiva de digitalização, cidades inteligentes. Hoje as aprovações fiscais, alvará, são todas no papel. Isso favorece a corrupção. Bill de Blasio falou da experiência em NY de estimular o empreendedorismo digital com startups em galpões abandonados. Na Mooca, Brás, Pari há muitos galpões, muitos são tombados. É estimular a tecnologia.

Valor: Como prevê a interação com o governo do Estado e prefeituras da região metropolitana?

Boulos: A minha postura é de diálogo. E, se o povo paulistano me der a oportunidade de ser prefeito, vou me comportar como prefeito da cidade como um todo. Aprendi nessa trajetória de atuação política que, para ter efetividade, precisa ter capacidade de buscar consensos, de dialogar, de buscar quem pensa diferente. Quem só conversa com quem pensa igual, forma uma seita, não está habilitado para atuar na política. No mandato parlamentar, aprovei dois projetos com votos do PSDB, MDB, PSD, do União Brasil, Republicanos, que têm posições diferentes da minha.

Valor: A revisão do Plano Diretor é alvo de críticas. Vê a possibilidade de alterar ou rediscuti-lo?

Boulos: Quero discutir isso com a Câmara dos Vereadores. É inaceitável que por uma aliança do prefeito com alguns vereadores, com grandes construtoras, está acontecendo [a verticalização] em todo miolo de bairro do centro expandido. No plano original, a ideia era reduzir vaga de garagem e fazer a ampliação do coeficiente construtivo só em áreas próximas a metrô e corredor de ônibus, para estimular o uso do transporte público. Agora, expandiram os eixos e ampliaram vagas de garagem. Estimula que mesmo do lado do metrô, se use o carro. Estão erguendo prédio de 20 andares onde tinha quatro casas. De quatro famílias, passa para 40. De oito carros, para oitenta. Daqui a pouco vai ter congestionamento para sair da garagem. Falta planejamento, projeto. A cidade pagará um preço.

Valor: Na área de transporte, o subsídio às empresas de ônibus deve ser de R$ 7,4 bilhões. Pretende rever isso? Que ações estuda tomar para melhorar o trânsito? E está no seu horizonte o passe livre?

Boulos: Temos que ser responsáveis no debate de tarifa zero. Tem que ser pensada como um ponto de chegada, não como ponto de partida. Se implementar hoje, sem ter a ligação com o metrô, os passageiros do metrô vão migrar para o ônibus e vai colapsar o sistema de ônibus, além do aumento da demanda que seria natural pela tarifa ser zero. Uma melhor equação de financiamento do transporte público passa pela eletrificação da frota. O custo de rodagem do transporte eletrificado é em torno de três vezes menos que o diesel. O que São Paulo paga hoje de subsídio pode ser daqui a algum tempo o custo global do sistema. Precisamos tomar a decisão de investimento em transporte público de massa, ampliar corredores e faixas exclusivas. Essa gestão não valoriza o transporte público.

Valor: A prefeitura prevê quase R$ 15 bilhões em investimentos para 2024. Teme um super investimento em obras no ano eleitoral, desequilibrando o jogo?

Boulos: Nunes já está fazendo isso. Deixou a cidade abandonada por três anos e agora está recapeando, de forma descriteriosa e suspeita. Descriteriosa porque tem avenida boa, com asfalto bom que foi quebrado e botaram outro em cima, enquanto tem miolo de bairro igual a queijo suíço. O TCM fez alerta sobre o superfaturamento de 8,5% do asfalto. Mas as pessoas não são bestas. Uma coisa que 2022 mostrou é que a máquina sozinha não ganha a eleição. Rodrigo Garcia inaugurava dez obras por dia e não foi para o segundo turno. Bolsonaro usou a máquina de maneira obscena e perdeu. Não subestimo a máquina, mas também não subestimo a inteligência dos eleitores. Chegar na véspera de eleição e fazer operação para inglês ver, as pessoas percebem.

Valor: Na região da cracolândia, quais ações pretende tomar?

Boulos: Tem quatro dimensões que precisam ser enfrentadas: 1) segurança pública. Tem que evitar que a droga chegue lá, com investigação da Polícia Civil. 2) saúde. Estamos estudando projeto de CAPS móveis, para levar profissionais de saúde mental para atendimento e buscarem soluções para cada caso. Não pode ser tratado de forma ideológica. Tem caso que é redução de danos, tem caso que é internação. Quem vai dizer é o profissional qualificado. 3) moradia. Política de acolhimento emergencial, de locação social que separe as pessoas da cena de uso do crack. 4) Geração de renda. Frentes de trabalho para dar oportunidade para reconstruir a vida. Todo ser humano pode ser recuperado.

Valor: A cada novo governo, as ações na cracolândia são interrompidas. O que o senhor manteria? E qual é o principal problema?

Boulos: O grande problema é a tática de operações de choque da polícia, que levou à dispersão dos usuários. Só piorou a questão da segurança. Outro problema é a descontinuidade absoluta da gestão. E não pretendo fazer isso. Eventualmente consultórios de rua, de políticas de acolhimento, de construção de CAPS-AD na região, isso pretendo não só manter como ampliar, independente de quem tem a marca registrada de ter feito. Não tem bala de prata. Tem que ter política continuada.

Valor: Há 32 mil pessoas em situação de rua (ou 53 mil, segundo a UFMG). O que vê como possível fazer no curto e médio prazo?

Boulos: O grande tema é moradia. Precisa ter uma produção habitacional para atender essas pessoas. E como é um processo que demora, precisa ter acolhimento emergencial adequado. Isso está faltando. Mesmo se fossem 32 mil, temos só 20 mil vagas disponíveis nos abrigos. O projeto que foi apresentado como piloto, do Reencontro, além de todos os problemas que tem, a meta é fazer 1,5 mil unidades. É insuficiente, tem um problema crônico de escala. Ao mesmo tempo, geração de emprego e renda, dar oportunidade, condição para reconstruir a vida.

Valor: O mapa eleitoral mostra o avanço da centro-direita em redutos da esquerda. Em 2016, Doria ganhou em 56 dos 58 distritos. Covas ganhou em 50. O prefeito tem investido na periferia. Como pretende barrar esse avanço?

Boulos: Nesse período a esquerda estava muito fragilizada. Em 2016 teve a Lava-Jato e o impeachment de Dilma. Em 2020, Bolsonaro era presidente. Já em 2022, Haddad e Lula ganharam em praticamente quase todos os bairros da periferia. Tem uma situação de mudança conjuntural do país e da cidade. Tenho o apoio decidido de Lula, que é a maior liderança popular do Brasil e tem uma relação com o povo periférico muito forte. Isso tem um impacto. Nunes não decidiu se vai ter o apoio do Bolsonaro ou não. Ele está numa posição vexatória, implorando o apoio de Bolsonaro. Apequena o cargo de prefeito. Ele esconde seus aliados. E Bolsonaro tem uma rejeição tremenda na cidade. Até janeiro, vamos andar as 32 subprefeituras. Tem obras pontuais, é fato, mas o sentimento é de abandono. Falta até dipirona no posto de saúde.

Valor: O senhor disse que tentaria reeditar a frente ampla do Lula. No entanto, só teve apoio dos partidos federados ao Psol e ao PT. O PSB terá candidatura própria. Avalia que faltou empenho do governo federal na construção dessa aliança?

Boulos: Não, Lula tem me ajudado em tudo. Não só ele como o governo, os ministros. Lula tem nos chamado para discutir investimentos em São Paulo. Estou discutindo com o Ministério da Saúde sobre um novo hospital em Santo Amaro, a liberação de recursos para ampliação de um centro oncológico na zona leste, a ampliação de leitos e requalificação do Hospital São Paulo. Estou discutindo com o Ministério da Educação a criação de institutos federais em Cidade Tiradentes e no Jardim Angela, o campus da Unifesp em Itaquera. Rui Costa me chamou para acompanhá-lo na Fiesp. Sobre partidos, estamos dialogando com PDT e Avante. Nossa frente não é estritamente de partidos, é social, vai envolver vários setores, empresários, comerciantes, sindicatos, movimentos sociais, produtores, artistas. A máquina tem mais poder de atrair partidos, mas isso não define eleição.

Valor: Como avalia a candidatura de Tabata Amaral, com o apoio de Alckmin e Márcio França?

Boulos: Quem tem voto em São Paulo é Lula, muito mais do que ministros e figuras do governo.

Valor: A escolha da vice será feita por Lula? Será Ana Estela Haddad?

Boulos: Ana Estela é um quadro extremamente qualificado e que contribuiria muito. A escolha passará por um diálogo do PT, e a posição de Lula será bem recebida.

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