Integrantes do Superior Tribunal Federal (STF) e de tribunais superiores acreditam que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tornará o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) inelegível no julgamento marcado para a próxima quinta-feira (22). O diagnóstico segundo Matheus Teixeira, da Folha, é o de que há uma tendência desfavorável ao ex-mandatário.
As consequências políticas da eventual inabilitação de Bolsonaro, no entanto, dividem opiniões nos principais tribunais do país.
Há uma corrente que entende ser ruim tirar o ex-mandatário de jogo neste momento porque a decisão anteciparia a disputa presidencial de 2026 e daria força política a um herdeiro do bolsonarismo, que seria o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Ex-ministro de Bolsonaro, Tarcísio é o aliado do ex-presidente com cargo de mais destaque no país. Ele é visto como possível candidato ao Planalto no próximo pleito, embora negue a intenção.
Bolsonaro liderou um governo marcado por conflitos com o Judiciário e ameaças de desrespeito ao resultado das eleições. Além do mais, apoiadores do ex-mandatário permaneceram por semanas mobilizados contra a vitória de Lula (PT) e protagonizaram os ataques golpistas de 8 de janeiro.
Material analisado no celular apreendido do ex-ajudante de ordens Mauro Cid mostra ainda que teorias golpistas circularam no entorno do ex-presidente. Havia no aparelho um documento com uma espécie de roteiro para um golpe de Estado, além de conversas com oficiais que defendiam a Cid que Bolsonaro deflagrasse uma intervenção militar.
Se há ministros de tribunais superiores apreensivos com o possível fortalecimento do bolsonarismo pelas mãos de Tarcísio, uma leitura diferente tem ganhado força nos bastidores, principalmente após a posse de dois ministros no TSE muito próximos ao presidente da corte, Alexandre de Moraes —o principal algoz dos bolsonaristas no Supremo.
O empoderamento de Tarcísio é bem visto por parte do Supremo e do TSE. Ele tem boa relação com integrantes da cúpula do Judiciário e é considerado alguém que se distanciou da ofensiva do aliado ao STF e ao TSE. Portanto, embora próximo de Bolsonaro, ele não é encarado como um risco às instituições.
A avaliação positiva sobre a postura de Tarcísio não ocorre à toa. Mesmo quando era ministro de Bolsonaro, ele não endossou as afirmações mais belicosas do ex-presidente contra ministros do Judiciário.
Pelo contrário. Os elogios que fazia ao Supremo nos bastidores ficaram mais claros após ter sido eleito governador, ganhando vida própria na política.
A proximidade dele com Moraes, ministro responsável pelos inquéritos contra Bolsonaro, ficou exposta na posse de dois novos ministros do TSE no fim de maio. Tarcísio foi convidado pelo magistrado para a cerimônia. No local, eles ficaram, juntamente com o ministro Gilmar Mendes, conversando por mais de 30 minutos em um ambiente público.
Antes disso, em dezembro, quando Bolsonaro já havia perdido a eleição, Tarcísio foi visto aos risos com Moraes em uma cerimônia no STJ (Superior Tribunal de Justiça). Na mesma época, fez elogios públicos ao ministro Luís Roberto Barroso, a quem o ex-presidente já xingou.
“Não vou fazer o que erramos no governo federal de tensionar com Poderes”, disse Tarcísio na ocasião.
“Vamos conversar com ministros do STF. E Barroso é um ministro preparadíssimo, razoável. Sempre que eu, na condição de ministro [da Infraestrutura], precisei dele, ele ajudou o ministério. Sempre votou a favor das nossas demandas. Mas ‘os caras’ me esculhambaram.”
A avaliação de juízes é que Moraes será fundamental para o resultado final do julgamento. O ministro é atuante nos bastidores e costuma ter muita influência no rumo que discussões importantes tomam nas sessões do TSE.
Isso ainda foi reforçado com a posse dos ministros André Ramos Tavares e Floriano Marques. Ambos assumiram assentos na corte eleitoral devido às articulações de Moraes e têm relação próxima com ele.
O ministro deve permanecer como figura incontornável para o próximo governo —quem quer que seja eleito. Isso porque, caso siga o rito tradicional, o que ocorre geralmente, ele deverá se tornar presidente do STF no fim de 2027, primeiro ano de mandato do próximo presidente.
Assim, o futuro chefe do Executivo terá de conviver por dois anos com Moraes como chefe do Supremo.
O relator da ação que pode levar à inelegibilidade de Bolsonaro é outro fator que tem pesado na avaliação de que a tendência é pela perda dos direitos políticos do ex-mandatário.
O ministro Benedito Gonçalves, que também pertence ao STJ, tem relação próxima com o presidente Lula e trabalha para ser indicado ao Supremo na vaga de Rosa Weber, que será aberta em outubro.
Ele será o primeiro a votar e a dizer se a ação que analisa se a reunião promovida por Bolsonaro com embaixadores no Palácio da Alvorada, em julho do ano passado, configura abuso de poder político. Na ocasião, o então mandatário fez acusações contra o sistema eleitoral sem apresentar provas.
O processo foi iniciado a partir de uma representação enviada à corte pelo PDT, partido que compõe a base de apoio de Lula. Se for declarado inelegível, Bolsonaro, 68, não poderá disputar eleições por oito anos —prazo que conta a partir do pleito de 2022.
Benedito Gonçalves apresentou um relatório com todas as providências adotadas no âmbito da investigação eleitoral, incluindo depoimentos de testemunhas.
Ele também mencionou a manifestação da PGE (Procuradoria-Geral Eleitoral), que opinou pela parcial procedência da ação, a fim de que seja declarada a inelegibilidade de Bolsonaro em razão de abuso de poder político e de uso indevido dos meios de comunicação.
A Procuradoria afirmou que distorções e inverdades repetidas pelo ex-presidente na reunião e as insinuações de que a Justiça Eleitoral agiria para beneficiar o candidato adversário influenciaram indevidamente parte do eleitorado a desconfiar do sistema eleitoral.
Segundo o parecer, o ambiente resultou em consequências violentas, de inconformismo com os resultados das eleições, somados a alegações falsas de que o pleito tinha sido ilegítimo e fraudulento.