As derrotas desta semana escancararam no Planalto a dificuldade na relação com o Congresso: em minoria, o governo não sabe como reverter as votações, especialmente quando se trata de pautas de costume.
O que aconteceu
O governo já esperava parte dos reveses na sessão do Congresso que analisou vetos de Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL), mas os números expressivos e “traições” da base acenderam alerta. No Planalto, a avaliação é que a articulação tem de melhorar, mas que o principal ponto é não saber como pautar alguns temas importantes em meio a um Legislativo tão conservador.
A gestão já diz ter aceitado que precisa mudar radicalmente a estratégia. Interlocutores explicam que em alguns casos, em especial nas chamadas pautas de costume, “não há emenda que resolva” e, em reserva, dizem que o presidente Lula “finalmente” entendeu que as relações mudaram quando comparadas aos dois primeiros mandatos dele, entre 2003 e 2010.
O problema, afirmaram pessoas próximas a Lucas Borges Teixeira, do portal Uol, é qual caminho tomar. Só na última terça-feira (28), foram diversas derrotas expressivas, da derrubada do veto à saidinha de presos à taxação das comprinhas internacionais.
Choque de realidade
Lula já sabia ter minoria, mas vinha tentando acenar ao Legislativo, repetindo contar com o apoio do Congresso na maioria dos projetos do governo. Agora, porém, membros do governo admitem, em reserva, que a gestão está começando a entender apenas agora que a relação não é a mesma dos primeiros mandatos nem se resolve só com a liberação de emendas parlamentares.
O calcanhar de Aquiles são as pautas de costume (ou “ideológicas”). Articuladores têm argumentado que, diferentemente de pautas econômicas, casos como o da saidinha, cujos vetos de Lula foram derrubados na terça, não são resolvidos na base da conversa ou mesmo no toma-lá-dá-cá. Especialmente em ano eleitoral, como é 2024.
Preocupados, membros do governo lembram que a maioria não é só oposição, mas conservadora. Isso explicaria, por exemplo, parte das traições de partidos da base que ocorreram nas últimas votações. Ministros palacianos dizem entender que casos assim são “perdidos” porque este parlamentar aliado responde a uma base eleitoral que tem resistência a algumas pautas do governo.
Segundo o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), Lula pediu para “melhorar a organização no processo”. O senador contemporizou: argumentou que as derrotas não ocorreram em pautas “programáticas”, que essas derrotas já estavam assimiladas e que Lula estava “tranquilo”.
Matéria econômica tramita de um jeito, matérias chamadas de costume tramitam de outro. Qual é a base? Depende do tema. Nós estamos em um período em que a política não é mais a que era de 8, 10 anos atrás, está totalmente bipolarizada, fanatizada.
Jaques Wagner, líder do governo no Senado, na quarta (29)
Derrotas previstas
O governo já espera que o tema das saidinhas seja judicializado no STF. Derrota mais expressiva da terça, Lula já havia sido avisado de que perderia. Não à toa, quando o ministro Ricardo Lewandowski (Justiça) fez o anúncio do veto, a gestão usou os argumentos na base da constitucionalidade, indicando que o caso poderia acabar no Judiciário.
Em outra pauta de costume, mas neste caso também de economia, o governo não conseguiu impedir o avanço bolsonarista sobre a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias). Em dezembro, a Câmara aprovou dispositivos que impediam a União de financiar ações como cirurgias para mudança de sexo de crianças ou realização de abortos que não constam na legislação. Lula vetou. Na terça, os parlamentares derrubaram.
Já o veto de Bolsonaro à criminalização das fake news, mantido pelo Congresso, incomodou mais o governo. A gestão avaliou como uma derrota mais impactante porque é um assunto caro a Lula e à comunicação do governo, que atribui às desinformações parte da culpa dos problemas de popularidade. A votação, inclusive, acabou sob gritos de “Lula ladrão, seu lugar é na prisão”.
A votação da ‘taxa das comprinhas’ ficou no meio termo. No caso da taxação de compras de até US$ 50, aprovada simbolicamente, o governo conseguiu parte do que Lula pretendia. Lira queria a taxação de 60%; o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também. O presidente queria vetar. 20%, como ficou decidido, foi a menor entre as taxas oferecidas.
E agora?
O governo já admite há um tempo que a estratégia precisa mudar, mas ainda não sabe como. Reclamações sobre a articulação, em especial voltadas ao ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e aos líderes José Guimarães (PT-CE), na Câmara, e Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), no Senado, voltaram a aparecer, mas não explicam sozinhas o problema, avaliam fontes importantes do governo.
Alguns setores do PT defendem maior radicalização. Argumentam que Lula tem um arsenal popular grande e, se aumentar os apelos populistas, pode influenciar na base desses mesmos deputados.
Aliados mais pragmáticos advertem que a radicalização só aumentaria o isolamento do governo. Eles dizem, inclusive, que em casos como o da saidinha, Lula deveria ter cedido de cara, sem o veto, para evitar o constrangimento.
A insegurança também aumenta a insatisfação. Petistas históricos reclamam que, se Lula sempre anuir com os pedidos do Congresso, “não faria sentido ter eleito um governo de esquerda”.