O leilão do aeroporto de São Gonçalo do Amarante (RN), marcado para 19 de maio, deverá se tornar a primeira relicitação do país. Foram necessários seis anos, desde a publicação da lei que criou o formato, para que a primeira iniciativa chegasse a esta etapa. Apesar da expectativa de sucesso neste caso, o caminho da relicitação ainda é alvo de ceticismo segundo Taís Hirata, do jornal Valor, no setor de infraestrutura, que não vê o mecanismo como uma saída para as demais concessões problemáticas.
Hoje, outras alternativas estão sendo desenhadas pelo governo federal, junto com agências reguladoras, órgãos de controle e empresas. Há dois principais caminhos em avaliação: um reequilíbrio amplo do contrato, para que o atual concessionário consiga se manter à frente do ativo; ou uma reestruturação da concessão, para viabilizar a venda a venda a terceiros – sejam públicos ou privados.
No primeiro caso, a proposta é fazer a repactuação do contrato. Nesse processo, diversas ferramentas podem ser acionadas, como realizar um “encontro de contas”, incluindo todas as multas e desequilíbrios pendentes, a possibilidade de reprogramar investimentos ou incluir novas obras e alterar cláusulas contratuais.
Algo semelhante já foi feito na última gestão do governo paulista, com a renegociação de concessões rodoviárias, para resolver passivos bilionários, observa Massami Uyeda Jr, sócio do Arap, Nishi & Uyeda Advogados. “Dentro dos reequilíbrios, houve troca de taxa de retorno, de amortização. Vários índices foram rediscutidos, dentro da discricionariedade da administração”, diz ele.
Um segundo caminho seria reestruturar o contrato para viabilizar a venda do ativo. Esta perspectiva ganhou força em 2022, quando o Tribunal de Contas da União (TCU) deu aval a um arranjo inovador no Mato Grosso. O governo estadual estava frustrado com a demora na relicitação da Rota do Oeste, concessão fracassada da BR-163, da Odebrecht. Para destravar as obras, a gestão propôs a compra do contrato, por meio da estatal MTPar. O TCU autorizou a transação – que envolveu não só a venda, mas a alteração de obrigações e termos contratuais.
O TCU deixou claro que só deu o aval porque se tratava de uma venda a uma estatal. Porém, grupos têm buscado ampliar a flexibilização, para permitir o mesmo formato em operações privadas.
Uma possibilidade em estudo é reestruturar o ativo para uma venda, com a inclusão de uma concorrência entre os interessados. Dessa forma, se evitaria uma flexibilização contratual em benefício de uma empresa privada específica, algo que dificilmente o TCU aprovaria, dizem fontes.
“O mercado está otimista com as soluções em debate. O caso da Rota do Oeste é um precedente importante, mas não há muitos entes públicos com a mesma capacidade financeira da MTPar. Então é importante estudar saídas junto a entes privados. Há atores com apetite para mercado secundário, que são potenciais compradores”, diz Marco Aurélio de Barcelos, presidente da ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias).
A ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) destaca que essas alternativas estão sendo estudadas “sem prejuízo dos atuais processos de relicitação, que continuam o seu curso conforme determina a legislação sobre o tema”, disse o órgão.
Hoje, além do aeroporto potiguar, há ao menos outras nove concessões problemáticas que aderiram à relicitação. Porém, na avaliação de analistas, apenas uma ainda tem grande chance de se concretizar, a Via 040, concessão rodoviária da Invepar. O projeto foi aprovado pelo TCU na última quarta (19). Agora, retorna para a análise final da ANTT.
A percepção é que as saídas para as concessões problemáticas terão que ser variadas e pensadas caso a caso, avalia Letícia Queiroz, sócia do Queiroz Maluf Advogados. “Haverá uma cartela de soluções, considerando as várias peculiaridades”, afirma.
Para ela, o caso do Mato Grosso indicou o embasamento jurídico que deverá pautar todos os casos: a tese de que, para resolver uma incerteza jurídica ou situação de disputa, o poder público pode buscar uma solução equilibrada que atenda ao interesse geral.
Procurado, o Ministério de Transportes disse, em nota, que “a intenção é impulsionar os investimentos privados por meio de uma reestruturação dos contratos de concessões já existentes. Neste sentido, o ministério estuda todos os projetos para que se chegue a uma modelagem mais atrativa para investidores e União, permita o reequilíbrio dos contratos, agilize investimentos e seja benéfica para a população”.
Um consenso no setor é a importância de acelerar o processo e realizar os investimentos – algo que a relicitação falhou em fazer. “É um instituto bom, seria o caminho correto para cuidar dos riscos. Mas, na prática, houve dificuldade para se chegar a um consenso, principalmente sobre os valores de indenização a serem pagos aos antigos concessionários. Isso levou a uma demora grande, que frustrou o setor”, afirma Lucas Sant’Anna, sócio do Machado Meyer.
Procurada, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) afirmou, em nota, que “eventuais alterações nos dois processos de concessão [Galeão e Viracopos] não chegaram formalmente à Anac, razão pela qual não cabe à agência emitir opiniões”. O Ministério de Portos e Aeroportos não se pronunciou.