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segunda-feira 7 de agosto de 2023 às 07:33h

Essa é a resposta da Caixa sobre o uso político do consignado do Auxílio

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Um documento com 17 páginas totalmente tarjadas. Foi assim que a Caixa Econômica Federal respondeu a uma determinação da CGU (Controladoria-Geral da União) para dar transparência a informações solicitadas pelo UOL sobre suspeitas de uso político do crédito consignado do Auxílio Brasil.

As tarjas só podem ser removidas pela Caixa. Mas Amanda Rossi, do portal UOL, que teve acesso aos documentos originais, sem as ocultações. A atual gestão do banco — que mantém dirigentes que operaram a distribuição do consignado durante o processo eleitoral — estava tentando esconder comunicações sobre riscos e perdas com a linha de crédito.

Os trechos que foram tarjados revelam que o consignado do Auxílio Brasil foi iniciado aos atropelos, com dúvidas e pendências que representavam riscos financeiros e jurídicos. Os demais grandes bancos não aceitaram participar, só a Caixa aderiu. Os prejuízos começaram a aparecer já em novembro.

As informações reforçam as suspeitas de uso político do consignado pela Caixa para favorecer Bolsonaro nas eleições. O então presidente tinha menor intenção de voto entre eleitores de baixa renda, segundo as pesquisas da época.

Em fevereiro, o portal UOL revelou que a Caixa cortou o consignado após a derrota de Bolsonaro. Do total de R$ 7,6 bilhões liberados em 2022 pelo banco, 99% se concentraram entre o primeiro e o segundo turno.

Também em fevereiro, o UOL pediu, pela Lei de Acesso à Informação, documentos sobre o corte do consignado. Solicitou ainda comunicações trocadas entre a Caixa e órgãos do governo federal sobre o tema, para entender como foi o processo de tomada de decisão. O banco estatal vem se negando, desde então, a fornecer as informações.

Em julho, a CGU determinou que a Caixa enviasse as comunicações. Na semana passada, o banco respondeu com o documento tarjado. Algumas páginas foram completamente ocultadas. Outras mostram apenas palavras sem qualquer significado. A página 12, por exemplo, diz:

XXX solicitamos possibilitar XXX Considerando manifestação prévia sobre XXX solicitamos XXX posto que entendemos XXX

Karla Ferreira, superintendente da Caixa, em e-mail de 10 de novembro de 2022, totalmente tarjado pelo banco

Já os documentos sem tarja abordam, sem rodeios, a falta de discussão para implementar rapidamente o consignado em outubro de 2022.

As discussões sobre o tema não foram realizadas, em grande parte dada a necessidade de priorização de ações referentes à implementação da política pública.

Ministério da Cidadania, em e-mail para a Caixa em 7 de outubro de 2022

A reportagem questionou a Caixa sobre as tarjas, mas o banco não se manifestou.

Veja aqui o documento tarjado da Caixa.

O que a Caixa tentou esconder com as tarjas

1) “Risco imprevisível às instituições financeiras”

Em 7 de outubro de 2022, cinco dias após o primeiro turno e três dias antes do início da liberação do consignado, a gerente nacional de consignado da Caixa enviou um e-mail para o governo Bolsonaro, intitulado “Alterações – Portaria 816 do Ministério da Cidadania”.

A portaria, que havia sido publicada em 26 de setembro, permitia o início do consignado do Auxílio Brasil.

A Caixa apontou oito problemas na portaria, que precisariam ser alterados.

Um deles era um erro crasso: a portaria fazia referência a uma lei errada. Citava a legislação do consignado para aposentados e pensionistas do INSS, que autoriza o desconto de até 35% dos rendimentos. Mas, para o consignado do Auxílio Brasil, a lei era outra, e permitia o desconto de até 40%. Foi preciso editar uma portaria complementar para fazer a correção.

Outros problemas graves não foram solucionados. A portaria dizia que, se um tomador do empréstimo tivesse o Auxílio cancelado por irregularidade, os bancos deveriam devolver para o Estado todas as parcelas do consignado já pagas.

A Caixa reclamava que o Ministério da Cidadania não tinha dado informações suficientes sobre situações que levariam ao cancelamento dos benefícios.

A possibilidade de glosa [cancelamento] sem referidos detalhamentos impõe risco imprevisível às instituições financeiras e de difícil mensuração em relação à perda que pode advir do processo, uma vez que não há segurança, ainda, a partir dos dados disponibilizados.

Solicitamos a exclusão do artigo até que haja maior aprofundamento das tratativas e as instituições possam estabelecer procedimentos operacionais suficientes para evitar a concessão de crédito para clientes mais propensos ao cancelamento do benefício.

Karla Ferreira, superintendente da Caixa, em e-mail ao Ministério da Cidadania em 7 de outubro de 2022

O Ministério da Cidadania respondeu no mesmo dia. Disse que a portaria estava vaga “propositalmente”, já que “as discussões sobre o tema não foram realizadas, em grande parte dada a necessidade de priorização de ações referentes à implementação de política pública”. Acrescentou que “oportunamente serão realizados alinhamentos com todas as partes envolvidas”.

O e-mail da Caixa apontava ainda que a portaria tinha pontos em desacordo com resoluções do Banco Central e que havia dúvidas sobre regras operacionais.

Apesar disso, a Caixa começou a liberar o consignado imediatamente. Onze dias depois, outro documento interno — que deveria constar na resposta à CGU, mas foi ocultado — registra que a procura pelo crédito foi recorde, com 206 milhões de acessos no app CaixaTem. “Ou seja, seria como se quase toda a população do país interagisse com o banco”.

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Imagem: Arte/UOL

2) “Perda relevante em novembro de 2022”

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Oito dias após a derrota de Bolsonaro, a Caixa fez uma reunião com o Ministério da Cidadania. Em seguida, registrou por e-mail o que foi discutido: mais necessidades de correções.

Logo no primeiro mês em que as parcelas do consignado foram descontadas do Auxílio Brasil, o banco estatal teve uma “perda relevante”.

O motivo, diz a Caixa, é que o Ministério da Cidadania não havia informado que o Auxílio Brasil poderia ser bloqueado se o beneficiário não cumprisse as condições de participação no programa, como vacinação infantil e frequência escolar.

A alegação chama a atenção por dois motivos. Primeiro, as condicionalidades da transferência de renda existem desde a criação do Bolsa Família, em 2003. Segundo, porque é a própria Caixa que opera o pagamento do benefício social. É, portanto, o único banco que tem plena ciência dos trâmites de liberação do benefício.

Fato é que a Caixa concedeu o consignado para pessoas que tiveram o benefício cancelado. Então, quando chegou a hora de receber a primeira parcela do crédito, o Auxílio Brasil não caiu e a Caixa ficou sem ver o dinheiro.

O tema ‘condicionalidades’ não era conhecido pelos agentes financeiros (…) Diante do novo tema, é importante que as linhas de defesa estejam devidamente implementadas para que a Caixa possa optar pela realização ou não de empréstimos aos clientes que estejam na referida condição.

Karla Ferreira, superintendente da Caixa, em e-mail ao Ministério da Cidadania em 10 de novembro de 2022

Na mensagem, a Caixa pedia ao ministério “a inclusão urgente” de informações sobre beneficiários que tinham pendências com as condicionalidades, para que o banco pudesse negar o crédito para esse grupo.

O ministério só respondeu em dezembro. Disse que não faria nenhuma mudança.

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Imagem: Arte/UOL

O que a Caixa continua escondendo

Documentos internos que explicam por que a Caixa decidiu conceder o consignado do Auxílio Brasil apesar dos problemas apontados pelo próprio banco.

Documentos internos que explicam por que a Caixa cortou o consignado após a derrota de Bolsonaro.

Dados sobre o volume exato de reservas do banco estatal após a derrota de Bolsonaro, que podem mostrar qual foi o nível de risco que a Caixa assumiu para liberar os R$ 7,6 bilhões do consignado em 20 dias.

Documento foi enviado por diretora que atuou no consignado

A resposta da Caixa à CGU diz que o banco disponibilizou “anexo com tarjamento parcial, que foi aplicado nos trechos cujas informações estão abarcadas pelo sigilo previsto em lei ou que não compõem o pedido”.

O texto é assinado por altos executivos da Caixa. Entre eles, Karla Montes Ferreira, superintendente nacional de Crédito Pessoa Física. É ela também que assina a maior parte dos e-mails que foram tarjados.

Também assinam a resposta à CGU: Marcelo Viana Paris, superintendente nacional de Benefícios Sociais; Tiago Cordeiro de Oliveira, diretor executivo de Produtos de Governo; Helen Cristina R. S. Costa, consultora matriz de Produtos de Varejo; Simone Rosa, gerente de Clientes e Negócios de Produtos de Varejo.

A CGU havia admitido a possibilidade de tarjamento “de eventuais informações comerciais cuja divulgação possa resultar em vantagem competitiva para seus concorrentes”.

Havia determinado, porém, que “todos os trechos eventualmente tarjados deverão ser devidamente justificados”, o que não ocorreu.

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