A queda na abstenção entre o primeiro e segundo turno das eleições deste ano, inédita nas disputas presidenciais, foi puxada por eleitores com baixa escolaridade, apontam dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) analisados pelo jornal O Globo. Ao todo, 624 mil eleitores que fizeram, no máximo, o ensino fundamental tinham faltado na primeira etapa da votação, mas foram votar na segunda. Esse estrato da população representa 40% do eleitorado e, mesmo com uma participação maior, ainda foi maioria entre os faltosos: 53,5%.
Historicamente, quanto menor a escolaridade, maior a tendência do eleitor a faltar. Neste ano, porém, houve uma campanha intensa das duas principais candidaturas para incentivar o voto de seus eleitores no segundo turno, em uma disputa que se mostrou a mais apertada desde a redemocratização.
Para esta eleição, estavam aptos a votar no Brasil, desconsiderando os votos no exterior, 155,7 milhões de pessoas. Desse grupo, 40,9 milhões tinham o ensino médio completo. Entretanto, esse grupo respondeu com apenas 20 mil novos eleitores no segundo turno em relação ao primeiro. Por outro lado, entre aqueles que tem o ensino fundamental incompleto, que são 35 milhões de eleitores, o número de novos votantes foi de 204 mil — dez vezes mais.
O comparecimento nas urnas aumentou de forma mais acentuada entre analfabetos — 2,72 pontos percentuais — e entre aqueles que só aprenderam a ler e escrever — 1,67. De acordo com a legislação eleitoral, o voto é facultativo para analfabetos.
No primeiro turno, a abstenção foi de 20,95%, mas caiu para 20,59% no segundo turno. Em todas as eleições realizadas desde então, a abstenção crescia de um turno para o outro. O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), teve 50,90% dos votos válidos, contra 49,10% de Jair Bolsonaro (PL).
A exemplo do primeiro turno, os eleitores com menor escolaridade foram os que mais faltaram. Entretanto, foram também os que representaram a maior fatia dos novos eleitores na segunda etapa. A abstenção só cresceu, por exemplo, entre aqueles com ensino médio incompleto: 80 mil eleitores desse grupo que votaram no dia 2 de outubro não retornaram no dia 30.
Campanha
Diferentemente de outras eleições, a abstenção esteve no centro dos debates tanto no primeiro quanto no segundo turno. No último dia de propaganda na televisão, a campanha de Lula incentivou os eleitores a irem às urnas.
— Meus amigos e minhas amigas, falta pouco para a gente mudar o Brasil. Acabar com a fome, gerar emprego, reajustar o salário mínimo acima da inflação, trazer de volta o Minha Casa, Minha Vida, renegociar a dívida das famílias e garantir crédito barato para quem deseja empreender — disse Lula, que completou: — Para isso, precisamos do seu voto. Vá de ônibus, de bicicleta, de moto, pega uma carona, mas não deixe de votar. Aperte 13, vamos juntos construir o nosso futuro.
No dia da eleição, o tema voltou à pauta devido a operações realizados pela Polícia Rodoviária Federal em mais de 500 pontos do país. A crítica de aliados de Lula era que a medida tinha como objetivo favorecer Bolsonaro, uma vez que cerca de metade das blitzes se concentrou no Nordeste, região que conta com um contingente maior de eleitores do presidente eleito. Anteontem, a Polícia Federal abriu um inquérito para investigar suspeitas de crimes do diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques, pelas ações no dia do segundo turno.
O impacto real da abstenção no resultado final das eleições, entretanto, é difícil de ser apontado, já que é impossível saber em quem os faltantes iriam votar caso fossem às urnas. Entretanto, especialistas apontam para alguns fatores que indicam que uma abstenção maior prejudicaria Lula. Essa lógica leva em consideração alguns fatos: pessoas com menor escolaridade faltam mais e, de acordo com as pesquisas, elas também preferem Lula. Além disso, o petista tende a ir melhor nas seções eleitorais com maior abstenção, o que sugere que eleitores em áreas onde o presidente eleito é mais forte faltam mais.
Antes do segundo turno, análises realizadas pelo GLOBO apontaram que o impacto da abstenção variou de 0,1 a 0,7 pontos percentuais para Lula em votos totais.
De acordo com pesquisa realizada pelo Datafolha na véspera da eleição, 58% dos eleitores com ensino fundamental completo diziam que iriam votar no petista, contra 37% que preferiam Bolsonaro. Caso esse percentual tenha se confirmado na urna (o resultado final da eleição estava dentro da margem de erro da amostra entrevistada pelo Datafolha), isso significaria que Lula pode ter conseguido uma vantagem de 131 mil votos em relação a Bolsonaro nesse grupo.