A eleição presidencial deste ano será um teste decisivo para o sistema político brasileiro, na avaliação de um grupo de especialistas em evento nesta última quinta-feira (24).
A sobrevivência do sistema político brasileiro dependerá da capacidade que os principais partidos terão de oferecer respostas aos anseios da população, num ambiente marcado pelo pessimismo com a economia e pela desconfiança causada pelas acusações de corrupção, eles disseram.
O evento reuniu os cientistas políticos Fábio Wanderley Reis, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Fernando Abrucio e Carlos Pereira, da Fundação Getulio Vargas (FGV), e o diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino.
“Há um desejo de ruptura com a situação atual e quem souber expressar a indignação que os eleitores sentem terá vantagem”, disse Paulino. “Mas a dificuldade para convencer as pessoas é muito maior hoje.”
A pesquisa mais recente do Datafolha, concluída em abril, mostra que a ausência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que está preso em Curitiba e deve ser impedido pela Justiça de disputar a eleição, faz aumentar o número de eleitores sem candidato, dispostos a votar em branco ou anular o voto.
“O eleitor não tem a menor esperança nesse sistema e isso é muito preocupante”, disse Abrucio. “O país está em frangalhos e o próximo presidente não vai governar se não responder a isso.”
Pereira observou que os dois candidatos que lideram a corrida na ausência de Lula –o deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) e a ex-senadora Marina Silva (Rede)– não têm nenhuma das vantagens que garantiram a vitória em eleições presidenciais anteriores, como partidos fortes e enraizados e apoio de outras siglas.
“Se os mecanismos tradicionais ainda funcionam, esses dois candidatos vão desidratar”, disse Pereira, sugerindo que isso abriria caminho para políticos como o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) e o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), que apareceram empatados em segundo lugar no Datafolha.
Para Wanderley, o avanço da Operação Lava Jato e a prisão de Lula criaram riscos para a democracia, ao contribuir para o descrédito da atividade política e fortalecer juízes e procuradores.
“A democracia está comprometida”, disse Wanderley. O cientista político chamou de “fascistoide” o juiz Sergio Moro, que conduz os processos em Curitiba e mandou Lula para a prisão, por causa de um artigo acadêmico em que apontou a importância de buscar o apoio da opinião pública no combate à corrupção.
“A democracia brasileira vai muito bem, obrigado”, disse Pereira, para quem o amadurecimento de instituições como o Ministério Público e outros órgãos de controle externo são um traço fundamental do sistema político brasileiro hoje.
“Não houve virada de mesa, estamos resolvendo os conflitos dentro da ordem e todos continuaram participando do jogo democrático após o impeachment”, afirmou. “O fato de termos uma eleição competitiva com resultado incerto mostra a força da nossa democracia.”
Abrucio disse que o país atravessa um “período jacobino”, numa referência à fase mais radical da Revolução Francesa (1789-1799), e afirmou que a “deslegitimação do processo político” pode levar os eleitores a optar por líderes de inclinação autoritária e políticos como Bolsonaro.
O debate desta quinta marcou a reabertura do auditório da Folha de S. Paulo, que estava fechado para reformas havia um ano. O evento foi mediado pelo jornalista Uirá Machado, editor da Ilustríssima.
No dia 5 de junho, o jornal receberá economistas para o debate “Mais um ano perdido?”.Inaugurado na década de 50, o local já foi palco de shows, manifestações de leitores e discussões culturais e de interesse jornalístico.