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segunda-feira 3 de junho de 2019 às 09:18h

Argentina volta ao ringue da crise econômica, diz jornal

GERAL


Raúl Alendre voltou na noite de sábado com um olho roxo. Nada grave, um acidente na academia. Alendre começou a lutar boxe aos 13 anos, mas durante a última década pausou sua carreira porque não precisava lutar. Tinha um bom emprego. Em dezembro, entretanto, a fábrica Paquetá de Chivilcoy fechou, uma localidade nos pampas nos arredores de Buenos Aires com 60.000 habitantes, e Alendre, com outras 700 pessoas, entre elas sua esposa, perdeu o trabalho. Agora, com 37 anos e 63,5 quilos de peso, precisa voltar ao ringue. No próximo dia 7 lutará em Chivilcoy contra um rapaz da capital e ganhará 4.000 pesos (350 reais), por assalto: o objetivo é se manter de pé até o final. Se tudo sair bem, com mais duas ou três lutas poderia talvez receber um convite do estrangeiro, no Brasil ou no Uruguai, onde pagam em moeda forte e ganharia, talvez, alguns milhares de dólares, conforme reportagem do El País.

A fábrica de Paquetá foi inaugurada em 2006 e, desde então, produziu tênis para as marcas Diadora e, principalmente, Adidas. Foi um projeto industrial favorecido pelo à época presidente Néstor Kirchner. Chegou a ter 1.200 empregados e pagava bons salários: Raúl Alendre e sua esposa, Daniela Olmos, juntavam 50.000 pesos mensais (4.380 reais). Podiam ir ao cinema com sua filha de sete anos e comer fora de vez em quando e, sobretudo, puderam construir uma casinha em uma rua sem asfalto e rede de esgoto. “Eu só tenho estudos primários, sou um peão e nunca sonhei com um emprego tão bom como o que tive em Paquetá”, diz. “O banco me deu um cartão de crédito. Pode imaginar? Como não vou simpatizar com os Kirchner, se eles conseguiram trazer essa fábrica para cá?”.

A política deu, a política tirou

Desde 2016, a política liberalizante de Mauricio Macri começou a abrir as fronteiras. Os controles sobre o câmbio de divisas foram levantados e os impostos foram reduzidos. Os tênis produzidos em Chivilcoy deixaram de ser competitivos em comparação com os que eram importados do Brasil e dos países do sudeste asiático. Paquetá reduziu o número de empregados progressivamente e, em dezembro, os últimos 700 funcionários foram despedidos. A de Chivilcoy, Paquetá e Raúl Alendre resume a história econômica da Argentina. O modelo peronista de proteção de impostos e o relativo isolamento diante do modelo liberal, empenhado em integrar, afinal, o país dentro do comércio planetário. Dois sistemas opostos e de alternância traumática. A presidência de Mauricio Macri abriu muitas feridas e sua gestão econômica dá um balanço pobre, mas o problema não é de hoje e sim de sempre. As épocas de bem-estar e esperança acabam de maneira inexorável em crise e amargura.

O Banco Mundial publicou há duas semanas um relatório demolidor chamado Rumo ao Fim das Crises na Argentina. Nele se estabelece que os argentinos sofreram 15 recessões desde 1950. Desses 69 anos, 23 registraram crescimento negativo. O único país com registro pior é a República do Congo, um Estado falido que está há décadas em guerra civil intermitente. O Banco Mundial não dá fórmulas amáveis: “Uma das principais explicações do magro desempenho macroeconômico da Argentina é sua tendência a levar um nível de vida fora de seu alcance, o que impulsiona de maneira endógena seus ciclos de auges e crises”. E mais: “Essa tendência a gastar acima das possibilidades é ainda maior durante as expansões, com políticas pró-cíclicas que fazem com que o consumo e os investimentos (tanto públicos como privados) cresçam a um ritmo maior do que a renda”.

Moeda volátil

O resultado? Uma elevada inflação crônica, pontuada por ocasionais episódios de hiperinflação e de deflação, e uma moeda extremamente fraca. O peso foi a divisa que mais se desvalorizou em relação ao dólar em 2018. Perdeu a metade de seu valor. Com perspectiva histórica, isso parece quase normal. Desde sua criação, em 1881, o peso perdeu 13 zeros em relação ao dólar. Seu valor atual, em termos constantes, significa mais ou menos uma bilionésima parte do que tinha há 140 anos.

O segundo mandato de Cristina Kirchner precisou lidar com uma péssima conjuntura internacional, marcada pela grande crise iniciada em 2008. Sua reação foi tipicamente peronista: protegeu a indústria nacional com impostos e até o final de sua presidência precisou sustentar o peso com o chamado “cepo”, um mecanismo que limitava severamente a compra de dólares. Em seu livro El ciclo de la ilusión y el desencanto (O Ciclo da Esperança e o Desencanto), que fala sobre as pendulares políticas econômicas entre 1881 e 2015, os professores Pablo Gerchunoff e Lucas Llach concluem que o kirchnerismo conseguiu chegar ao seu final sem uma explosão crítica como as dos grandes desencantos anteriores: a hiperinflação de 1989 e a crise de 2001. Mas deixava a seus sucessores uma economia que precisava de correções urgentes para evitar essa crise e sair de uma estagnação que já levava quatros longos anos”.

O sucessor, Mauricio Macri, pecou pela arrogância. Afirmou que acabar com a inflação seria tarefa fácil. Com Macri chegou ao poder a oligarquia argentina, empenhada em fazer do país “um país normal”. Seu guru eleitoral, o consultor equatoriano Jaime Durán Barba, o homem que prognosticou a vitória de Donald Trump antes de todos, insistiu seguidamente que Macri não devia se cercar de políticos tradicionais. Macri escolheu se cercar de executivos do setor privado e antigos colegas de seu colégio, o seletíssimo Newman de Buenos Aires. Um deles, Alfonso Prat-Gay, filho de uma família de caudilhos de Tucumán, recebeu o delicado Ministério da Fazenda e Finanças Públicas. Prat-Gay, até certo ponto “político tradicional” porque havia sido deputado radical e presidente do Banco Central com o kirchnerismo, apostou em um ajuste gradual. Durán Barba e seu melhor aluno, o chefe de gabinete Marcos Peña, partidários de uma rápida revolução política e econômica, o odiaram desde o primeiro momento.

Emissão de dívida

Os números são duros: entre dezembro de 2015, quando Macri chegou ao poder, e 2018, quando a economia sofreu intervenção do FMI, a Argentina foi o maior emissor mundial de dívida em termos absolutos e havia acumulado créditos de quase 143 bilhões de dólares (560 bilhões de reais), mais da metade dos quais foram ao exterior.

Sob as condições impostas pelo FMI, foi preciso esquecer o gradualismo e impor cortes brutais que levaram à enésima recessão. Contra toda a lógica econômica, a queda de atividade não freou a inflação. Aconteceu o contrário. Hoje, a menos de cinco meses para as eleições gerais, a inflação acumulada durante o mandato de Mauricio Macri supera os 260% e o peso desvalorizou 360% em relação ao dólar. A construção, o comércio e a indústria, que representam quase a metade do emprego argentino, sofreram uma queda de atividade próxima a 40% durante os já onze meses de recessão. O poder aquisitivo dos salários caiu quase 20%. Durán Barba, o guru equatoriano de Macri, reconheceu nessa semana ao jornal brasileiro O Globo as dificuldades para que o presidente consiga a reeleição. “Se a economia estivesse bem, ganharíamos no primeiro turno com 60% dos votos. O Governo fez muito, construiu caminhos, obras gigantescas, mas falhou na economia. Pensei que iria bem”. Muitos pensaram a mesa coisa e agora se sentem enganados.

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