A Assembleia Legislativa da Bahia (AL-BA) promoveu, através da Comissão de Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia e Serviço Público, uma audiência pública que debateu políticas públicas para a literatura periférica. O evento, que ocorreu nas salas Herculano Menezes e Luís Cabral, foi dirigido pelo deputado estadual Robinson Almeida (PT), proponente do debate na Casa.
Com público formado por estudantes e representantes de coletivos literários oriundos de estados como Ceará, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Distrito Federal, a audiência pública foi palco de intervenções que destacaram a importância de o Estado promover e incentivar as práticas de cultura e arte nas periferias. Para o deputado Robinson Almeida, o encontro tem fundamental relevância na discussão de propostas que possam valorizar e estimular a literatura periférica em território baiano e demais regiões do Brasil. “É importante que o Estado brasileiro esteja presente nas comunidades para promover o bem-estar das pessoas. Se não for assim, sabemos que vão chegar outras atividades muitas vezes consideradas ilegais. Se o Estado se ausenta, esse vazio vai ser ocupado”, alertou, frisando a necessidade de se proteger a população que reside nas periferias.
“Através da cultura e da literatura, a gente pode incentivar essas práticas cotidianas nas comunidades, promovendo cidadania e inclusão social. Para isso, é importante que ocorra a intersecção entre periferia, juventude, saúde, educação e cultura”, defendeu o petista. Ele também destacou o potencial que as escolas carregam enquanto espaço com capacidade de promover acesso a atividades de lazer e cultura.
Identidades
Presente ao evento, o secretário estadual de Cultura, Bruno Monteiro, afirmou que a política de territorialização da cultura representa a valorização das identidades de quem vive em cada local. Ele frisou que o Governo do Estado tem estabelecido uma diretriz de reconhecer o fazer cultural nos locais onde as ações acontecem efetivamente. “Há uma elite cultural que se acostumou a atuar como validadora daquilo que é cultura e daquilo que não é cultura. No entanto, consideramos cultura aquilo que brota nos mais diversos espaços”, disse.
Igor Graciano, coordenador de Literatura na Diretoria de Livro, Leitura e Literatura do Ministério da Cultura, classificou a audiência como momento de celebração e de caráter histórico em função da oportunidade de construção de políticas públicas para a literatura periférica. “A literatura não está somente nos gabinetes, nas universidades. Ela também está nas ruas. Esse é um momento de escuta, de pensar o que devemos fazer a partir daquilo que já existe e construir políticas adequadas. É notório que a literatura não só representa o mundo, ela constitui o mundo, reconfigura e transforma espaços e territórios”, frisou. Já Ana Carinhanha, secretária-executiva adjunta do Ministério da Igualdade Racial, destacou a participação plural do público que representa o povo na audiência e defendeu a quebra do estigma do que se entende por elite cultural.
Olívia Costa, diretora do Colégio Estadual Nelson Mandela, no bairro de Periperi, em Salvador, destacou o protagonismo da unidade escolar na luta antirracista e no engajamento em atividades que promovem o senso crítico entre os estudantes. “Nosso colégio é um ponto de cultura no Subúrbio Ferroviário”, considerou a gestora, que também relatou o empenho de uma aluna em escrever um livro de poemas. “Literatura periférica é escrever a vivência das ruas, da nossa casa”, arrematou. Também professora, Radi Oliveira, do projeto Poesia OuVida, entidade com atuação no Recôncavo baiano, falou da sua experiência em cidades como Cachoeira e São Félix. “Estamos aqui falando da palavra da periferia. E a palavra é uma ferramenta de poder. É importante salientar que o único espaço letrado que a maioria de nós a que temos acesso é a escola. Essa instituição é um ponto vivo de cultura que tangencia cultura, esporte, educação e tudo mais que temos direito”, explicou.
O presidente da Academia de Letras da Bahia (ALB), Ordep Serra, arrancou aplausos da plateia ao afirmar que a organização não é mais uma torre de marfim. “Agora é um espaço do povo da Bahia”, sentenciou, destacando a interlocução com diversos segmentos da sociedade. Quem apresentou dados da pesquisa “Coletivos Literários na Periferia Brasileira – Um Retrato” foi Mariane Martins, coordenadora da Periferia Brasileira de Letras. No quadro demonstrado, a dirigente explicou que fatores como desemprego, racismo, fome, violência urbana, mobilidade e ação policial impedem o pleno desempenho dos coletivos literários. O mesmo cenário foi abordado com foco na Bahia por Lara Nunes, da Slam das Mulé, sediada em Camaçari. Ela chamou a atenção para a violência policial e o desemprego entre os agentes da literatura no estado e defendeu o reconhecimento do exercício da arte e da cultura como trabalho.
A vereadora licenciada de Salvador e presidente da Fundação Nacional das Artes (Funarte), Maria Marighella, afirmou que o país passa por um momento de retomada de políticas públicas para a arte e a cultura. A diretora citou como exemplo de política pública a Lei Aldir Blanc, iniciativa que prevê auxílio financeiro ao setor cultural. Nesse contexto, a presidente questionou a efetiva participação dos municípios na aplicação dos recursos federais.