O veterano líder populista anti-islâmico Geert Wilders venceu de forma dramática as eleições gerais holandesas desta última quarta-feira (22), segundo a contagem quase completa dos votos.
Depois de 25 anos no Parlamento, a legenda liderada por Wilders, o Partido da Liberdade (PVV), deverá conquistar 37 assentos na Casa. O resultado dá ao partido uma ampla vantagem em relação a seu rival mais próximo, uma aliança de esquerda.
“O PVV não pode mais ser ignorado”, disse ele. “Nós governaremos.”
A vitória de Geert Wilders abalou a política holandesa e promete causar choque também em toda a Europa.
Mas para cumprir a sua promessa de ser um “primeiro-ministro para todos”, Wilders precisará antes persuadir outros partidos a se juntarem a ele em uma coligação, já que os assentos conquistados na votação não são suficientes para formar maioria.
Para isso, o líder do PVV precisa conquistar 76 assentos no Parlamento de 150 deputados.
Em uma reunião do partido nesta quinta-feira (23/11), Wilders, de 60 anos, foi aplaudido e celebrado por aliados em uma sala repleta de câmeras de TV.
Ele disse à BBC que “é claro” que estava disposto a negociar e possivelmente fazer concessões para se tornar o novo primeiro-ministro.
Fronteiras, Alcorão e União Europeia
O líder do PVV saiu vitorioso após uma campanha baseada na frustração generalizada da população sobre a imigração no país.
No ano passado, o total de imigrantes na Holanda mais do que duplicou, ultrapassando os 220 mil, em um aumento se deve em parte aos refugiados que fugiram da invasão da Ucrânia pela Rússia.
A insatisfação com o fluxo, porém, foi agravada pela crise de moradias enfrentada pelo país.
Segundo uma pesquisa encomendada pelo governo holandês, em 2023 são necessárias 390 mil casas a mais para acomodar toda a população.
Frequentemente comparado ao ex-presidente dos EUA, Donald Trump, pela sua retórica inflamada e pelo uso das redes sociais, ele prometeu “fechar as fronteiras” do país.
Figura proeminente da direita radical na Europa, o político chegou a afirmar que proibiria o Alcorão, o livro sagrado do Islã, mas adiou posteriormente esse plano.
O holandês foi eleito pela primeira vez para o Parlamento em 1998 pelo Partido Popular para a Liberdade e Democracia (VVD), mas deixou a legenda em 2004 e criou o seu próprio partido.
Desde antes da mudança de legenda, porém, Wilders já era conhecido por suas posições radicais em relação ao islamismo e à imigração.
O deputado e seu partido advogam há anos pela proibição de mesquitas, do Alcorão e das escolas islâmicas no país.
Wilders também já chegou a descrever o Islã como “uma ideologia de uma cultura retardada” e chamou os marroquinos de “escória”.
Ao lado dos turcos, os marroquinos são a principal população imigrante na Holanda.
As declarações de Wilders renderam a ele ameaças de morte e ele precisou viver sob forte proteção policial durante anos.
Fora da Holanda, seus comentários sobre o profeta Maomé também levaram a protestos violentos em países de populações muçulmanas.
Mas Wilders diz agora que “há obviamente prioridades mais importantes” e falou em colocar algumas das suas políticas em “pausa”, indicando que está interessado em desempenhar um papel no governo.
Anti-União Europeia, o líder do PVV insiste que a Holanda controle as fronteiras, reduza significativamente os seus pagamentos ao bloco e proíba a entrada de novos membros.
Ele prometeu realizar um referendo para deixar a UE, apelidado de “Nexit”, mas reconheceu que não há vontade nacional para repetir os passos tomados pelo Reino Unido.
Analistas também acreditam que será difícil convencer qualquer potencial parceiro de coligação a aderir a essa ideia.
Ele se mostrou combativo no seu discurso de vitória: “Queremos governar e… governaremos. [O número dos assentos é] um enorme elogio, mas também uma enorme responsabilidade.”
Horas antes da votação, Wilders estava entusiasmado com suas chances.
“Acho que é a primeira vez na Holanda que em uma semana ganhamos 10 cadeiras nas urnas”, disse ele à BBC.
Wilders se mostrou realista sobre a difícil tarefa que enfrentará na formação de um governo liderado por ele, mas disse ser uma pessoa otimista e que a vitória tornaria “difícil para os outros partidos nos ignorarem”.
Negociações
Antes da votação, os outros três grandes partidos do país descartaram a possibilidade de participar de um governo liderado por Wilders devido às suas políticas.
Mas ao que tudo indica, o cenário pode mudar diante do tamanho de sua vitória.
A aliança de esquerda liderada pelo ex-comissário da União Europeia, Frans Timmermans, obteve o segundo lugar nas urnas, com 25 assentos, segundo uma previsão baseada na apuração de 94% dos votos.
Timmermans deixou claro que não integraria um governo liderado por Wilders, prometendo defender a democracia holandesa e o Estado de direito.
“Não deixaremos ninguém na mão na Holanda. Na Holanda todos são iguais”, disse ele aos seus apoiadores.
Os resultados também apontam para um cenário em que o partido VVD, liberal de centro-direita que controla o governo atualmente, ficaria em terceiro lugar, sob o comando de sua nova líder, Dilan Yesilgöz.
Um novo partido formado pelo deputado Pieter Omtzigt ficou em quarto.
Tanto Yesilgöz como Omtzigt felicitaram Wilders pelo resultado.
Embora a líder do VVD duvide que Wilders consiga aliados suficientes para se tornar primeiro-ministro, ela diz que cabe aos seus colegas de partido decidir como agir a partir de agora.
Antes da eleição, ela insistiu que não serviria em um gabinete liderado pelo PVV, mas não descartou trabalhar com seus membros caso vencesse.
Por sua vez, Omtzigt afirmou inicialmente que o seu partido Novo Contrato Social não formaria uma coalizão com Wilders, mas agora diz estar “disponível para transformar esta confiança [dos eleitores] em ação”.
A eleição de Wilders como primeiro-ministro pode provocar ondas de choque por toda a Europa, já que a Holanda é um dos membros fundadores do que se tornou a União Europeia.
Líderes nacionalistas e da direita radical de toda a Europa comemoraram a sua vitória.
Na França, Marine Le Pen, do Reagrupamento Nacional, disse que isso “confirma o crescente apego à defesa das identidades nacionais”.
Nos últimos momentos antes da eleição desta quarta, porém, Wilders moderou sua retórica anti-islâmica, dizendo que estava preparado para “colocar na geladeira” suas políticas de proibição de mesquitas e escolas islâmicas.
A estratégia foi um sucesso e mais do que duplicou o número de assentos conquistado por seu partido PVV no Parlamento.
Durante a campanha, Wilders também se aproveitou da insatisfação generalizada com o governo anterior, comandado por Mark Rutte, do VVD, que desabou diante da dificuldade interna de chegar a um acordo sobre novas regras de imigração e acolhimento de refugiados.
Para o cientista político Martin Rosema, da Universidade de Twente, na Holanda, esse foi um dos vários presentes que Wilders recebeu dos seus adversários nos últimos meses.
Outra vantagem foi que Yesilgöz abriu as portas para trabalhar com ele numa coligação.
“Sabemos, também por precedentes internacionais, que os partidos radicais de direita se saem pior quando são excluídos”, diz.
Na sede do VVD de Yesilgöz, em Haia, seus apoiadores se preparavam para comemorar a perspectiva de uma mulher ser escolhida primeira-ministra da Holanda pela primeira vez.
Mas o otimismo se esvaiu quando as primeiras pesquisas de boca de urna apontaram a vitória de Wilders.
Yesilgöz assumiu o cargo de líder do VVD quando o primeiro-ministro mais longevo da história do país, Mark Rutte, abandonou a política em julho.
Ela se mudou para a Holanda aos sete anos como uma refugiada turca, mas adotou uma linha dura em relação à imigração em sua carreira.
Alguns políticos e figuras muçulmanas a acusaram de abrir a porta à direita radical ao mostrar-se aberta à possibilidade de trabalhar com Geert Wilders.
Aos 46 anos, Yesilgöz tentou se distanciar do governo Rutte, no qual era ministra da Justiça, mas acabou não correspondendo aos resultados apontados pelas pesquisas de opinião.
Até às vésperas das eleições, quase metade do eleitorado era descrito como indeciso pelas sondagens.
Muitos desses holandeses provavelmente decidiram não apoiar Yesilgöz.