No plano das relações externas, o Brasil parece ter avançado algumas casas, desta feita não por conta de qualquer missão oficial de governo, no circuito que o presidente Lula adotou como rotina diligente desde que assumiu para o terceiro mandato. O tento da nova trincheira conquistada nesse tabuleiro lá de fora foi marcado por uma delegação empresarial com cerca de 135 big shots da produção que, ao lado de autoridades, saiu rumo a tratativas para fechar acordos financeiros com alguns dos maiores organismos multilaterais a operar desde Washington, capital americana. O presidente do BID, o brasileiro Ilan Goldfajn, que assumiu a entidade há menos de um ano, foi o principal anfitrião dentre os bancos de fomento.
Mas não só ele. Dirigentes do Banco Mundial, do IFC, do próprio Banco Central brasileiro, Roberto Campos Neto, estiveram juntos ali e discutiram de questões monetárias (juros, inflação, quadro fiscal) à liberação propriamente dita de recursos para projetos de desenvolvimento.
No foco: iniciativas nas áreas de infraestrutura, social e ambiental, seguindo critérios que harmonizassem o binômio preservação e crescimento.
A caravana foi organizada pelo Grupo de Líderes Empresariais-LIDE e contou no elenco com nada menos que 12 governadores, seis prefeitos, além de senadores e deputados, que revestiram o encontro de um caráter público/privado de alta representatividade.
A maior concentração por metro quadrado de tomadores de empréstimos internacionais que já se viu em bloco de uma só vez. Na verdade, o ineditismo em diversos aspectos marcou os entendimentos: jamais, em outros tempos, tantos governadores estaduais estiveram juntos em Washington movidos pelo mesmo objetivo e também em nenhuma outra ocasião as principais organizações de crédito que investem na região latino-americana colocaram seus representantes juntos em um salão para tal discussão.
O próprio Goldfajn tratou de pontuar que, apesar de o Brasil ser o principal cliente do BID e com uma história muito vinculada à entidade — criada décadas atrás justamente por inspiração do lendário presidente brasileiro Juscelino Kubitscheck, que conta com um busto em sua homenagem logo na entrada do prédio-sede —, nunca uma comitiva dessa envergadura passou por ali para uma agenda tão proativa.
“Vocês são demais, profissionais em tudo”, elogiou Goldfajn ao ex-governador paulista, João Doria, que comandava o comboio.
Triste registro assinalado por muitos presentes: nos últimos seis anos, na prática, o Brasil sequer deu as caras em caravana por lá para afinar interesses. Uma lacuna e tanto que, certamente, contribuiu para a imagem ventilada (com orgulho por alguns agregados da gestão passada) de pária global.
Agora não. Em seguidas apresentações, o azáfama de dezenas de governadores, prefeitos e empreendedores se fez ouvir e teve resultado prático. Reuniões paralelas com equipes técnicas ocorreram a todo instante e diversas parcerias foram destravadas.
Suprema ironia, a esquadra brasileira sentou para acertos em um dos salões do antológico Hotel Willard, mesmo local que há mais de 100 anos, em 1861, serviu de palco para uma “convenção de paz” entre governadores americanos que ali buscavam evitar a Guerra Civil.
Na época não deu certo, nem chegaram a um acordo. Desfecho absolutamente distinto do ocorrido com os brasileiros desta feita.
Vale dizer: a expressão lobby, que serve para designar articulações setoriais junto a políticos com o intuito de aprovar demandas de seu interesse surgiu justamente no Willard por conta de um hábito secular dos congressistas americanos e parceiros de se encontrarem para um cafezinho no lobby suntuoso do hotel, repleto de paredes ornamentadas, arandelas luminosas e tapetes do mais fino acabamento.
Nada mais natural e adequado, portanto, que a escolha do Brasil de fazer a sua rentrée em grande estilo justamente naquele ambiente. Os presentes assistiram a um dia inteiro de painéis expositores sobre o potencial de investimentos multilaterais, fatores para o desenvolvimento sustentável, acesso aos fundos e diversos outros temas, enquanto nos intervalos e bastidores acertavam iniciativas e faziam relacionamento.
O vice-presidente do IFC para a América Latina, Caribe e Europa, Alfonso Garcia Mora, disse que a baliza fundamental para os desembolsos da instituição, que atende a demandas do setor privado, é o efeito multiplicador que os recursos podem gerar em cada país.
“Nossa metodologia adota o critério do impacto no mercado como principal parâmetro”, apontou.
Johannes Zutt, diretor do Banco Mundial, alertou para a aprovação de marcos legais, dentre eles a reforma tributária e o arcabouço fiscal, como fundamento para colocar o Brasil na dianteira e preferência de organismos do porte do Bird.
Já o brasileiro Goldfajn, do BID, enalteceu prioridades a considerar nos aportes:
* combate à pobreza e à desigualdade social,
* consolidação do saneamento básico, da Educação e Saúde,
* além da expansão da infraestrutura física e digital.
Detalhe a destacar no encontro foi o do extremo bom humor que emanava do presidente do Banco Central, Roberto Campos, após a constatação dos números alvissareiros que acabavam de ser divulgados sobre o crescimento do PIB. O Brasil, decerto ali, mostrava-se em alta sob diversos aspectos.