As federações partidárias, que começam a se formar agora, foram aprovadas na Câmara dos Deputados em agosto do ano passado. O presidente Jair Bolsonaro (PL) vetou o projeto. Seu veto, no entanto, foi derrubado pelo Congresso logo a seguir e o mecanismo passou a valer a partir deste ano. As informações são de Julinho Bittencourt da revista Fórum.
Mas o que é, afinal, a federação partidária? Quais as principais diferenças entre ela e a antiga coligação? Mudou algo na soma do nosso voto? Saiba tudo isso e mais no texto abaixo:
A federação partidária permite que duas ou mais legendas se unam não só na eleição, mas também durante a legislatura, e atuem de forma conjunta durante todo o mandato parlamentar.
Diferentemente das coligações, que estão proibidas desde 2017 e cuja sua volta nas eleições foi barrada pelo Senado, as federações partidárias preveem alinhamento programático e ideológico dos partidos por quatro anos, e não só durante a campanha eleitoral. Isto é, se os partidos se unirem no período eleitoral, deverão permanecer unidos durante os mandatos de seus candidatos eleitos.
A federação funciona como um partido único: as legendas que a integram deverão, conjuntamente, escolher e registrar candidatos para as eleições, arrecadar recursos para campanha, dividir Fundo Partidário, tempo de televisão e unificar programas políticos.
Jurista explica
Em entrevista ao editor de política da Fórum, Ivan Longo, realizada em setembro do ano passado, logo após a aprovação da formação das federações, o advogado Renato Ribeiro de Almeida, professor de direito eleitoral e coordenador acadêmico da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep) falou sobre elas.
De acordo com ele, a federação partidária permitirá mais enfoque aos programas partidários e não a lideranças políticas de maneira individual.
“A ideia de federação de partidos aproxima o atual sistema eleitoral à proposta kelseniana [em referência ao jurista austríaco Hans Kelsen] de um Estado de Partidos. Essa proposta, elaborada pelo famoso jurista, tem por objetivo dar mais enfoque aos programas partidários do que a personalidade da liderança política”, explica.
“Para serem realizadas alianças terão que ser postas de lado as contendas pessoais, forçando os partidos a elaborarem programas mais homogêneos e se unindo em torno de propostas mais claras para a população”, detalha Almeida.
A lei das federações partidárias prevê punições às legendas que não cumprirem o prazo mínimo de quatro anos de filiação à união das siglas.
O mecanismo também ajuda partidos menores a atingirem a cláusula de barreira, que agora será calculada para a federação, e não para cada legenda individualmente.
Luciana Santos e o PCdoB
Luciana Santos, vice-governadora de Pernambuco e vice-presidenta do PCdoB, um dos partidos que mais atuou pela aprovação da federação partidária, celebrou a promulgação da lei.
“A lei moderniza o marco legal sobre partidos, assegura o pluralismo de ideias e respeita a identidade programática dos partidos, dando mais funcionalidade e eficácia ao parlamento com a união perene de legendas referenciada em programas comuns. Um avanço para o Brasil que, sem dúvida, fortalecerá nossa democracia”, declarou a comunista.
O que mudou e não mudou
Veja abaixo texto do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que explica em detalhes as principais diferenças entre federação e coligação:
Desde 2017, as coligações foram extintas nas eleições proporcionais, que elegem representantes políticos para as casas legislativas (cargos de deputado federal, deputado estadual, deputado distrital e vereador).
A legislação, no entanto, continuou a permitir a união de partidos em torno de uma única candidatura nas eleições majoritárias (para os cargos presidente, senador, governador e prefeito).
Com a criação das federações, os partidos poderão se unir para apoiar qualquer cargo, desde que assim permaneçam durante todo o mandato a ser conquistado. A federação de partidos vale para eleições majoritárias, bem como para as proporcionais.
Assim, a principal diferença é o caráter permanente das federações, uma vez que as alianças firmadas nas coligações valem apenas até a eleição, podendo ser desfeitas logo em seguida.
Afinidade
Exatamente pela obrigatoriedade de permanecerem num mesmo bloco por pelo menos quatro anos, o ideal é que as federações sejam firmadas entre partidos com afinidade programática. A medida diminui o risco de o eleitor ajudar a eleger um candidato de ideologia oposta à sua, como ocorria muitas vezes nas coligações em eleições proporcionais. Isso acontecia porque, ao votar em um candidato, devido aos mecanismos de transferência de votos do sistema proporcional, o voto era contabilizado para os partidos coligados e poderiam eleger candidato de outro partido, uma vez que as coligações podiam unir partidos ideologicamente diferentes.
As federações se equiparam aos partidos políticos em direitos e deveres e devem possuir um estatuto próprio, com regras sobre fidelidade partidária e sanções a parlamentares que não cumprirem orientação de votação, por exemplo.
As punições que se aplicam aos partidos políticos também são cabíveis às federações. Se algum partido integrante da federação deixar o grupo antes do prazo mínimo de quatro anos estará sujeito a diversas sanções, como por exemplo, a proibição da utilização dos recursos do Fundo Partidário durante o período restante do mandato. Se um parlamentar deixar um partido que integra a federação, recairá sobre ele as mesmas regras aplicáveis a um partido político.
Associação para atuar como um só partido
No desempenho dos trabalhos na Câmara dos Deputados e do Senado Federal, as federações funcionarão como um partido, tendo uma bancada própria, com lideranças formadas a partir do que está previsto no estatuto da federação e no regimento interno das respectivas Casas. Para efeito de proporcionalidade, as federações também deverão ser entendidas como partidos políticos, o que implicará, por exemplo, na distribuição e formação das comissões legislativas.
Para se associar em federações partidárias, as legendas deverão antes constituir uma associação registrada em cartório de registro civil de pessoas jurídicas, com personalidade jurídica distinta do partido. Nesse registro, as agremiações federadas deverão apresentar, entre outros documentos, a resolução tomada pela maioria absoluta dos votos dos seus órgãos de deliberação para formar uma federação.
Resolução específica
Em dezembro de 2021, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou resolução específica sobre o funcionamento das federações, seguindo os mesmos preceitos já aprovados pelo Congresso Nacional na legislação.
Entre os pontos de destaque, o Plenário aprovou que as prestações de contas dos candidatos apoiados por federações devem ser feitas individualmente por cada partido que a compõe. Ou seja, o partido continuará fazendo sua prestação de contas apresentando os recursos arrecadados e os gastos efetuados com o seu candidato filiado.
DIAP explica quociente eleitoral e “sobras”
Veja abaixo texto do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP) que explica em detalhes o cálculo do quociente eleitoral e as “sobras”:
Quociente eleitoral
Pela nova lei, a partir de 2022, os partidos ou federações que não atingirem o quociente eleitoral só participarão da distribuição das sobras se tiverem atingido pelo menos 80% desse quociente e só podem ser eleitos os candidatos desses partidos ou federações que obtiverem votos correspondentes a pelo menos 20% do quociente eleitoral.
Antes, após terem sido preenchidas as vagas dos partidos que atingiram o quociente eleitoral e que tinham candidatos com votação igual ou superior a 10% desse quociente, as sobras ou as demais vagas eram distribuídas entre todos os demais partidos, desde que esse partido tivesse a maior médio de votos e contassem com candidato com votação igual ou superior da 10% do quociente eleitoral.
As “sobras” de votos
A federação, entretanto, pode ser benéfica aos partidos de esquerda. Se disputarem em federação, com a soma dos votos, poderão ampliar significativamente a presença no Parlamento, beneficiando-se especialmente das chamadas “sobras”, que serão distribuídas após o preenchimento das vagas pelo quociente eleitoral.
Essa sistemática consiste na divisão do número de votos válidos atribuído a cada partido ou federação pelo número de lugares obtidos mais 1, cabendo ao partido ou federação que apresentar a maior média ocupar a vaga em disputa, desde que tenha candidato que atenda à exigência de votação nominal mínima. Repete-se a operação para cada 1 dos lugares a preencher.
Um exemplo pode ilustrar melhor isso. Suponha que em determinada unidade da Federação, na eleição para deputado federal, o número de votos válidos (que exclui brancos e nulos) tenha sido igual a 800 mil e o número de vagas na Câmara Federal daquele estado seja 8.
Para saber qual é o quociente eleitoral, ou seja, o número de voto que dá direito a 1 vaga, basta dividir o número total de votos válidos (800 mil) pelo número de vagas (8), chegando ao número de 100 mil votos. Então, cada partido ou federação de partidos que obtenha votação igual ou superior a 100 mil terá representação na Câmara Federal. Para cada grupo de 100 mil votos, o partido ou federação terá direito a mais 1 vaga, que sempre será preenchida pelo candidato mais votado, em ordem decrescente, desde que ele tenha votação igual ou superior a 10% do quociente eleitoral.
Com base no exemplo acima, se o partido A (ou federação) alcançar 300.240 votos terá direito a 3 vagas e ficará com sobra de 240 votos, e o partido B (ou federação) obtiver 140 mil votos terá 1 vaga e disputará a outra vaga com os 40 mil votos de sobra.
Para saber quem irá ocupar a vaga em disputa, devemos dividir os 300.240 votos do partido A por 4 (as 3 a que têm direito mais 1) e chegaremos à média de 75.060; e o mesmo procedimento deve ser feito em relação ao partido B, ou seja, dividindo seus 140 mil por 2 (1 vaga a que tem direito, mais 1 que disputará no sistema de sobras), a média será de 70 mil.
Portanto, a vaga ficará com o partido A, que obteve a maior média a despeito de ter tido a menor sobra. A regra de maior média invariavelmente beneficiará os partidos ou federações de partidos com o melhor desempenho eleitoral.