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sexta-feira 29 de março de 2024 às 09:53h

475 anos: Jeito de falar ‘cantando’ é a marca de Salvador; aprenda mais sobre o ‘baianês’

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No dia em que a primeira capital do Brasil completa 475 anos, algumas curiosidades e estudos sobre a maneira bem particular de falar do soteropolitano: seus sotaques e expressões mais comuns.

O tradicional “oxe”, abreviatura do “oxente”, é uma das interjeições preferidas para várias situações. Pensando nela, Lílian Marques, do portal g1, foi às ruas de Salvador para saber de baianos e turistas qual é, para eles, o significado do “oxe” e suas diversas variações. A maioria das pessoas diz que é uma expressão de negação ou surpresa, mas destaca que o significado depende bastante da entonação dada na fala.

A origem da expressão, segundo a etnolinguista Yeda Pessoa, é do português trazido pelos colonizadores. “Oxente vem de ‘Ô gente’, é bem antigo, é uma expressão do português arcaico. O ôxe já é abreviatura [de oxente]. É a mesma coisa de vosmicê que deu origem a você”, afirma Yeda, que também é professora, especialista em línguas africanas e autora do livro “Os falares africanos na Bahia”.

Para quem é de fora, o modo de falar do soteropolitano chama a atenção. “Ninguém percebe seu próprio sotaque, seu próprio acento. A gente não percebe a musicalidade da nossa fala porque a gente está no nosso meio. Quando eu vou para outro estado e falo alguma coisa, logo sou identificado”, afirma o antropólogo Ordep Serra, que também é baiano.

O baianês

Foi essa percepção de quem é de fora que fez o engenheiro de telecomunicações fluminense, Nivaldo Lariú, criar o Dicionário de Baianês. Ele está há 52 anos na Bahia. Veio a trabalho, casou e não quis mais ir embora. Com observações constantes do jeito de falar do baiano, Lariú tomou a decisão de produzir a publicação. A edição, que conta com mais de 1.700 verbetes tem até coisa que alguns baianos não conhecem.

“Minha primeira condição para fazer o dicionário foi não ser baiano. Vim trabalhar e antes de começar, fui fazer um curso com colegas baianos. Logo nos primeiros dias, eu já estranhava o jeito de falar, aquela coisa que tem uma música diferente. E eu acho que a base da linguagem popular da Bahia tem o bom humor e a criatividade. São expressões que o povo da Bahia cria que são únicas. Tem coisas que definem tudo. Falar com interjeições como o ôxe, oxente, xen xen xen (oxen, ôxe, ôxe, ôxe). Você tem expressões que não têm, aparentemente, nenhum sentido, mas que reforçam alguma coisa”, disse Lariú, que é casado com uma baiana e tem três filhos nascidos na capital baiana.

No Dicionário Baianês, o significado de ôxe, oxente, xente e xen é o seguinte: “Puxa! Qual é? Que isso?” Além desses verbetes, são encontradas também expressões como “abrir o gás” (ir embora, sair), “massa” (legal, joia), “aonde” (de jeito nenhum), “bulir” (mexer, tocar), “se picar” (se mandar, ir embora), “comer água” (beber muito bebida alcoólica), “borboleta” (torniquete de ônibus), dentre muitas outras.

A etnolinguista Yeda Pessoa destaca que a pronúncia do “baianês” tem uma riqueza de vogais que dá ritmo à fala do soteropolitano. Ela observa que o “baianês” tem características que podem ser diferentes em outras cidades do estado.

“[Em Salvador] há uma tendência de se evitar grupos consonontais nas palavras de sílabas terminadas em consoantes. Por exemplo: advogado, fala-se adevogado. Pneu, diz-se peneu. A tendência é sempre desmanchar os encontros de consoantes interpondo com uma vogal, ficando o ritmo consoante, vogal, consoante, vogal, sempre. Na pronúncia, omitimos a consoante final. Outros exemplos são: dizê [dizer], Salvadô [Salvador]. Por isso, nós falamos cantando, porque a vogal é a parte sonora da palavra”, observa.

Gaúcha, a relações públicas Carol Fantinel, mora em Salvador há 19 anos. No primeiro contato que teve com os soteropolitanos, não deu outra. Estranhou. “Eu sou uma não baiana mentirosa. Me adaptei muito rápido. Tinham várias [expressões] que eu não conhecia. Como sou do sul, perguntei uma vez o que era ‘bolir’. Mexi em alguma coisa em uma barraca na rua e o menino me disse: ‘ não bula aí’. Foi uma palavra que eu não entendi e achava que as pessoas aqui falavam muito rápido, contradizendo a ideia da malemolência, de falar devagar. O ritmo da fala aqui é muito rápido”, afirma.

Sobre o ôxe, Carol diz que já conhecia, mas que se surpreendeu ao perceber o uso na Bahia. “Na TV o uso é mais no campo do folclore do que no uso direto. Eu faço mais ou menos a mesma relação do ‘bah’ (expressão gaúcha). Hoje falo ôxe pra tudo. Também tem diferença por conta das colonizações diferentes. No sul foi alemã, italiana. Aqui tem a influência muito forte da África. Tem palavras que vêm diretamente deles. Quando vou pra lá (Rio Grande do Sul), acho mais difícil perder o sotaque baiano do que o gaúcho”, afirma.

Muitas vezes, gestos acompanham a fala do soteropolitano e isso também chama a atenção. Para a etnolinguista Yeda Pessoa, essa é uma maneira de enfatizar o que é dito e tem uma ligação direta com a cultura e história da Bahia. “Enfatizamos o que nós dizemos com o gesto. Dançamos com o corpo todo. E isso devemos aos antepassados angolanos. Esse ritmo cheio de vogais também se deve ao contato do português arcaico com as línguas angolanas, que fez o português do brasil muito vogalizado”, afirmou.

Em Salvador, há muitas expressões que são criadas e faladas somente na cidade. Algumas se espalham por outras regiões, outros estados, como “piriguete”, por exemplo, que quer dizer, em primeiro lugar, “mulher fácil”. Depois de um tempo, a latinha de cerveja menor do que a convencional também ganhou esse apelido.

Segundo a professora Yeda, criar, inventar novas palavras é cultural de qualquer povo, cada um com suas inspirações e referências. “A língua é um ser social vivo. Nós criamos muitas palavras através da inspiração em outras línguas. O baiano, estamos falando do soteropolitano, é muito ligado às coisas do candomblê. Criamos e decalcamos muitas palavras da língua religiosa dos candomblês e mudamos o sentido. É o caso do axé, [no candomblê] são os fundamentos sagrados do candomblê. Trouxemos o sentido de boa sorte, amém. Em cima disso, temos outra palavra que é axezeiro [quem gosta do ritmo musical axé]. Nós falamos a língua do português brasileiro, mas cada região tem suas particularidades. Vamos criando de acordo com a nossa vivência”, destacou.

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