A menos de um ano das eleições municipais, quando os partidos começam a definir os nomes dos candidatos e as ideias para as campanhas, um fator que vem ganhando força nos últimos pleitos começa a preocupar os políticos: para onde vão e qual vai ser o papel das igrejas evangélicas. Um ponto já está certo, diz Monica Gugliano, do Estadão. Segundo ela, seja qual for o apoio ou a rejeição que elas manifestarem aos concorrentes, ele não terá a intensidade de 2022, quando foram alçadas a grandes protagonistas e tiveram função decisiva em muitas localidades.
A análise do professor Vinicius do Valle, do departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP), reflete o que deve ser a maior mudança em relação a 2022. Segundo ele, na eleição que foi a mais polarizada da história recente, até os evangélicos sofreram desgaste. “O eleitorado cansou um pouco do tema, embora, ainda assim, as igrejas cumpram um papel fundamental”, explica Valle, que também é diretor do Observatório Evangélico.
Haverá menos ideologização e a luta do bem contra o mal terá ficado para trás. As questões serão mais personalizadas de acordo com as comunidades e mais pragmáticas para atender ao eleitor que, quando escolhe um vereador ou um prefeito, quer basicamente respostas para uma pergunta: se eu votar nesse cidadão, o que ele poderá fazer por mim? E, ainda, ao deputado que conta com o trabalho do vereador para ser eleito no pleito seguinte.
O papel ao que Valle se refere é o de mobilizar as pessoas. Diferentemente do que ocorre com um partido político ou outros tipos de agremiação, a igreja reúne seus fiéis periodicamente e nas comunidades mais carentes incorporam ações que deveriam ser do Estado que não atende as necessidades dos cidadãos. “O que aconteceu em 2022 foi um ponto fora da curva e esta será uma eleição pulverizada”, acrescenta Valle, para quem 22 foi mais forte que 2018, quando foi eleito o ex-capitão Jair Bolsonaro.
E, apesar de nem todas as denominações serem necessariamente antipestistas ou antibolsonaristas, a palavra e a tendência do pastor influenciam diretamente no voto do rebanho. “Creio que na eleição para prefeito, a influência não será tão grande, mas na escolha de vereadores, certamente que sim”, diz o escritor Gutierres Siqueira, jornalista e teólogo, autor do livro Quem tem medo dos evangélicos (Editora Fiel).
Até agora, entretanto, há mais dúvidas do que certezas. A primeira delas é como reagirá o campo bolsonarista, sem o ex-presidente Jair Bolsonaro, que está inelegível. E aí entrarão diversas ponderações locais como, por exemplo, em São Paulo, o candidato a prefeito poderá obter mais votos e vantagens ao lado do governador Tarcísio de Freitas, do prefeito Ricardo Nunes? Ou será melhor ele apostar no projeto federal de Guilherme Boulos?
Nessa contabilidade, o tom dos debates deverá ser mais ameno. Inclusive porque eleições municipais comportam coligações de todo tipo. Não há a menor dúvida de que em muitos setores um candidato que represente o PL, partido de Bolsonaro, pode ter em sua chapa vereadores de diferentes correntes. Portanto, não será necessário tanto radicalismo como se viu em 2022.
Na campanha de 2022, outro ponto apontado por Valle é de que houve uma “tentativa de transformara identidade religiosa evangélica em uma identidade política que se auto classifica como de direita, e que vê o campo político da esquerda enquanto inimigo” que não deverá acontecer agora.
Da mesma forma, recorda Valle, foram quebrados vários paradigmas, pelo menos, por uma considerável parcela das lideranças evangélicas do campo pentecostal. Segundo ele, antigamente, costumava-se no fim do culto, o pastor falar de política. “Não foi assim, na eleição passada houve igrejas em que os pastores praticavam “glossolalia”, isto é, falavam como se estivessem incorporados pelo Espírito Santo, recomendando aos fiéis em quem votar, mesmo nesse momento mais sensível da celebração. Essa interferência não é uma prática saudável”, critica ele.
Mas, nesta eleição, nem haveria necessidade de se chegar a tanto. Por que no entender dos analistas o que está em jogo é muito mais a construção conservadora que se dará por meio da eleição dos vereadores do que os mandatos executivos. Isto é, quem vai defender as pautas identitárias e como fará isso, considerando que a maior parte delas não têm a ver com políticas municipais.
Por exemplo, a liberação do aborto. O prefeito ou os vereadores nada podem fazer quanto à lei. Podem, sim, manifestar sua posição contrária, reforçando o desejo do eleitorado de direita de que o projeto não seja aprovado. Já o mesmo, não se pode dizer em relação à educação. As escolas infantis estão sob a alçada das prefeituras e, nelas, podem ser discutidas pautas como a educação sexual, orientada de acordo com a identidade do governante.
Nessas igrejas, onde a pauta identitária ganha espaço, a eleição já está fervendo, constata Vinicius Gomes, doutorando da Unifesp. E muito desse rebuliço vem desde a escolha dos membros para os Conselhos Tutelares, há um mês, disputadíssima como não se via há muito tempo entre liberais e conservadores. “As igrejas continuam sendo relevantes por que têm essa facilidade de aglomeração. Mas não terão o papel de 2022 e o principal foco serão as escolhas para as Câmaras Municipais”, admite também Gomes.
O exemplo das eleições para os conselhos tutelares também é usado pelo senador Carlos Viana (Podemos-MG), presidente da bancada evangélica na Casa. “Nosso grupo mostrou sua força e sua capacidade de mobilização e elegemos um número mais do que significativo de conselheiros da direita”, diz.
Para a s eleições municipais será usado um raciocínio semelhante. O esforço mais significativo será feito para obter o maior número de vereadores. “Os vereadores são a base dos deputados e é com ela que queremos crescer e aumentar nossas bancadas federais e estaduais”, diz Viana.