Enfraquecido internacionalmente e criticado em casa, presidente francês priorizou agenda sustentável e de negócios em viagem. Especialistas veem protagonismo geopolítico do Brasil e França mais próxima do Sul Global.Em visita ao Brasil, o presidente da França, Emmanuel Macron, pautou os encontros e discussões com políticos e empresários em torno da agenda ambiental e de promoção de negócios entre os dois países. O líder francês tinha a intenção de promover uma agenda positiva em torno desses temas. Mas a viagem também beneficiou a imagem do Brasil como agente da política global.
Ao final da agenda, que se encerrou nesta quinta-feira (28/03), Macron e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinaram 20 atos de cooperação que preveem, entre outros pontos, a criação de um fundo de 1 bilhão de euros (R$ 5,41 bilhões) para a preservação da floresta amazônica, bioma que abrange também a Guiana Francesa. O investimento público e privado captado será aplicado em ações de biodiversidade e combate ao garimpo ilegal.
Para a professora de Relações Internacionais da ESPM, Carolina Pavese, o encontro representou um avanço efetivo com o início de uma agenda de trabalho nesses setores. “Foi firmada uma parceria estratégica sustentável a médio e longo prazo. A ênfase na agenda ambiental é uma tentativa de responder a parte da crítica que Macron enfrenta de dar as costas para a questão da sustentabilidade em seu governo.”
“O discurso em relação à Amazônia fugiu do tradicional. A França não adotou a postura de dominador, veio com a imagem mais de parceiro”, ponderou o analista geopolítico Marco Alves. “O Brasil tem se posicionado geopoliticamente como líder em sustentabilidade, e a França é líder em energia renovável, é um ganha-ganha. Acredito que os dois precisavam desse momento, a França mais do que o Brasil.”
Parceria
As fotos oficiais divulgadas pelas assessorias do Planalto viralizaram nas redes sociais depois que internautas compararam as imagens com ensaios de noivos e também com cenas de filmes de comédia romântica, e reforçam o tom amistoso entre os dois chefes de Executivo.
Para os especialistas, Lula conseguiu elevar seu capital político com a agenda, o que pode reverter em parte a queda de popularidade do presidente, sobretudo entre grupos de empresários. “Para a França, o alcance é muito distante, a população francesa não se beneficiou com a visita, ao contrário dos brasileiros com investimentos na saúde, educação e tecnologia”, diz Pavese.
Cenário internacional
Para Alves, depois da indisposição de outras potências europeias com posicionamentos da França sobre a guerra na Ucrânia e o conflito em Gaza, o recuo de tropas francesas nas antigas colônias africanas em Burkina Faso, Mali e Níger e a pouca presença na Ásia, os franceses não tinham alternativa a não ser se voltar à América do Sul.
Essa aliás, foi a primeira visita de Macron ao continente desde que foi eleito em 2017. “A França, do ponto de vista internacional, especialmente com Macron, está perdendo espaço. Ele se junta a Lula, que tem uma imagem muito positiva no exterior, é uma forma de a França se revalorizar nesse contexto”, avalia Alves. Com a aliança com o Brasil, Macron reforçou a defesa do multilateralismo da França.
Em novembro, o Brasil vai sediar a cúpula do G20 no Rio de Janeiro, e o presidente francês anunciou que estará presente. “Essa reaproximação com o Brasil abre as portas para que os franceses estabeleçam um canal de diálogo com outros membros do grupo, principalmente do Sul Global”, diz Pavese. Ela diz que a França busca se colocar como liderança de interlocução entre a região e países europeus.
Internamente, Macron é alvo de protestos por conta de políticas econômicas e sociais. Ele é acusado de valorizar mais a política externa do que os problemas internos da França. “A viagem serviu para reforçar essa imagem”, avalia Pavese.
Negócios
Na reunião em São Paulo para o Fórum Econômico Brasil-França, Macron apostou no fechamento de contratos entre empresas francesas e brasileiras. “A abertura desse mercado representa a retomada de investimentos diretos da França para o Brasil. Falei com empresários franceses que estiveram na Fiesp, e estavam metade-metade: alguns entusiasmados com os acordos, outros querem pagar para ver”, relatou Alves.
Em Itajaí (RJ), Macron participou ao lado de Lula do lançamento do submarino Tonelero, que integra a cooperação do franco-brasileira de produção de submarinos – um deles com propulsão nuclear. O acordo de R$ 40 bilhões foi expandido para promover a construção de helicópteros a partir da compra de tecnologia francesa.