Numa superlive que já acumula 2,4 milhões de visualizações, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) reuniu seus três filhos hoje com mandato — Carlos (Republicanos), Eduardo (PL) e Flávio (PL) — para anunciar mais um negócio da família: a Ação Conservadora, uma plataforma de treinamento destinada a candidatos, lideranças locais e apoiadores. O lançamento integra segundo matéria de Bianca Gomes, do jornal O Globo deste domingo (7), a estratégia da família, fortalecida nos últimos anos, de ampliar e diversificar fontes de financiamento, enquanto procura organizar e mobilizar o campo conservador.
O empreendimento chegou num momento delicado para a família, em meio ao avanço de investigações que miram, principalmente, o ex-presidente e o vereador carioca. Um dia depois da transmissão ao vivo, a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços ligados a Carlos, o filho 02. Bolsonaro, por sua vez, foi condenado no último mês de novembro a oito anos de inelegibilidade por abuso de poder político e econômico nas comemorações do Sete de Setembro de 2022. Outros processos que tramitam na Justiça Eleitoral ainda podem lhe impor novos reveses.
A Ação Conservadora, criada por Eduardo e Carlos, promete, a custo de R$ 297,90 à vista, ensinar o aluno a “desfazer as mentiras da esquerda”, “ser eleito em 2024, mesmo sem recursos financeiros” e se tornar uma “liderança local e influenciar pessoas”. Os membros do curso terão direito a uma conversa com os dois irmãos em videoconferência. Na live em que a família lançou o produto, Eduardo fez um apelo aos apoiadores, citando a necessidade de um “discurso mais uníssono”.
Em 2022, o parlamentar já havia lançado um curso na mesma linha, o Prepara Brasil, focado na formação da direita brasileira. Com módulos ministrados por figurões do bolsonarismo, como os ex-ministros Ricardo Salles e Damares Alves, o treinamento tinha até um “guia definitivo para posse de arma”.
Caneca mágica e kit festa
A Ação Conservadora aparece sob o guarda-chuva da empresa Eduardo Bolsonaro Cursos LTDA, cujo CNPJ, segundo o site da Fazenda, foi criado em abril de 2022. Na prestação de contas de 2022, Eduardo declarou ter faturado R$ 600 mil com a venda de “um treinamento on-line” pela empresa. E foi usando essa mesma firma que o filho 03 lançou, em fevereiro do ano passado, a Bolsonaro Store, com produtos que reverenciam o ex-presidente.
Lá tem de tudo. Calendário, vendido a R$ 49,90, com momentos marcantes da trajetória de Bolsonaro e uma série de fotos, como a que ele está sem camisa, mostrando a cicatriz deixada pela facada da campanha de 2018. Uma caneca “mágica” que, ao receber líquido quente, mostra a silhueta do ex-presidente (vendida a R$ 59,90). Além de uma variedade de outros produtos, como um troféu com o slogan “Deus, Pátria, Família, Liberdade”, um saca-rolhas e até um kit de festa com o tema Bolsonaro. Entre os itens mais caros estão o avental para churrasco com o contorno de Bolsonaro no canto inferior direito e o kit caipirinha, ambos por R$ 199,90.
Para a cientista política Camila Rocha, especialista na nova direita brasileira e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), o lançamento de produtos pelos Bolsonaro, além de buscar retorno financeiro, tem como objetivo criar uma marca e um sentimento de pertencimento entre seus apoiadores. Ela compara esse fenômeno ao boné com a inscrição Make America Great Again, que se popularizou entre os eleitores do ex-presidente americano Donald Trump.
— Essas iniciativas estão relacionadas ao modo de organização e mobilização da extrema direita, que se baseia muito em um apelo do tipo fandom (expressão usada para descrever uma comunidade de fãs), em que é necessário mobilizar constantemente os apoiadores, oferecendo contrapartidas. As pessoas precisam se sentir próximas das lideranças, parte do movimento, com capacidade para influenciar — explica Camila, que prossegue: — Essas lideranças de extrema direita prescindem de partidos ou de organizações tradicionais, como entidades estudantis e sindicatos, como forma de organização. O método é, de fato, mais semelhante ao de um fandom.
Dos livros à maquiagem
Outro mercado explorado pela família é o editorial. A “livraria Eduardo Bolsonaro”, fruto de uma parceria com o Centro de Desenvolvimento Profissional e Tecnológico (Cedet), vende obras do guru do bolsonarismo Olavo de Carvalho e títulos como “O mínimo sobre Globalismo” e “Feminismo: perversão e subversão”. Quando foi lançada, a livraria tinha em suas prateleiras virtuais produções literárias de escritores contestados pelo bolsonarismo, a exemplo de Chico Buarque e Paulo Coelho, mas boa parte foi tirada do acervo.
Eduardo e Carlos também apostaram no lançamento de livros próprios. O deputado é coautor de “Jair Bolsonaro: Fenômeno Ignorado”, publicado em 6 setembro de 2022, no qual descreve o próprio pai como “uma das figuras mais desprezadas da política brasileira”. A obra pode ser comprada por R$ 38. O vereador, por sua vez, lançou em agosto do ano passado um livro digital sobre o início da estratégia digital que ele montou para o pai. Chamado de “Redes sociais e Jair Bolsonaro: o começo de tudo”, a obra custa R$ 54,90.
Monetização de vídeos
Nem a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro escapou dos negócios. Já longe da presidência, Michelle fez as vezes de blogueira e lançou, em março de 2023, uma linha de produtos cosméticos que leva seu nome e é vendida no site do maquiador Agustin Fernandez. A ex-primeira-dama também virou recentemente dona de uma agência de marketing. A MPB Business LTDA iniciou suas atividades em fevereiro de 2023 tendo Michelle como única sócia e um capital social de R$ 10 mil.
Bolsonaro, Carlos, Flávio, Eduardo e Rogéria Nantes Bolsonaro (ex-mulher do ex-presidente) ainda são sócios da Bolsonaro Digital LTDA, empresa criada em 2017 para monetizar vídeos no YouTube.