Conforme o BBC News, o verão começou na quarta-feira (21/12) com uma previsão de chuvas acima da média histórica na maior parte do Brasil, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
Com exceção do Sul, o órgão espera que todas as outras regiões tenham precipitações em volume maior do que normalmente registram na estação mais quente do ano.
Historicamente, chuvas intensas têm um grande potencial de destruição em um país com 9,5 milhões de pessoas vivendo em áreas vulneráveis a deslizamentos, inundações e outros desastres climáticos.
Os dados dessa população são uma estimativa divulgada em fevereiro pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), órgão vinculado ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações.
O cálculo foi feito a partir de dados do Censo de 2010, que identificou 28 mil áreas de risco em 825 municípios.
Nesse cenário, desastres e tragédias durante fenômenos climáticos são comuns no Brasil. No último verão, por exemplo, eles se repetiram em vários Estados.
Entre dezembro passado e janeiro de 2022, ao menos 57 pessoas morreram em enchentes e deslizamentos durante tempestades na Bahia e em Minas Gerais. Centenas de cidades entraram em estado de emergência, e milhares ficaram desabrigados.
Em fevereiro, 18 pessoas morreram em um deslizamento de terra em Franco da Rocha, cidade da região metropolitana de São Paulo – outras cidades da região também tiveram mortes. No mesmo mês, mais de 230 pessoas morreram em Petrópolis, na região serrana do Rio.
Em sua maioria, as vítimas dessas tragédias são famílias pobres que, sem alternativa de onde morar, constroem suas casas em áreas como encostas de morros, beira de córregos e mananciais.
Para especialistas, no entanto, as chuvas não são as culpadas pelas essas tragédias, mas, sim, uma série de problemas estruturais do país, como déficit habitacional, falta de planejamento urbano, Defesa Civil deficitária e descaso do poder público.
O que poderia ser feito para diminuir os riscos para a população que vive nesses locais? A BBC News Brasil ouviu duas especialistas no tema, que apontaram medidas emergenciais e políticas públicas de longo prazo que podem contribuir para evitar novas tragédias.
Sistema de alertas
Para Alessandra Corsi, pesquisadora do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), órgão ligado ao governo de São Paulo, no curto prazo, a prioridade deve ser “evitar mortes”.
“De maneira emergencial, o poder público deve fazer um monitoramento dos dados de chuvas para informar a população sobre os potenciais riscos, além de mapear as áreas vulneráveis”, diz.
Em São Paulo, o IPT é um dos órgãos que realizam esses mapeamentos, sempre a pedido das prefeituras.
“Em alguns casos de risco mais alto, a Defesa Civil precisa agir para retirar a famílias, com permissão da Justiça. Algumas pessoas preferem ficar e podem assinar um termo assumindo a responsabilidade”, diz Corsi.
Com esse monitoramento, o poder público deve informar a população quando a chuva se intensifica e os riscos aumentam.
Há vários serviços que enviam mensagens de alerta para o celular do cidadão. Para se cadastrar no sistema da Defesa Civil Federal, por exemplo, é preciso enviar um SMS com o CEP da sua região para o número 40199.
Corsi explica que o Estado de São Paulo divide as áreas por “limiares de volume de chuvas”, por exemplo.
Em alguns pontos, como a Baixada Santista, esse limite é de 80 milímetros de chuvas em um período de três dias. Quando esse patamar é ultrapassado, a região entra em estado de atenção para deslizamentos e inundações.
Nesses casos, a Defesa Civil municipal envia agentes para monitorar áreas vulneráveis e verificar o nível dos rios e a movimentação da terra. Casa o risco de desastre aumente, os moradores podem ser removidos.
Mas nem sempre funciona dessa forma, diz Corsi. “No Brasil há municípios com corpo técnico pequeno na Defesa Civil, tem uma pessoa só às vezes e ela não dá conta do trabalho.”
Segundo ela, os deslizamentos de terra – ou “escorregamentos”, como também são chamados – são os fenômenos mais perigosos por serem muito rápidos e terem grande poder de destruição.
Políticas habitacionais
Para Isadora Guerreiro, professora na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), o poder público deve sempre qualificar as áreas de risco e não apenas contabilizá-las. “Há escalas de risco, locais mais perigosos e outros onde é possível mitigar o perigo”, explica.
Segundo ela, os governos devem incluir a população local na tomada de decisões e em pequenas obras, como contenção de encostas, construção de muros, melhorias nas casas e limpeza de córregos. “As próprias comunidades já convivem com esses riscos há muito tempo, conhecem as áreas e formas de mitigação”, diz.
Por outro lado, a urbanista acredita que remover famílias vulneráveis de suas moradias pode ter um efeito negativo, caso a ação não seja acompanhada de políticas de moradia.
“Quando não há alternativas habitacionais, a remoção pode criar mais problemas sociais, porque essas famílias não vão desaparecer. Muitas saem de morros para a beira de córregos ou mesmo para a rua. A remoção forçada aumenta a vulnerabilidade e cria outros riscos”, explica Guerreiro.
Em novembro, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a autorizar remoções coletivas de ocupações irregulares que estavam proibidas por causa da pandemia.
Segundo a campanha Despejo Zero, que reúne organizações e movimentos sociais que atuam contra remoções forçadas, 191 mil famílias estão ameaçadas de despejos coletivos no país — 65 mil delas em São Paulo.
A decisão do STF ocorreu no momento em que o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) reduziu em 95% as verbas do programa habitacional Casa Verde e Amarela para o próximo ano. Apenas R$ 34,1 milhões estão previstos para o programa em 2023.
O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), prometeu retomar o programa Minha Casa, Minha Vida, uma das vitrines das gestões petistas na área.
Para Isadora Guerreiro, programas habitacionais não se restringem à construção de moradias sociais. “Há uma gama de políticas que podem ser utilizadas, como auxílio-aluguel, urbanização de favelas e reformas de edifícios antigos”, diz.
A urbanista acredita que culpar os fenômenos naturais pelas tragédias não é uma alternativa, ainda mais em um momento de piora das mudanças climáticas no planeta.
“O risco é uma condicionante entre o meio ambiente e as intervenções humanas. Com as mudanças climáticas, a tendência é que esses desastres aumentem, mas isso não é culpa da chuva e, sim, porque houve um processo histórico que levou e continua levando as pessoas para áreas mais vulneráveis”, diz.