Equilibrando-se entre o discurso de oposição liderado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e um grupo de correligionários cada vez mais disposto a se aproximar do governo Lula, o presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, tem mediado conflitos internos do partido, enquanto articula candidaturas para as eleições municipais do ano que vem.
Em acenos à base bolsonarista, ele anunciou na quinta-feira (20) que expulsará da sigla o deputado federal Yury do Paredão (PL-CE), fotografado fazendo um gesto de apoio ao atual titular do Palácio do Planalto, e aplicou sanções a parlamentares alinhados ao petista. Os movimentos ocorreram dias após o PL desautorizar parlamentares próximos a Bolsonaro que buscam concorrer a prefeituras de capitais.
Em ofício ao qual Bernardo Mello e Luísa Marzullo, do jornal O Globo tiveram acesso, o PL comunicou a suspensão de oito deputados de Norte e Nordeste de comissões na Câmara, por três meses, como punição por terem descumprido orientação partidária para votar contra a medida provisória (MP) que reorganizou ministérios. Dois deles, Junior Mano e Matheus Noronha, são do Ceará. É o mesmo estado de Yury do Paredão, que além de votar a favor da MP, posou com ministros de Lula fazendo o sinal de “L”, mote da campanha do petista no ano passado. Completam a lista quatro deputados do Maranhão — Detinha, Josimar Maranhãozinho, Junior Lourenço e Pastor Gil –, João Carlos Bacelar (BA) e Vinicius Gurgel (AP).
Pouco efeito prático
As reprimendas, contudo, têm impacto limitado. Maranhãozinho não integra nenhuma comissão. Já seus colegas faltaram, em junho, a pelo menos um terço das reuniões dos colegiados. A expulsão de Yury, por sua vez, abre caminho para que ele se filie a outro partido sem risco de perda de mandato. Interlocutores do PT avaliam que o deputado busca apoio do governo Lula para disputar em 2024 a prefeitura de Juazeiro do Norte, principal município da região do Cariri, reduto eleitoral do ministro da Educação e ex-governador do Ceará, Camilo Santana (PT).
Valdemar divulgou em suas redes sociais, nesta quinta-feira, um encontro com Yury, em tom amistoso, e disse ter comunicado o parlamentar de sua expulsão “por não comungar dos ideais” do partido. Interlocutores da cúpula do PL avaliam que Valdemar reforça seu alinhamento a Bolsonaro ao consultar o ex-presidente sobre as principais ações da sigla, mas também busca demarcar seu estilo.
Braço-direito de Valdemar, o líder do PL na Câmara, Altineu Côrtes (RJ), afirma que haverá sanções sempre que a orientação do partido não for respeitada, mas que não há intransigência:
— Internamente já foi discutido que em votações normais aceitamos, dentro de um limite, que alguns deputados apoiem o governo por terem outra realidade.
A movimentação do presidente do PL se intensificou após o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deixar Bolsonaro inelegível. O partido trabalha para ter o ex-presidente como cabo eleitoral e, ao mesmo tempo, busca opções competitivas nas urnas.
Após a votação da Reforma Tributária, por exemplo, que sofreu oposição de Bolsonaro, Valdemar divulgou nota frisando que cada parlamentar “precisa votar no que for melhor” para seu reduto eleitoral, inclusive buscando emendas e obras do governo.
A posição do PL de liberar os deputados e exigir respeito a posições divergentes, ensejou um pedido de abertura de processo disciplinar contra um aliado de Bolsonaro, o coronel Alfredo Menezes, que chamou de “judas” o deputado federal Alberto Neto (PL-AM) por divergir de seu voto.
Menezes, que já recebeu sinalizações de apoio de Bolsonaro para concorrer à prefeitura de Manaus em 2024, trava uma queda de braço com Alfredo Nascimento (PL), ex-ministro do governo Dilma Rousseff. Aliado de longa data de Valdemar, Nascimento ensaia lançar Neto na capital do Amazonas. Em ofício assinado por Valdemar na semana passada, o PL orientou o diretório de Manaus, presidido por Neto, a “imediata instauração” de processo contra Menezes para apurar “excessos que atinjam a honra de outro filiado”.
Valdemar também divergiu do bolsonarismo na construção de candidaturas em outras capitais. Em João Pessoa, privilegiou a articulação de outro aliado, o deputado Wellington Roberto (PL-PB), que deseja lançar o ex-ministro Marcelo Queiroga à prefeitura.
Já a base bolsonarista, encabeçada pelo também deputado Cabo Gilberto Silva (PL-PB), se rebelou e tenta convencer Bolsonaro de que há nomes mais competitivos. Com aval de Valdemar, a mulher do ex-ministro, Simone Queiroga, assumiu no último sábado a divisão feminina do PL na Paraíba, acirrando o racha local. A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, que compareceu ao evento como líder nacional do PL Mulher, marcou uma agenda à parte com o grupo de Cabo Gilberto.
Em Porto Alegre, apesar de interlocutores de Bolsonaro ventilarem uma candidatura do ex-ministro Onyx Lorenzoni, o presidente do PL gaúcho, Giovanni Cheirini, garante apoio ao atual prefeito Sebastião Melo (MDB), cujo vice, Ricardo Gomes, é do partido do ex-presidente. Cherini já sugere até a filiação de Melo ao PL, pensando na próxima eleição ao governo. Em 2022, Onyx foi derrotado na disputa estadual por Eduardo Leite (PSDB).
— O PL está fechado com Melo. Não tem por que mexer nessa aliança, até porque é um provável candidato ao governo em 2026. E o PL ainda não tem candidato a governador, mas precisará ter — afirmou Cherini.
Afinados
Em São Paulo, Valdemar articulou para escantear o deputado e ex-ministro Ricardo Salles, nome mais alinhado ao bolsonarismo, pavimentando uma aliança com o atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB). A posição foi conversada com o ex-presidente, que acolheu o argumento de Valdemar, cuja base eleitoral é o interior paulista, de que Nunes é um nome mais viável em 2024. Um interlocutor de Bolsonaro diz que ele resume a própria postura com: “Não brigo com Valdemar, nem ele briga comigo”.
Para integrantes do PL, Valdemar monitora “com lupa” cidades que considera importantes para as eleições estaduais em 2026, buscando cacifar nomes com potencial eleitoral, sejam eles bolsonaristas “raiz” ou não. O dirigente já avalizou, por exemplo, candidaturas de aliados de Bolsonaro em capitais como o Rio, onde classificou como “chapa dos sonhos” o general da reserva e ex-ministro Walter Braga Netto com a deputada bolsonarista Chris Tonietto de vice.
Em Goiânia, Valdemar sinaliza apoio ao deputado bolsonarista Gustavo Gayer, apesar de haver resistências do senador Wilder Morais (PL-GO), presidente estadual da sigla — ele é próximo ao também senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), que deve concorrer à prefeitura. E em Cuiabá, o presidente do PL disse “não abrir mão” de lançar o deputado federal Abilio Brunini, alvo de pedido de cassação apresentado pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP), que o acusa de fala transfóbica, o que o parlamentar nega.
— Valdemar tem sido pragmático. Tenho recall das eleições de 2020, quando perdi o segundo turno por apenas 2% — argumenta Abilio.
Os movimentos de Valdemar para as eleições de 2024
Apoio a bolsonaristas
- Rio de Janeiro: No reduto da família Bolsonaro, Valdemar incentiva a candidatura do general da reserva Walter Braga Netto, que foi vice na chapa à reeleição, e sugeriu a deputada bolsonarista Chris Tonietto como vice-prefeita.
- Cuiabá: O presidente do PL já declarou que não vai “abrir mão” da candidatura do deputado bolsonarista Abilio Brunini, que pode concorrer numa chapa “puro sangue”.
- Goiânia: Valdemar aposta no deputado bolsonarista Gustavo Gayer, a quem entregou o comando do diretório de Goiânia, embora a cúpula local do PL tenha resistências.
Gestos contra bolsonaristas
- São Paulo: Valdemar articula aliança com o atual prefeito Ricardo Nunes (MDB) e atuou para escantear ex-ministro Ricardo Salles (PL), que desejava concorrer.
- João Pessoa: Candidatura do ex-ministro Marcelo Queiroga, com aval de Valdemar, é articulada pelo deputado Wellington Roberto, que racha com bolsonaristas no PL.
- Manaus: Valdemar instaurou processo disciplinar contra Coronel Menezes, aliado de Bolsonaro, que trava queda de braço com o ex-senador Alfredo Nascimento (PL) por candidatura.