O primeiro pronunciamento do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) após seu pai assumir a Presidência da República acabou em confusão. Era fevereiro deste ano, o Congresso Nacional ainda iniciava os trabalhos da nova legislatura, mas os ânimos já estavam exaltados. O PT havia decidido pedir uma investigação sobre Fabrício Queiroz, ex-assessor da família Bolsonaro, no mesmo dia em que saiu a condenação do ex-presidente Lula no caso do sítio de Atibaia.
Enquanto petistas exigiam a apuração do caso Queiroz, o microfone foi tomado por uma voz pouco usual no plenário da Câmara. Eduardo fez questão de dizer que aquele era “um dia triste” para o Partido dos Trabalhadores, ressaltou a condenação de mais de doze anos por corrupção do ex-presidente e encerrou o breve pronunciamento com um tiro: “O Lula está preso, babaca!” (referência a uma fala de Cid Gomes, irmão de Ciro, durante a campanha). Houve bate-boca e os microfones foram cortados. Eduardo soltou uma gargalhada e, na sequência, deixou a tribuna.
Chamado de Zero Três pelo presidente Jair Bolsonaro, o deputado, 35 anos comemorados na semana passada, já não se refere mais ao ex-presidente entre risadas. Mas, sim, com artilharia pesada. Ele agora alimenta a certeza de que há uma grande conspiração em andamento para livrar o petista da cadeia — e o vazamento de mensagens privadas entre o ex-juiz Sergio Moro e os procuradores da força-tarefa da Lava-Jato teria tudo a ver com esse plano. Em algum momento deste segundo semestre, o Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar o pedido de suspeição do hoje ministro da Justiça feito pela defesa do ex-presidente, que está preso há mais de um ano numa sala da Superintendência da Polícia Federal do Paraná.
Mensagens publicadas pela revista Veja em parceria com o site The Intercept Brasil revelaram que o ex-juiz interferiu indevidamente nas investigações. Para o Zero Três, o vazamento, a divulgação e o pedido de suspeição são parte de uma armação articulada pelo PT e por partidos de esquerda para libertar corruptos presos e, de quebra, ainda atingir o governo. “Foi uma invasão criminosa com o objetivo político de soltar o ex-presidente Lula. Querem descredibilizar o ex-juiz Sergio Moro para, consequentemente, acabar com a Lava-Jato”, afirma o deputado.
A libertação de Lula seria o sinal verde para o caos. “Soltar o Lula poria em xeque a nossa democracia, com risco de uma convulsão social. Eu não sei em que proporções, mas isso estaria dando o recado de que vale a pena ser desonesto no Brasil.” Em entrevista exclusiva a VEJA, que não participa de conspiração nenhuma e faz apenas jornalismo, Eduardo defendeu a ideia de que Lula seja transferido da carceragem da PF, onde conta com luxos como frigobar, televisão e banheiro privativo, para um presídio de segurança máxima. Ele também garantiu que Moro permanece no cargo.
Em 2018, Eduardo bateu um recorde nacional: tornou-se o deputado mais votado da história, recebendo 1,8 milhão de votos. A façanha fica ainda mais impressionante porque este é apenas o seu segundo mandato. Hoje ele representa a continuidade das quase três décadas de atuação de Jair Bolsonaro na Câmara Federal e tem grande poder de influência sobre o pai — atuando, inclusive, na indicação e na queda de ministros, como foi o caso do general Santos Cruz, ex-chefe da Secretaria de Governo. Além de herdeiro de Bolsonaro, Eduardo é conhecido por ser um representante de peso da direita, força que ganha cada vez mais espaço na política mundial. O deputado é um dos mais fiéis seguidores do filósofo Olavo de Carvalho e foi nomeado por Steve Bannon, estrategista de Donald Trump, como líder sul-americano do grupo direitista The Movement. Defensor do porte de arma, só se separa de sua pistola quando entra nas dependências do Congresso. Nas páginas seguintes, os principais pontos da entrevista, concedida na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, permanentemente vigiada por policiais legislativos.
MORO FICA
Nas últimas semanas, a imagem do ministro e ex-juiz Sergio Moro foi seriamente abalada pela divulgação de mensagens em que ele aparece orientando ações do Ministério Público durante as investigações da Lava-Jato, o que é ilegal. Para o governo Bolsonaro, porém, isso não põe a permanência do ministro em xeque.
“Eu nasci na década de 80 e, na minha época, corrupção era o que havia de mais abjeto. A minha geração consegue facilmente fazer a relação de que o que falta no hospital é o que o político roubou. Em nenhum momento passou pela cabeça do presidente demitir o Moro. Ele resgatou a esperança de que o Brasil pode ser um país que não privilegia a corrupção em detrimento das pessoas que trabalham honestamente. Vai perder as fichas quem apostar na queda do Moro.”
“Ele resgatou a esperança de que o Brasil pode ser um país que não privilegia a corrupção em detrimento das pessoas que trabalham honestamente. Vai perder as fichas quem apostar na queda do Moro”
O VICE QUE INCOMODA
Bolsonaro e o vice-presidente Hamilton Mourão já se estranharam em diversas ocasiões. Assessores do presidente chegaram a levantar a hipótese de que haveria uma conspiração orquestrada pela ala militar.
“Não existe ala militar no governo. Há militares no governo, o que é bem diferente. O general Mourão desagradou aos eleitores do Bolsonaro, principalmente no início do mandato, quando expressou algumas opiniões, especialmente sobre aborto e desarmamento, que iam na direção oposta às do presidente. Ele chegou a afirmar que o aborto era uma opção da mulher e defendeu o desarmamento. Mas agora passou a fazer discursos alinhados aos do presidente. Sobre ele voltar a compor a chapa com o presidente em 2022, ainda é cedo para falar em reeleição.”
“O general Mourão desagradou aos eleitores do Bolsonaro, principalmente no início do mandato, quando expressou algumas opiniões, em especial sobre aborto e desarmamento que iam na direção oposta às do presidente”
ERROS DE MÁ-FÉ
Em junho, o presidente Bolsonaro demitiu o general Santos Cruz, então ministro-chefe da Secretaria de Governo. Os motivos da demissão nunca foram bem esclarecidos.
“A saída do Santos Cruz foi um benefício muito grande. Ele era muito crítico a alguns ministros, principalmente aqueles que seriam discípulos de Olavo de Carvalho (ideólogo de direita, guru do presidente Bolsonaro e do próprio Eduardo). Parecia que estava jogando War, querendo dominar cada vez mais e mais espaços. A linha internacional dele era ‘ONU Futebol Clube’, uma linha globalista, afinada com as teses da esquerda. As divergências começaram durante a transição, quando a cerimonialista, contratada por ele, convidou para a posse o Nicolás Maduro (presidente da Venezuela). Os nossos apoiadores, com razão, reclamaram. O general também defendeu o controle da imprensa — erros que pareciam de má-fé. Ele mostrou estar totalmente desalinhado com o governo. Isso causava desconforto.”
“O Santos Cruz parecia que estava jogando War, querendo dominar cada vez mais e mais espaços. A linha internacional dele era ‘ONU Futebol Clube’, afinada com as teses da esquerda. Uma linha globalista”
O MINISTRO TRAPALHÃO
Indicado por Olavo de Carvalho e apoiado por Eduardo, o ex-ministro da Educação Ricardo Vélez Rodríguez foi demitido depois de comparar turistas brasileiros a canibais e deixar a Pasta praticamente paralisada por três meses.
“Talvez a escolha não tenha sido adequada. O Vélez escreveu vários livros, vários artigos. É uma pessoa qualificada, mas atuaria melhor numa secretaria. Ele teria desempenho melhor em um trabalho técnico. Inevitavelmente, um ministro tem de ter um ‘quê’ de político, tem de saber lidar com deputados e senadores, estar aberto ao diálogo e a atender com presteza os parlamentares. O Ministério da Educação é aparelhado pela esquerda.”
“Talvez a escolha não tenha sido adequada. O Vélez era uma pessoa qualificada, mas atuaria melhor numa secretaria. Um ministro tem de ter um ‘quê’ de político, tem de saber lidar com deputados e senadores”
FECHAR O SUPREMO
Eduardo Bolsonaro disse, certa vez, que o Supremo Tribunal Federal atuaria contra os interesses da população e, para corrigir isso, bastariam “um cabo e um soldado” para fechá-lo. Uma pesquisa feita pelo site Jota mostrou que 33% da população defende essa ideia descabida.
“A sociedade está revoltada com algumas atitudes do STF. Vemos que, em algumas situações, há um ativismo judicial, como foi o caso da criminalização da homofobia. Isso vai além do trabalho que é confiado ao Supremo. A indignação é justificável. Por outro lado, fechar o STF significaria uma radicalização e traria instabilidade ao país. Não se trata disso. Chamo de ‘brincadeira saudável’ o episódio em que eu mencionei que bastavam um cabo e um soldado para fechar o Supremo. Eu direcionei isso a uma plateia de estudantes de uma escola preparatória para concursos, e no final o pessoal inclusive deu risada. Jamais defendi o fechamento do Supremo. Mas considero a revolta legítima, assim como há uma revolta grande contra o Congresso.”
“A sociedade está revoltada com algumas atitudes do Supremo Tribunal Federal. É uma revolta legítima, assim como há uma revolta grande contra o Congresso”
BOLSONARO: ATÉ 2022 OU 2026?
Para Eduardo, nem tudo o que o presidente diz deve ser levado ao pé da letra. Essa cautela com a retórica, no entanto, não se aplica à possibilidade de reeleição.
“O presidente tem um faro político muito bom e certamente não foi à toa que ele soltou isso. Eu o vejo como um mestre da política. Quando todo mundo fala não, às vezes ele fala sim, e no final das contas é ele quem está certo. Ele usa muita metáfora, muita analogia. Muitas pessoas não querem interpretar o que o presidente fala. Quem é que seria favorável ao trabalho infantil? Alguém, em sã consciência, defenderia isso? Jair Bolsonaro vai entregar o governo melhor do que pegou, pode ter certeza. Independentemente de isso ser daqui a quatro ou oito anos.”
“Jair Bolsonaro vai entregar o governo melhor do que pegou, pode ter certeza. Independentemente de isso ser daqui a quatro ou oito anos”
ONDE ESTÁ O QUEIROZ?
Essa pergunta é repetida a todo momento pela oposição para fustigar o governo e a família presidencial. O ex-policial Fabrício Queiroz é suspeito de operar um esquema de coleta de parte do salário dos servidores quando trabalhava no gabinete de Flávio Bolsonaro, o filho Zero Um, então deputado estadual.
“O Queiroz, até onde eu sei, está no Rio de Janeiro. Ele fez uma cirurgia de câncer no intestino e deve estar em casa. A gente não tem esse contato tão frequente com ele. Essa investigação veio só para desgastar — e não só o senador Flávio Bolsonaro. A intenção é atingir o presidente da República. É algo similar ao que ocorreu com o Trump no suposto conluio com os russos. No final, ele foi absolvido e não deu em nada.”
DIREITA E ESQUERDA
Para o deputado, o Brasil atravessa um momento em que está ficando cada vez mais clara a importância de mostrar a diferença entre as ideologias de esquerda, que ele abomina, e de direita, que ele representa.
“Ser de esquerda, numa visão mais radical, é seguir o regime parecido com o da Venezuela, com pessoas morrendo de fome ou por perseguição política. A esquerda tem muita perspicácia para apresentar-se como a única protetora da Amazônia, da paz, das crianças. E qualquer um que diga o contrário será inimigo. Eles souberam vender a imagem de defensores dos pobres e de pessoas preocupadas com as desigualdades sociais. O PT, por exemplo, corrigiu as desigualdades, deixando todo mundo mais pobre. Já uma pessoa de direita preza a família. Nós aprendemos a perdoar, que é feio roubar e matar e que devemos honrar o nosso pai e a nossa mãe. A esquerda tenta destruir esse conceito de família, defendendo as relações de homem com homem, mulher com mulher e casamento de homossexuais nas igrejas. Além disso, ser de direita é crer mais no indivíduo do que no Estado, dar oportunidade da legítima defesa através do uso de uma arma de fogo, ser liberal na economia e permissivo com as liberdades.”
CRESCIMENTO ECONÔMICO
Seguindo essa cartilha liberal, Eduardo acredita que, aprovada a reforma da Previdência, em um ano os primeiros resultados econômicos já começarão a ser percebidos, principalmente pelos 13 milhões de desempregados.
“Fui para os Estados Unidos em dezembro e tive conversas com empresários, investidores e o mercado financeiro. Os olhos deles chegam a brilhar para investir aqui no Brasil, mas eles precisam confiar que as reformas realmente serão aprovadas. A reforma da Previdência vai fazer um ajuste fiscal saudável e permitir que o governo consiga honrar as dívidas que assumir. Aprovadas as reformas, em menos de um ano a gente já começará a sentir esses investimentos reverberando na geração de empregos.”