Ao prosseguir no aprofundamento das discussões sobre o uso de resíduos da mineração na agricultura, na construção civil e na indústria química, a Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM) promoveu, recentemente, um debate no auditório da companhia. Pesquisadores e representantes de setores públicos e privados discutiram sobre o potencial do reaproveitamento de rejeitos e como os conhecimentos técnicos podem ser transformados, efetivamente, em negócios.
“Nós acreditamos na viabilidade da criação de uma nova cadeia produtiva para a mineração, como forma de evitar implicações socioambientais e que, ao mesmo tempo, gere benefícios para as pessoas, com a criação de novas empresas, postos de trabalho e mais desenvolvimento”, disse Antonio Carlos Tramm, presidente da CBPM.
Fertilizantes ricos em nutrientes
Durante o encontro, a geóloga Alessandra Blaskowski, pesquisadora do Serviço Geológico do Brasil (SGB/CPRM), fez uma apresentação sobre o “Uso de descartes resíduos de mineração: ação do SGB/CPRM para projetos de agrominerais”, destacando os remineralizadores de solos e agrominerais silicáticos, apresentando os benefícios da rochagem, o panorama brasileiro e também o projeto piloto de agrominerais desenvolvido Irecê e Jaguarari, no Centro-Norte da Bahia.
“A remineralização de solos é a utilização de pó de rocha na agricultura, que é considerado um fertilizante de liberação lenta. É a adição de macronutrientes (cálcio, magnésio, potássio, fósforo e enxofre), que são elementos fundamentais para o desenvolvimento das plantas. Já tivemos quatro congressos sobre rochagem no Brasil e neles é muito interessante a participação de geólogos, agrônomos e de produtores que estão vendo resultados em suas lavouras”, explicou a pesquisadora.
Para Alessandra Blaskowski, a possibilidade de fazer o conhecimento técnico chegar aos gestores públicos e aos empresários é fundamental. “A gente precisa mesmo destas pontes e, nesse aspecto, a CBPM tem um papel fundamental, porque ela tem um vasto conhecimento geológico do estado, tem profissionais com capacidade para fazer a caracterização dos resíduos e também tem esse poder interinstitucional, que pode, justamente, fazer pontes para que essas novas rotas tecnológicas (agrominerais silicáticos e remineralizadores de solo) se desenvolvam aqui na Bahia”, destacou.
A FAEB apoia o uso de resíduos
Durante o debate, o produtor Guilherme de Castro Moura, vice-presidente administrativo financeiro da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado da Bahia (FAEB), salientou que, se os fertilizantes são estratégicos para a agropecuária brasileira, é fundamental que o país seja autossuficiente na produção desses insumos.
“Para diminuir essa dependência que a gente tem das grandes empresas que acabam sugando uma boa parte da rentabilidade do produtor. Estamos vivendo um momento oportuno para discutir esse tipo de coisa, mas eu acho que tem que ser um papo de gente que quer transformar isso em negócio, então é preciso pegar toda essa ciência, que é fundamental para dar o arcabouço para que tudo isso aconteça e transformar em negócio. Acho que é um trabalho de médio/longo prazo, que é estratégico para o Brasil, acho que quem investir nisso, com um pouco de paciência, terá tudo para colher bons resultados no futuro”, destacou Guilherme.
Dentro do contexto apontado pelo representante da FAEB, o pesquisador Edgar Figueiredo, do Serviço Geológico do Brasil, apresentou o “Projeto Calcários da Bahia”, com avaliações e possibilidades de aproveitamento econômico de rochas carbonáticas de diversos domínios geológicos na Bahia. O pesquisador acredita na união de forças entre as iniciativas privada e pública para encontrar caminhos mais adequados para desenvolver o uso dos rejeitos e também agrominerais.
“Um momento como este é importante para podermos alinhar os conhecimentos. A parte técnica precisa encontrar formas que sejam mais palatáveis para a indústria. Conversas como essas fazem com que a gente tenha a chance de fazer uma conexão com quem consome as nossas informações. Isso também revela um desafio para as áreas técnicas, que é a busca por uma linguagem mais simples e mais próxima da realidade de quem produz”, disse Edgar Figueiredo.
Primeiro remineralizador do Norte-Nordeste
Além de ser destaque nacional no setor minerário, no que diz respeito à produção de minérios, iniciativas sustentáveis consolidadas também mostram colocam a Bahia em evidência. Uma delas é o “Projeto Vulcano”, que foi citado como exemplo do uso de resíduos da mineração durante o debate. O engenheiro Vitor Almeida, da Pedreira Parafuso, contou aos presentes que o modelo de negócio nasceu em 2016, durante uma crise no setor de construção civil, que levou à decisão de investir em análises para criar uma nova cadeia produtiva.
“Investimos em sete rotas de pesquisa e a que prosperou foi do agronegócio. A nossa rocha tem cálcio, potássio, magnésio, silício e alguns micronutrientes. A constatação foi feita em 2018 e em 2020 fizemos o registro no Ministério da Agricultura, assim o nosso remineralizador foi o primeiro do Norte-Nordeste”, disse Almeida.
Sustentabilidade e acesso a créditos
Ao responder os questionamentos, o gestor relatou que o insumo proveniente das rochas tem trazido resultados em culturas como a de cana-de-açúcar. Vitor Almeida abordou também a questão do sequestro de carbono no solo, que é possível com o uso dos remineralizadores. Nesse ponto, além de contribuir com a diminuição dos gases de efeito estufa, com o clima e a conservação do planeta, o produtor rural pode ter acesso ao mercado de Créditos de Descarbonização (CBIO), que é um dos instrumentos adotados pela Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio).
“Já tem vários estudos e publicações científicas, sobre como podemos sequestrar carbono através do uso de rochas silicáticas, com isso entendemos que são várias as possibilidades de uso. Agora, temos um desafio muito grande: os engenheiros agrônomos não saem das universidades com esse conhecimento, são descobertas e experiências recentes. Para vender o produto, a gente tem que levar o conhecimento e isso requer tempo”, salientou Vitor Almeida, que é um dos fundadores da Associação Brasileira dos Produtores de Remineralizadores de Solo e Fertilizantes Naturais (ABRAFEN). A representação foi criada no início deste ano com a política de reconhecimento da capacidade da mineração de produzir insumos e pelo atendimento à necessidade de alternativas ao problema de escassez de fertilizantes.
Descarte de resíduo é desperdício
A Secretaria de Planejamento do Estado da Bahia (SEPLAN) vai investir num estudo sobre o aproveitamento de resíduos da mineração. A medida representa um avanço para o setor e uma oportunidade de ampliação da competitividade do estado em mercados distintos. O coordenador executivo de projetos especiais da SEPLAN, Antônio Alberto Valença, destacou as razões para o acolhimento do projeto:
“O resíduo da mineração tem um valor econômico e se você despreza, descarta esse resíduo, você está perdendo valor. Ainda podemos considerar a importância da agricultura para a Bahia, tanto o agronegócio como a agricultura familiar, ou seja, você tem um setor agrícola muito importante para o estado. Então, você tem mais uma razão para não abrir mão de um insumo eficaz e tão estratégico. Depois, você tem outro uso que é muito importante para a área de construção civil, para produção de materiais agregados. Por exemplo, você pode unir o resíduo mineral com a petroquímica, no caso das resinas, que podem produzir piso para revestimento, algo que é interessante do ponto de vista decorativo”, disse Valença.