Em matéria penal, a palavra “homicídio” serve para caracterizar um crime em duas situações: na tentativa de praticar o ato criminoso e na morte da vítima. Segundo a revista Veja, a punição da primeira é geralmente menos severa, mas o seu autor não escapa do julgamento, mesmo que o ato não tenha sido consumado.
O governo federal busca omitir essa realidade quando reivindica não ter havido corrupção no caso das 400 milhões de doses da vacina Covaxin adquiridas de um laboratório indiano. Alega que o ato não foi praticado porque o dinheiro não foi transferido na forma prevista no respectivo contrato. Logo, sustenta, não haveria por que falar em crime.
Acontece que todos os trâmites associados à aquisição foram completados, exceto o pagamento final. A proposta foi oficialmente recebida, analisada e aprovada pelo Ministério da Saúde; o contrato foi examinado pelos escalões da pasta, achado conforme e assinado; e o empenho da verba orçamentária foi implementado, o que significa o reconhecimento formal do negócio.
Do que se vê, faltou somente solicitar ao Tesouro Nacional a liberação da verba orçamentária para, assim, proceder ao pagamento da respectiva obrigação, tão logo a Anvisa aprovasse a vacina e as doses encomendadas fossem recebidas. A suspensão do contrato, após as denúncias de corrupção que o envolvem, confirma definitivamente sua existência.
O paralelo com a tentativa de homicídio é inequívoco. Não houve apenas o pagamento das doses adquiridas, equivalente, na tentativa de homicídio, à morte da vítima. Nos dois casos, o crime é irrecusável. A corrupção está caracterizada. Resta concluir a investigação, identificar os culpados, julgá-los e estabelecer a penalidade.