Tarcísio de Freitas (Republicanos) foi eleito governador de São Paulo apostando conforme matéria de Artur Rodrigues, da Folha, no eleitorado conservador e como um dos herdeiros políticos do bolsonarismo.
Em seu primeiro mês, porém, ele gerou surpresa ao abraçar temas demonizados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus seguidores radicais, em um cardápio que inclui da agenda verde à busca de interlocução com indígenas.
O período também incluiu encontros amistosos com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ex-vice-presidente norte-americano Al Gore, ativista contra o aquecimento global tachado de “globalista” pela extrema direita.
Uma decisão que causou surpresa até na base do governador na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) foi a sanção da lei do deputado estadual Caio França (PSB) e outros parlamentares de oposição que prevê a distribuição de Cannabis medicinal na rede pública.
O homem-forte da gestão, o secretário de Governo, Gilberto Kassab (PSD), chegou a comparar a gestão atual com a de nomes de ex-governadores tucanos antes da guinada à direita dada pela sigla.
“Aqui em São Paulo temos um governo com a cara do PSDB do [Franco] Montoro, do [Mario] Covas, com o estado todo torcendo para dar certo”, declarou. Os dois nomes citados por Kassab, aliás, já tiveram frases citadas pelo próprio Tarcísio em seu primeiro discurso no cargo.
Tarcísio mantém mesuras ao grupo político que o elegeu, que vão de elogios públicos ao ex-presidente à nomeação dos chamados “bolsonaristas raiz” como a secretária de Política Para Mulheres Sonaira Fernandes (Republicanos) e o titular da pasta de Segurança, Guilherme Derrite (PL).
Porém ele tem destoado de Bolsonaro e seu discurso anticientífico. Em busca de investimentos para o estado, por exemplo, Tarcísio defendeu uma agenda verde em Davos, com bandeiras como a transição energética, hidrogênio verde e etanol de segunda geração.
Na ocasião, conversou com Al Gore sobre mudanças climáticas. Gore é um crítico das políticas de Bolsonaro –em encontro entre ambos, o ex-presidente chegou a dizer que queria “explorar” a Amazônia junto com os Estados Unidos, gerando uma situação constrangedora.
“Ele [Tarcísio] tem, desde a campanha, mostrado que de certa forma é um pouco permeável a questões sobretudo de evidência científica, que é uma contradição com bolsonarismo raiz”, diz o cientista político Marco Antonio Teixeira, da FGV.
Além do meio ambiente, o professor cita como exemplo disso a questão das câmeras nas fardas de policiais que, após falar em retirar os equipamentos, Tarcísio voltou atrás em meio à divulgação de pesquisas que mostravam o benefício da política.
O desafio dele, diz Teixeira, é se equilibrar entre o bolsonarismo, a Igreja Universal por trás de seu partido, o Republicanos, e o pragmatismo político de Gilberto Kassab. Este último, diz o professor, vem ganhando cada vez mais força.
Para a deputada estadual Marina Helou (Rede), embora Tarcísio tenha feito sinalizações positivas e demonstrado abertura ao diálogo, ainda é cedo para saber como as diversas forças políticas que compõem o governo vão se acomodar.
“Na questão do meio ambiente, o Tarcísio fez algumas declarações positivas, mas infelizmente a atuação prática foi a fusão da Secretaria do Meio Ambiente com a de Infraestrutura e de Transportes, perdendo o protagonismo”, diz.
“Vejo que existe uma predisposição para dialogar. Porém ainda acho que é cedo para dizer que existe uma contraposição ao bolsonarismo. O que eu vejo é que existe uma disputa e composição de algumas forças políticas, entre as quais o bolsonarismo é uma delas e teve seu espaço, como a nomeação do Capitão Derrite, a secretária da Mulher”, afirma.
No governo paulista, há determinação para que a pasta de Meio Ambiente, chefiada por Natália Resende, busque coordenação com as demais secretarias para manter essa agenda.
Na pasta de Agricultura e Abastecimento, chefiada por Antônio Junqueira de Queiroz, prepara-se o lançamento de um adubo verde em breve e o discurso é que o agro e a agenda verde podem andar juntos.
Outro ponto em que Tarcísio destoou de seu padrinho político foi a sanção da lei que prevê distribuição de canabidiol na rede pública. Na esfera federal, Bolsonaro chamou de porcaria um projeto relacionado à substância e sinalizou que vetaria.
Em discurso emocionado, Tarcísio relatou ter um sobrinho com a síndrome de Dravet, condição rara que gera convulsões, e que utiliza o canabidiol.
Embora surpresa, a base conservadora na Casa diz que o apoio popular à liberação e a experiência pessoal blindam Tarcísio de sofrer críticas de seu eleitorado por esse projeto.
Nesta semana, porém, a gestão Tarcísio escreveu em justificativa de veto a projeto de lei que o autismo em crianças é mutável e pode até deixar de existir, o que é contestado por especialistas e ativistas da área. O projeto, do deputado Paulo Correa Junior (PSD) e aprovado pela Assembleia Legislativa, previa validade indeterminada a laudos médicos que atestem o transtorno do espectro autista.
Ainda na contramão de Bolsonaro, o Governo de São Paulo criou um comitê gestor com 20 lideranças indígenas para acompanhar a execução de um programa que remunera povos originários que prestam serviços ambientais e de proteção da biodiversidade em cinco parques estaduais.
A área em que Tarcísio se mantém mais alinhado ao ex-presidente é na questão econômica, com a presença de diversos ex-auxiliares de Paulo Guedes e discurso focado nas privatizações –tendo a Sabesp como principal alvo.
Nesta seara, porém, ele busca interlocução com o governo Lula na tentativa de manter o programa de privatização do porto de Santos, que modelou como ministro da Infraestrutura de Bolsonaro.
Além dos dois bolsonaristas escolhidos para o secretariado, Tarcísio tem levado diversos outros para atuar em cargos do segundo e terceiro escalões.
Na Cultura, Pedro Mastrobuono, ex-presidente do Ibram —Instituto Brasileiro de Museus— no governo Bolsonaro, assume a direção do Memorial da América Latina. A pasta da área, no entanto, ficou com uma técnica na área, Marília Marton, que defende a Lei Rouanet, também demonizada pelos bolsonaristas.
É na Alesp que está uma das apostas dos apoiadores mais conservadores de Tarcísio.
Bolsonaristas na Casa acreditam que Tarcísio irá sancionar o projeto contra o chamado passaporte sanitário, que foi proposto pela deputada Janaina Paschoal (PRTB) em 2021 e teve o endosso de mais 15 parlamentares, a maioria bolsonaristas.
O texto proíbe a exigência de vacinação para ingresso em escolas e universidades e para o exercício de cargos na administração pública.
Apesar dos acenos na contramão de Bolsonaro, Janaina, deputada conservadora nem sempre alinhada ao ex-presidente, elogia a atuação do governador. “Tarcísio sempre se mostrou uma pessoa ponderada e tem se conduzido assim em todas essas questões”, afirmou.
Nesta semana, Tarcísio foi contra proposta de aliado próximo, o deputado estadual Frederico d’Avila (PL-SP). Ele vetou projeto de lei que reduziria o imposto sobre heranças e doações no estado.