Os Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) estudam mudar o regimento interno da Corte para ampliar o número de julgamentos em ambiente virtual.
A intenção é agilizar os julgamentos e diminuir o estoque de processos – atualmente há cerca de 37 mil ações em andamento no Supremo.
Conforme as regras atuais, somente dois tipos de recursos podem ser julgados virtualmente pelos ministros: agravos regimentais e embargos de declaração.
O primeiro é um tipo de recurso apresentado contra decisão individual de um dos ministros, incluindo o presidente do tribunal e das turmas.
O segundo tem como objetivo esclarecer supostas obscuridades, dúvidas, omissões e contradições contidas em decisões individuais de ministros ou de órgãos colegiados (plenários e turmas).
A intenção, segundo o presidente da Corte, Dias Toffoli, é alterar o regimento para incluir a possibilidade de julgamentos, em ambiente virtual, de outros tipos de processos.
Segundo ele, um exemplo são ações que questionam a constitucionalidade de leis e que abordam temas já debatidos no plenário físico.
“Nós estamos trabalhando, todos os ministros, para otimizar os trabalhos no tribunal e reduzir o estoque de processos, para melhorar a resposta à sociedade. Estamos também discutindo uma proposta de mudança no regimento, para aumentar as possibilidades de julgamento no plenário virtual”, disse o presidente do STF, Dias Toffoli, ao G1.
O ministro Alexandre de Moraes defende a possibilidade de se referendar em ambiente virtual decisões liminares (provisórias) que tenham sido concedidas individualmente por ministros em ações que têm efeito amplo e não apenas impacto em casos específicos, as chamadas ações de controle de constitucionalidade.
Nesses tipos de ação, verifica-se a compatibilidade de leis e decretos com a Constituição. Na prática, ao decidir sozinho nesses procedimentos, um único ministro suspende atos e programas de governos estaduais e federal por anos.
A ministra Cármen Lúcia, por exemplo, concedeu uma decisão liminarpara suspender uma lei que estabelece novas regras para a distribuição de royalties de petróleo. A lei foi sancionada pela ex-presidente Dilma Rousseff em 2013 e foi suspensa dias depois pela ministra. Até hoje, o STF não decidiu a questão definitivamente. O julgamento foi marcado para novembro.
“Toda liminar em controle concentrado deveria ir imediatamente para o plenário virtual para ser referendada. Eu dou a liminar hoje, vai para o plenário virtual para ser referendado ou não. Se o ministro destacar (pedir para julgar o caso no plenário) e for para o plenário físico, obrigatoriamente, tem de entrar na próxima sessão plenária”, propôs Moraes.
“Resolve uma crítica que as vezes é feita ao Supremo de julgar muito monocraticamente (individualmente)”, afirmou o ministro.
Como funciona
Os julgamentos virtuais da Corte seguem as regras de uma resolução de julho de 2016. Segundo a norma, as sessões virtuais são realizadas semanalmente, com início às sextas-feiras.
O relator do processo é o primeiro a inserir o voto no sistema. A partir daí, os outros ministros votam dentro do prazo de sete dias corridos.
Até o fim do julgamento, qualquer ministro pode pedir “destaque” ou “vista” (mais tempo para analisar o caso) para levar o tema à discussão presencial.
Caso algum ministro perca o prazo e não insira seu voto no sistema, considera-se que ele acompanhou o relator na sua manifestação.
O texto da resolução estabelece ainda que o relatório do caso em análise, os votos e o resultado só serão tornados públicos depois de concluído o julgamento.
No entanto, no plenário virtual, as partes envolvidas no processo não são ouvidas, o que é visto com reservas por parte dos advogados. Pela resolução, eles precisam pedir que o caso vá para análise presencial até 24 horas antes de iniciada a sessão. O pedido precisa ser aceito pelo relator.
Advogados contestam
Para o advogado tributarista Gustavo Bichara, é importante que os julgamentos continuem sendo feitos fisicamente, com presença dos advogados das partes.
“Claro que a efetividade deve ser perseguida, mas não às custas do devido processo legal”, pondera Bichara.
“Penso que o avanço tecnológico é uma realidade na marcha processual nos tribunais do país, mas há limites que devem ser observados. Sou contra qualquer espécie de julgamento virtual, pois limita o debate e compromete garantias fundamentais da cidadania”, diz o advogado criminalista Michel Saliba.
Para o também criminalista Alberto Toron, a ampliação dos julgamentos em ambiente virtual, sem a participação dos advogados, “sepulta o princípio constitucional da amplitude do direito de defesa”.
“Eu penso que efetividade deve estar acompanhada do respeito a outros princípios constitucionais como o da ampla defesa, do contraditório. E o que é mais importante, no STF, como regra, as partes têm direito a fazer sustentação oral. As sustentações orais são importantes para a formação do convencimento dos ministros, juízes que vão julgar a causas”, ressaltou Toron.
“Acho que é uma saída errada. Uma saída que afasta o Supremo Tribunal Federal do bom caminho”, criticou o advogado.
Números
De outubro de 2018 a abril de 2019, nos primeiros sete meses sob a presidência do ministro Dias Toffoli, foram colocados na pauta de julgamentos virtuais 8.485 procedimentos.
Um deles foi um recurso do ex-presidente Lula contra decisão do ministro Félix Fischer, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que negou absolvê-lo da condenação no caso envolvendo um tríplex no Guarujá.
Lula foi condenado a mais de 12 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. O ministro Gilmar Mendes pediu destaque e o recurso agora será analisado presencialmente pelos ministros da Segunda Turma.
Em comparação, a ex-presidente Cármen Lúcia colocou 7.867 processos no plenário virtual em seus primeiros sete meses no comando da Corte, de outubro de 2016 a abril de 2017.