Um pedido de vista da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, suspendeu o julgamento da ação que discute se há omissão do Congresso em elaborar uma lei que vai regulamentar a licença-paternidade para trabalhadores.
O pedido é para que a Corte determine prazo para o Legislativo definir as regras do benefício – por exemplo, o número de dias a que o trabalhador tem direito.
O caso estava em análise no plenário virtual desde o dia 30 de junho e a votação seria concluída nesta segunda-feira (7). Com o pedido de mais tempo de análise, ainda não há data para voltar à pauta.
A Constituição de 1988 fixou o benefício como um direito dos trabalhadores e estabeleceu que, até o Legislativo elaborar uma lei sobre o assunto, o prazo geral da licença paternidade seria de cinco dias. No caso das mães, o prazo geral é de 120 dias.
Mas eles podem ser estendidos em algumas situações – por exemplo, no caso de empregados de empresas que aderiram ao Programa Empresa Cidadã, que amplia o benefício para 180 dias (para as mães) e 20 dias (para os pais).
A ação, apresentada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde em 2012, questiona o fato de, até o momento, o Congresso não ter aprovado um prazo definitivo.
Histórico
O tema começou a ser julgado pela Corte em 2020. Relator do caso, o ministro Marco Aurélio Mello (atualmente aposentado) votou para rejeitar a ação, argumentando que a existência do prazo na regra transitória indica que não há lacuna a ser suprida.
Os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli e Gilmar Mendes, além da ministra Cármen Lúcia, votaram no sentido de reconhecer que há omissão do Parlamento na questão.
Há, no entanto, diferentes propostas para a solução da questão:
- o ministro Edson Fachin propõe que seja fixado um prazo de 18 meses para que o Congresso elabore a lei. E que, desde já, sejam equiparados os direitos de licença-paternidade e licença-maternidade, no que couber. Esta solução transitória valeria até uma decisão dos parlamentares; é acompanhado pela ministra Cármen Lúcia.
o ministro Luís Roberto Barroso votou também pelo prazo de 18 meses para o Congresso legislar. Mas, propôs que a equiparação entre a licença de pais e de mães passe a valer se, mesmo ao fim do prazo, a omissão persistir; - o ministro Dias Toffoli também vota por fixar o prazo de 18 meses para o Congresso elaborar a lei. Mas não estabelece, de imediato, uma consequência caso isso não ocorra. Também mantém, até a solução do caso, a regra provisória dos 5 dias. O ministro admite, no entanto, que se o prazo transcorrer sem uma definição, é possível reavaliar a questão. A posição de Toffoli foi acompanhada pelo ministro Gilmar Mendes.
Votos
Nos votos escritos, os ministros Edson Fachin, Dias Toffoli, Luis Roberto Barroso e Cármen Lúcia ressaltaram a necessidade de discutir o tema.
O ministro Edson Fachin lembrou, no voto, a atuação do deputado constituinte Alceni Guerra para garantir a licença-paternidade, em um discurso sobre sua própria experiência e que comoveu os colegas, após ser alvo de piadas ao lutar pela emenda que garantiu o benefício.
“A atuação do deputado Alceni Guerra (PFL-PR) e seu discurso carregado de emoção foram considerados essenciais para a aprovação da emenda que reconheceu a todos os pais brasileiros o direito à licença- paternidade, o que demonstra a importância de homens também se comprometerem e se engajarem nas pautas que, muitas vezes, de forma errônea e preconceituosa, são consideradas apenas das mulheres”, afirmou.
O ministro citou os avanços nas legislações internacionais no sentido de uma licença parental, em que o pai ou a mãe passam um tempo fora do trabalho de forma remunerada, e têm a liberdade de decidir quem se dedica ao filho com maior intensidade e em qual momento.
“Como primeira premissa da discussão aqui encetada é de reconhecer-se a seriedade e importância da proteção à família e à infância como uma responsabilidade conjunta de homens e mulheres. Nesse contexto, os direitos fundamentais sociais à licença-maternidade e à licença-paternidade não podem ser considerados como benefícios da mãe ou do pai, porque, em sua essência, são direitos de toda a comunidade social”, ressaltou.
Neste contexto, defendeu a equiparação de licenças paternidade e maternidade, até porque o Supremo já reconheceu as uniões homoafetivas.
“Este ponto de partida impõe interpretação de que os direitos fundamentais sociais às licenças maternidade e paternidade devem ser equiparáveis, especialmente porque já estão reconhecidas, em nosso ordenamento jurídico-constitucional, as uniões estáveis homoafetivas”.
O ministro Luís Roberto Barroso afirmou que “a radical diferença entre os prazos atuais das licenças-maternidade e paternidade produz impactos negativos e desproporcionais sobre a igualdade de gênero e sobre os direitos das crianças”.
“A promoção da igualdade de gênero esbarra nas hierarquias de gênero ainda muito presentes na sociedade brasileira, que reforçam a imagem das mulheres como voltadas ao cuidado da prole e do lar (construindo um capital social majoritariamente privado), enquanto os homens são vistos como feitos para o mercado de trabalho (voltados à formação de capital social público). Esses estereótipos limitam efetivamente a capacidade de homens e mulheres para desenvolverem suas aptidões pessoais e tomarem decisões sobre seus projetos de vida”, diz o voto de Barroso.
“As mulheres continuam enfrentando discriminação nas relações sociais no geral, e, em especial, nas relações de trabalho, em razão de sua condição de mãe, que coloca como seu destino natural a possibilidade de engravidar, reproduzindo o imaginário de que a maior parte das responsabilidades com os filhos é das mulheres. É preciso, portanto, combater o estereótipo socialmente enraizado de que o cuidado com os filhos é um dever da mulher e não uma responsabilidade igualmente compartilhada entre os genitores”, prossegue.
O ministro lembrou ainda que a legislação atual concede o prazo de 120 dias de licença ao pai que adota e um prazo menor para o pai biológico.
“Chega-se, então, a uma situação de flagrante desproporcionalidade entre o direito assegurado aos homens que adotam, que podem ter 120 dias de licença, e aos pais que têm filhos biológicos, que atualmente só podem se afastar do trabalho por 5 dias. O pai é, assim, privado do contato mais duradouro com seus filhos no momento de maior necessidade de cuidado e de formação de laços afetivos”, salientou.
Em seu voto, o ministro Dias Toffoli aponta que já se passaram mais de 32 anos sem uma regulamentação.
“Em que pese existir norma transitória fixando um período para o gozo da licença- paternidade – a qual permite que não seja inviabilizado por completo o exercício desse direito –, a subsistência, por tão longo período, de regra que deveria ostentar natureza transitória evidencia a omissão inconstitucional do Poder Legislativo em deliberar sobre a questão”.
“O exíguo prazo de 5 (cinco) dias para o gozo da licença-paternidade não mais se compatibiliza com a realidade das famílias brasileiras, sob diversos aspectos, visto que a ideia de família não é mais a mesma que existia em 1988”, prosseguiu.
O ministro citou as mudanças do mercado de trabalho e a necessidade de se garantir igualdade entre mulheres e homens.
“As mulheres conquistaram o mercado de trabalho, realidade que impõe, como pressuposto para a efetiva igualdade entre mulheres e homens em direitos e obrigações (art. 5o, inc. I, da Constituição de 1988), que o Estado crie condições ou pelo menos não obste uma distribuição mais justa das responsabilidades entre os sexos no que tange aos cuidados com a casa e com os filhos (o chamado trabalho doméstico não remunerado)”, ponderou.
A ministra Cármen Lúcia ressaltou que, embora haja projetos de lei pendentes de análise no Congresso, isso não é suficiente para descaracterizar a omissão. Além disso, apontou que a diferença dos benefícios coloca homens em posição de vantagem no mercado de trabalho.
“O quadro jurídico-normativo hoje vigente evidencia inegável disparidade entre o tempo da licença-maternidade (cento e vinte a cento e oitenta dias) e da licença-paternidade (cinco a vinte dias), colocando o homem em posição de vantagem no mercado de trabalho e impondo à mulher o dever de cuidar dos filhos”, ressaltou.