Mais de 72 horas antes da abertura do protocolo de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) na Assembleia Legislativa de São Paulo, servidores formaram uma longa fila e passaram a madrugada num corredor da Casa para apresentar os temas definidos pelos seus deputados.
O protocolo só abre na sexta-feira (24), às 9h. Como publicou Carolina Linhares, da Folha, a fila da CPI, que já virou tradição na Alesp, acontece porque as comissões são instaladas na ordem em que são protocoladas –e só cinco podem funcionar a cada vez.
O resultado é uma corrida entre base e oposição para que seus assuntos prevaleçam –deputados aliados de Tarcísio de Freitas (Republicanos) querem propor qualquer tema que não o desgaste, enquanto a esquerda busca justo o contrário.
Além de CPIs que miram os governos tucanos anteriores, a bancada de oposição também tem propostas de investigação que atingem Tarcísio especificamente, como uma apuração sobre o tiroteio em Paraisópolis durante a campanha e a ligação entre o secretário da Educação, Renato Feder, e a empresa Multilaser –ambas ideias do deputado Reis (PT).
Conforme esperado, aliados do governador chegaram primeiro à fila. “Parlamentares tiveram acesso à informação e fizeram a fila antes de nós. Acordamos com a fila aqui”, afirmou Mônica Seixas, líder do PSOL.
O presidente da Assembleia, André do Prado (PL), que é aliado de Tarcísio, decidiu que o protocolo das CPIs será feito de forma física e não digital –como acontece normalmente na Casa desde a última legislatura.
Na semana passada, o presidente anterior, Carlão Pignatari (PSDB), havia decidido fechar o protocolo de qualquer matéria entre o dia 15 e o dia 23, o que daria tempo para que os deputados novos tivessem acesso ao sistema digital.
Mas, mesmo assim, o registro específico de CPIs deve ser feito de forma física. Aliados de Tarcísio admitem que somente a fila daria garantia de que a base chegaria primeiro –no protocolo digital não haveria como exercer esse controle.
A fila começou a se formar na manhã desta terça-feira (21) e é encabeçada por servidores de deputados de partidos como PL e Republicanos. PSD e PSDB também estão na fila. Depois deles, o PSOL e o PT.
São necessárias 32 assinaturas de deputados para protocolar uma CPI, e os parlamentares passaram os últimos dias em busca dessa meta.
Ainda na terça, a fila já tinha mais de 50 assessores parlamentares –cada um pode protocolar uma CPI. Uma senha foi distribuída aos integrantes da fila na ordem, mas a orientação é a de que, mesmo assim, eles não arredem pé do local. Como em 2019, deve haver revezamento de servidores, que terão que dormir no corredor adjacente ao plenário.
Naquela ocasião, servidores tucanos passaram 63 horas na fila para blindar o governador João Doria (PSDB) e empurrar para o fim da fila a CPI da Dersa, proposta pelo PT.
O clima é tenso entre os deputados na Assembleia, que reclamam de ter que deixar seus funcionários numa condição que consideram desumana. Aliados de André afirmam que a situação incomoda o presidente, que convocou uma reunião de líderes para a manhã desta quarta (22) na tentativa de achar uma solução e evitar que a fila se prolongue por mais madrugadas.
Deputados da oposição também afirmam que buscam um acordo entre os partidos para conseguir espaço para suas CPIs e evitar o desgaste da fila para os funcionários. Apesar das conversas ao longo da terça-feira, não houve acerto entre os líderes –o que fez a fila varar a madrugada e a nova reunião ser convocada.
“A fila começa com deputados aliados a Tarcísio. Isso demonstra um pouco como o governo vai querer tratar o diálogo dentro da Assembleia”, afirma Luiz Claudio Marcolino (PT).
O motivo da antecipação da fila, diz ele, foi o desespero do governo com os temas das CPIs da oposição.
“Está todo mundo lá sem máscara, no calor, não tem estrutura de alimentação. É um absurdo o presidente que assumiu [André] coloque os funcionários numa condição insalubre. É muito ruim para o início da legislatura”, completa.
O PT quer propor ainda CPIs a respeito de contratos do DER, dos recursos do Instituto Butantan, de concessões e funcionamento do metrô e da CPTM, entre outros. O PSOL mira a despoluição do rio Tietê.
Já os tucanos propõem CPIs sobre a fraude nas Lojas Americanas e problemas de fornecimento da empresa de energia Enel. Os bolsonaristas querem investigar tratamentos de transição de gênero em menores de idade.
Procurada pela Folha, a direção da Casa emitiu nota afirmando que “o serviço de protocolo encontra-se suspenso” e atribui a fila a uma atitude dos líderes de partidos, sem que a direção possa interferir nisso.
“Em uma Casa democrática, não cabe cerceamento ou juízo de valor sobre ações e formas de trabalho das lideranças partidárias. A responsabilidade da administração da Casa é garantir a segurança e a ordem para os trabalhos, o que será assegurado”, diz.
Há quatro anos, a fila da CPI começou no dia 15 de março, uma sexta-feira, e durou até a segunda-feira seguinte. Assessores se revezaram em turnos com cadeiras improvisadas numa espera que teve ao menos pizza e refrigerante.
PSDB e aliados, uma vez no posto número um da fila, protocolaram 11 CPIs, empurrando as de oposição no mínimo para o ano seguinte.
As investigações do Legislativo têm prazo de 120 dias e podem ser prorrogadas uma vez, por 60 dias, somando um período máximo de seis meses de duração.
Os temas variavam entre venda irregular de animais, fake news, situação da barragem Salto Grande, violência sexual em universidades, táxi aéreo e outros. Com isso, os tucanos alcançaram o principal objetivo de barrar uma CPI da Dersa, que miraria os escândalos de corrupção protagonizados pelo engenheiro Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto.
O mero protocolo das CPIs, no entanto, não garante seu funcionamento. Isso depende de o presidente da Casa criar a comissão, dos partidos definirem seus membros, do membro mais velho convocar a primeira reunião, dos membros elegerem presidente e relator e de que haja quórum para as demais reuniões. Todas essas etapas costumam enfrentar obstrução da base ou da oposição a depender do tema da CPI.