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segunda-feira 25 de dezembro de 2023 às 07:10h

Semipresidencialismo mantém viva discussão sobre governo 30 anos após plebiscito

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Três décadas se passaram desde que os brasileiros escolheram nas urnas manter o presidencialismo como sistema político do país em um plebiscito após a Constituição de 1988. O assunto, segundo Lucas Monteiro, Vinícius Barboza e Pedro de Alencar, da Folhapress, continua na pauta do Congresso Nacional após anos de crise política, que incluiu um segundo impeachment e, mais recentemente, ataques golpistas.

Duas das mais influentes autoridades do país —o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e o decano do STF (Supremo Tribunal Federal), Gilmar Mendes— defendem que o Brasil deveria adotar o semipresidencialismo apesar do voto no atual modelo de governo, avalizado pela população em 1993.

O tema ganhou até um grupo de trabalho para debater o tema na Câmara, no ano passado. A ideia dos parlamentares favoráveis à mudança seria implementar o sistema a partir de 2030.

Em 21 de abril de 1993, um plebiscito deu aos brasileiros a chance de optar entre monarquia e república como forma de governo, e escolher entre parlamentarismo e presidencialismo como sistema.

A consulta foi feita com voto popular e era um rescaldo da Constituição de 1988, que previa no artigo 2º do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) a convocação dos eleitores para escolher como seriam governados.

Em um universo com pouco mais de 90 milhões de pessoas aptas a votar na ocasião, 67 milhões compareceram às urnas. Com o resultado, o país possui um regime republicano e presidencialista.

Para governar diante de um cenário de fragmentação partidária, o chefe do Executivo é levado a fazer coalizões —circunstância chamada pelos cientistas políticos de “presidencialismo de coalizão”.

Ou seja, a governabilidade depende de compor alianças com parlamentares de espectros ideológicos distintos. Parte dos partidos de oposição ao presidente se junta ao governo e forma uma ampla coalizão, que envolve fatores como liberação de verbas e acesso a cargos. Os resultados em termos de apoio a projetos nem sempre são os esperados.

O debate sobre a mudança do sistema de governo se intensificou após o impeachment de Dilma Rousseff (PT), em 2016. Michel Temer (MDB) encampou a discussão, que ganhou apoio de Gilmar e Luís Roberto Barroso.

A crise entre os Poderes e o fortalecimento do Congresso na figura de Lira durante o governo Jair Bolsonaro (PL) empoderaram o presidente da Câmara, que passou a se posicionar a favor do sistema semipresidencial.

O semipresidencialismo proposto seria um misto do parlamentarismo e do presidencialismo. Dessa forma, o presidente, eleito diretamente, compartilharia funções com o primeiro-ministro, eleito pelo Parlamento ou escolhido pelo próprio mandatário —a forma de escolha muda dependendo do modelo adotado.

Países como Portugal, França e Finlândia são referências nesse sistema de maneira estabilizada.

Favorável ao semipresidencialismo, Gilmar disse à Folha que, considerando a atual importância do Congresso, é preciso pensar em uma nova forma de estabelecer o governo.

“Há dificuldade de implementação, mas dificuldades nós também temos hoje, com o contexto em que nós estamos inseridos. Quem não construiu base parlamentar não terminou o governo. Nós não estamos falando de algo meramente teórico, e sim de algo que é relevante para a própria estabilidade do sistema.”

Ele disse também: “Será que a gente tem hoje um modelo presidencialista? Será que de fato o nosso presidencialismo é puro? Quão puro ele é? E, a partir disso, a gente tem que olhar todas essas práticas que estão evidentes.”

Em julho, Lira argumentou que o semipresidencialismo poderia trazer mudanças “estruturantes” ao país, e afirmou ver a Constituição brasileira como parlamentarista em meio a um sistema presidencialista, o que gera críticas ao sistema de coalizão.

“Infelizmente, no parlamentarismo ou em outros sistemas mais modernos de gestão mundo afora, nós não temos uma identificação partidária. Nós temos uma pulverização de partidos. Mas, em um semipresidencialismo, nos modos brasileiros, com o presidente da República tendo as suas atribuições como chefe de Estado, é plenamente possível”, disse em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura.

Luiz Felipe Alencastro, historiador e professor da FGV (Fundação Getulio Vargas), critica o prazo estipulado pelo grupo de trabalho da Câmara para 2030 e afirma não haver precedentes desse tipo. Ele ressalta a necessidade de se relembrar os regimes peruano e russo para além dos exemplos positivos.

“No Peru, o semipresidencialismo foi objeto de tanto golpe e medida autoritária que hoje é uma coisa simbólica. A Rússia também demonstra que você pode muito bem transformar o semipresidencialismo numa quase ditadura”, afirma o professor.

Alencastro diz haver ainda um problema jurídico na implementação do semipresidencialismo: sua inconstitucionalidade. “Uma das cláusulas pétreas da Constituição é não alterar a divisão de Poderes. O semipresidencialismo vai dar muito mais poder ao Legislativo em detrimento do Executivo. Isso é uma alteração dos Poderes, um problema que seria questionado no Supremo.”

Um dos integrantes do grupo de trabalho que discutiu o tema na Câmara foi o deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP). Ele afirma haver “modelos bons e ruins” de semipresidencialismo, e diz preferir o parlamentarismo pelo medo de um domínio excessivo de um Poder sobre o outro, o que, segundo ele, poderia levar o país a uma ditadura.

Para ele, o modelo parlamentarista seria o ideal. “O primeiro-ministro seria escolhido tal qual o presidente, eleito quase como um presidente. Isso forçaria uma coisa que a gente não tem ainda —e não teria também no semipresidencialismo—, que é você fazer uma coalizão antes das eleições”, afirma.

O sociólogo e colunista da Folha Celso Rocha de Barros vê na mudança de regime uma tentativa de ampliar o poder do Congresso. O cenário político do país, segundo ele, se reconfigura a partir de um Legislativo cada vez mais poderoso e uma crise no presidencialismo.

“A gente teve uma sequência de presidentes politicamente fracos. Tivemos o impeachment da Dilma, as circunstâncias de posse do Temer e a pouca atividade de governo de Bolsonaro. Enquanto o Executivo não se organizava, o Congresso tomou poder para si”, diz.

Conforme o sociólogo, mudar o sistema político brasileiro para o semipresidencialismo pode ser perigoso e gerar uma instabilidade política. Ele avalia que a divisão de competências entre o presidente e o primeiro-ministro neste modelo dificulta a responsabilização nas urnas pelo eleitor.

Barros afirma que o presidencialismo de coalizão pode funcionar, tendo em vista os recursos de negociação para o presidente dialogar com o Congresso, tais como cargos e emendas parlamentares. E critica a relação feita entre o sistema de governo atual no país e a corrupção.

“A corrupção estava muito mais ligada ao fato de que o financiamento de campanha era privado e a supervisão do Judiciário e dos órgãos de controle era muito falha. Acho meio injusto você jogar a culpa da corrupção brasileira no presidencialismo de coalizão.”

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