Um dos governadores mais críticos ao presidente Jair Bolsonaro e nome em ascensão no PT, o governador Rui Costa, protagonizou um embate público com o presidente após a morte do miliciano Adriano da Nóbrega.
Em entrevista ao jornal O Globo, Rui critica a postura de Bolsonaro em relação aos governadores, defende a atuação da Polícia Militar baiana na morte de Adriano e que o PT se renove e abra espaço para os mais jovens.
Os estados enviariam tropas para o Ceará durante motim dos policiais militares quando o presidente Bolsonaro ameaçou não prorrogar a presença das Forças Armadas no estado. Como foi essa articulação?
O que os governadores do Brasil têm tido, independentemente de diferenças político-partidárias e ideológicas, é uma atuação unificada em defesa da democracia, da federação, do estado de direito. Assim como houve indignação geral quando o presidente tentou jogar a população contra os governadores na questão dos combustíveis, houve também com as palavras de pessoas do governo federal que beiravam ou tangenciavam apoio ao movimento. Tivemos palavras dúbias até do ministro da Justiça quando a população estava sendo assassinada no Ceará. É inconcebível que um presidente da República não seja solidário com a população de quase 9 milhões de habitantes. Estávamos no grupo de WhatsApp dos governadores só esperando uma negativa oficial para prestar apoio.
Na sua visão, o ministro Sergio Moro também flertou com apoio aos amotinados?
Não tenho dúvida disso. Tivemos as declarações dele dizendo que os policiais amotinados não podiam ser julgados. Isso não é fazer justiça. Não entendo uma declaração dessa de um ministro da Justiça.
O que une os governadores é a postura anti-institucional do presidente?
Acho que sim. É um ataque sistemático ao pacto federativo, um ataque sistemático à democracia. No caso do Bolsa Família (em que o Nordeste e Norte foram as regiões com menos pessoas habilitadas, apesar de terem a maior parcela da população mais pobre), ocorre um desrespeito à lei, que estabelece prioridades. A gente tem ouvido de forma crescente dos prefeitos que as pessoas voltaram a passar fome, a pedir cesta básica. É um nítido sinal de aumento da pobreza e da extrema pobreza.
O senhor continua com a mesma posição de que a ação da polícia foi correta na morte do miliciano Adriano da Nóbrega, no dia 9 de fevereiro, no interior da Bahia?
Tive oportunidade de ouvir relatos da área de segurança, dos peritos da Bahia, que são técnicos. O relato coincide com o dos policiais que participaram da operação. Não vejo nenhum motivo para ter nenhuma discordância da atuação policial.
O senhor contestou um vídeo do senador Flávio Bolsonaro com imagens do suposto corpo de Adriano da Nóbrega.
Chamei o pessoal que disse: governador, 200% que não é no IML da Bahia. E contaram que fizeram contato com o IML do Rio e disseram que não foi lá. Se foi feito o vídeo, foi fora dos dois IMLs, se é que aquele corpo é dele, o que não tenho como atestar. Vendo aquele vídeo, que ninguém sabe o quanto foi editado, os peritos acham que o corpo não é dele, (Adriano) porque havia perfuração nas costas. Ele não tinha essa perfuração.
Por que o senhor acha que o presidente e a sua família se manifestaram sobre o caso?
Não consigo entender. Um dia espero poder saber porque o interesse tão grande da família do presidente da República por um criminoso até porque eles sempre disseram que bandido bom é bandido morto. Não sei se a preocupação com a morte ou com o que eventualmente viesse a ser descoberto com o material que foi encontrado com ele.
O senhor fez uma reforma da Previdência na Bahia enquanto o PT foi contra a proposta do governo federal. Isso não é incoerente?
Nós nos alinhamos com a posição nacional do PT e dos partidos de oposição. Os governadores do Norte e Nordeste puxaram de maneira muito enfática a defesa de que a reforma não alcançasse as pessoas mais pobres e ajudamos a diminuir o impacto. Mas nós sempre defendemos, todos os governadores, seja do PT, do PSB, do MDB, uma diminuição da distância da previdência da maioria da população e dos servidores.
Qual o caminho para o PT voltar ao poder?
A questão da capilaridade e da inserção social é fundamental para o partido voltar a ter força na sociedade.
O PT se afastou da população?
Teve um período que o PT foi governo e teve um certo descolamento, com falta de funcionamento de núcleos de base. Eu percebo a volta desse sentimento Há jovens entrando. Defendo que haja uma mudança geracional forte do partido.
Precisa fazer a autocrítica?
Tem algumas coisas que viraram questão de disputa. Vai fazer autocrítica, não vai fazer. Todo e qualquer partido tem acertos e erros. Tenho orgulho de dizer que o PT acertou muito ao longo do período que esteve no governo. O Banco Mundial é claro em dizer que classifica o período de 2003 a 2013 como a década de ouro no Brasil. Os avanços sociais e de assistência foram inegáveis. Os erros se deram mais na política e menos na ação concreta. Não fazer a reforma política naquele momento que a gente tinha força é inegável que foi um erro.
O período do PT no governo teve essa marca da melhora da condição de vida da população mais pobre, mas também teve a marca dos escândalos de corrupção.
Foi criada uma imagem como se o PT tivesse criado a corrupção no Brasil. Qualquer pessoa que estudou História e conhece política sabe que é uma falácia. Caixa dois sempre existiu no Brasil.