Os roubos cresceram mais nas áreas centrais e bairros nobres da cidade de São Paulo no 1º trimestre, quando se consolidou o retorno em massa das atividades presenciais. Isso é o que mostra levantamento feito pelo Estadão com base em dados da Secretaria de Segurança Pública. Os índices de roubo estão afetando principalmente Campos Elísios, Consolação, Itaim Bibi e Pinheiros. O registro do crime nesses locais mais do que dobrou na comparação com o mesmo período de 2021.
Para especialistas e delegados ouvidos pelo Estadão, a subida em bairros de classe média e média alta se deve à oportunidade: mais gente nas ruas. São áreas onde a saída em larga escala do isolamento social foi mais recente e as possíveis vítimas têm maior poder aquisitivo. Os ladrões agem de formas cada vez mais variadas, como gangues de bicicleta ou falsos entregadores. A polícia investiga ainda a participação do crime organizado em roubos de celulares, que ficaram mais lucrativos com a chance de obter dinheiro rápido via Pix.
Os roubos nos Campos Elísios, região central, saltaram 126,89%. O crescimento foi de 818 para 1.856, tornando a delegacia a líder de crimes do tipo na cidade – ali, em média, 20 pessoas são roubadas por dia. Na Consolação, os roubos subiram 112,18% no mesmo período. Em bairros como Itaim Bibi e Pinheiros, na zona oeste, as altas foram, respectivamente, de 113,83% e 102,27%.
Já os furtos são mais espalhados. Dos 93 distritos da capital, 89 registraram mais crimes. As maiores altas foram nos DPs de Cidade Dutra (334,13%), Pinheiros (105,23%) e Vila Brasilândia (104,10%). O crescimento generalizado pós-pandemia tem assustado a população.
“Muitos amigos têm sido assaltados, é impressionante a quantidade”, conta o publicitário Christiano Ottoni, de 30 anos. Morador de Campo Belo, zona sul, ele foi vítima quando saía de um bar na Avenida Ipiranga. “Peguei meu celular para ver a placa do carro no aplicativo, passou um homem de bicicleta e muito rapidamente pegou meu telefone, que estava desbloqueado.” O crime foi por volta de 22h de um sábado no início de março.
“Como estava tarde, bloqueei meu celular e deixei para fazer o boletim de ocorrência no dia seguinte”, explica. O caso foi um dos 892 furtos naquele DP em março. Ottoni acionou o Banco Inter e pediu bloqueio de transações. Segundo ele, a instituição confirmou o procedimento. Na segunda, porém, criminosos transferiram R$ 20 mil via Pix. Relatos de vítimas mencionam prejuízos superiores a R$ 100 mil após crimes semelhantes.
O Inter não comenta o caso por causa do sigilo bancário, mas diz ter medidas de segurança e afirma sugerir a todos o aviso rápido sobre roubo para que se tomem providências.
“Aqui, o que mais tem são as gangues de bicicleta, que roubam o celular e vendem rapidamente”, diz o delegado do 3.º DP (Campos Elísios), Wilson Zampieri. “Também tinha muito quebra-vidro – que roubam celular nos painéis de carros no sinal -, mas isso diminuiu um pouco”, acrescenta.
Ele explica que crimes mais elaborados são menos relatados na delegacia. Isso porque, continua, mesmo delitos antes vistos como simples, como roubos e furtos, passaram a ter potencial de lucros expressivos. Neste mês, o Estado prometeu aumentar o policiamento nas ruas, em reação à alta de crimes (leia mais na pág. 16).
Área nobre
E não é só no centro. Na Rua Oscar Freire, uma das mais luxuosas dos Jardins, nem a presença de seguranças particulares impede criminosos. Um exemplo é uma tentativa de roubo à mão armada na rua, no último dia 27. O assaltante, que agiu sozinho, sacou uma pistola e encostou na altura do fígado da vítima. O episódio ocorreu em frente a uma loja de roupas, quase no encontro com a Rua da Consolação.
Vendedora no local, Gislene Pereira, de 35 anos, diz ter visto a cena de perto. Ao notar que, após a vítima reagir, o assaltante sacou uma pistola (ela não sabe se é verdadeira), Gislene e outros funcionários correram para os fundos do estabelecimento. “Nem fomos fechar a porta da loja, estava muito próximo”, conta ela, que não viu o desfecho da cena. O ladrão fugiu pela própria Oscar Freire.
“Foi assustador, estava cheio de gente na rua”, diz uma moradora dos Jardins, de 50 anos, que não quis ser identificada. Ela caminhava quando se deparou com o assalto. “Várias lojas baixaram as portas e algumas pessoas saíram correndo. Os vendedores ficaram apavorados.” Os roubos subiram 60,12% nos Jardins no 1º trimestre. Ao menos duas lojas na esquina da Oscar Freire com a Rua Doutor Melo Alves adiantaram o horário de fechamento de 20h para 19h há cerca de dois meses, na tentativa de proteger funcionários e clientes. “Piorou bastante, principalmente furto. E o policiamento mesmo é difícil passar”, diz uma vendedora.
Desafio é conter não só crimes, mas a sensação de insegurança pós-isolamento
Áreas centrais e bairros nobres da capital paulista têm sido os mais afetados com a alta de roubos, mostra o levantamento do Estadão. Mas o desafio para a polícia é ainda maior, como admitiu o novo comandante da PM, Ronaldo Vieira, na posse: é vencer a sensação de insegurança. Especialistas também defendem foco não só nos ladrões nas ruas, mas também em identificar as quadrilhas por trás dos crimes, responsáveis pela receptação dos objetos roubados e pela multiplicação dos lucros.
“Com a retomada da atividade comercial, empresarial e social também, na sua plenitude, tivemos uma sensação de segurança um pouco prejudicada”, diz Roberto Monteiro, delegado da 1.ª Seccional Centro, que destaca índices próximos ao período anterior à pandemia.
Em Campos Elísios, por exemplo, foram registrados 2.030 roubos no 1º trimestre de 2020, ante 1.856 no mesmo período deste ano. Foi a partir da metade de março de 2020 que começou o isolamento social. Já de janeiro a março de 2019, o total foi menor: 1.282.
O delegado reconhece, porém, que isso não é o suficiente para justificar o cenário atual. “Nossa obrigação é resgatar a sensação de segurança, porque sabemos que o argumento do índice de criminalidade não basta”, explica.
Pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), André Vilela Komatsu reforça que a percepção de segurança da população pode ter mudado. “Se a gente passa mais tempo em casa, percebe mais os problemas que tem em casa”, afirma. Com o fim do isolamento, a lógica se inverte. “A tendência é ter esse susto maior, a sensação de insegurança.”
No início do ano, assaltos em portas de colégios assustaram o Morumbi, zona sul, e outros bairros. Já quadrilhas especializadas em invasões de casas e condomínios agiram em diferentes lugares. No centro, moradores e comerciantes recorreram até a placas e apitos para avisar sobre as áreas mais perigosas. “A gente passa a ficar mais ansioso, tem medo de ir ao trabalho, de frequentar determinado lugar, o que afeta bastante a qualidade de vida da pessoa, o bem-estar individual e coletivo”, descreve Komatsu, doutor em Psicologia.
Resposta
Na tentativa de dar resposta rápida à alta de roubos e furtos, o governador Rodrigo Garcia (PSDB) mudou neste mês os comandos das Polícias Civil e Militar. “Nossa vida está voltando ao normal, e infelizmente os crimes contra o patrimônio – Pix, furto de veículos, roubo de celulares – estão crescendo”, disse, em evento de anúncio da Operação Sufoco. “Bandido que levantar arma contra a polícia vai levar bala”, acrescentou ele, que vai disputar a reeleição. Entre os adversários, está o ex-ministro Tarcísio Freitas (Republicanos), apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), que tem como bandeira a postura “linha dura” contra bandidos.
A operação prevê dobrar o efetivo de policiais diariamente nas ruas da capital e mirar falsos entregadores de delivery. Em abril, Renan Loureiro, de 20 anos, foi morto por um ladrão que fingia ser entregador no Jabaquara, zona sul. “Crimes de roubo estão muito perto de virarem latrocínio. Eles (assaltantes) já têm o armamento, a intenção, e vai ter a vítima, a parte mais frágil desse crime de roubo”, declarou o novo chefe da PM na posse.
A Polícia Civil realizou nova ação para desmantelar grupos que recebem celulares roubados para obter dinheiro via Pix. O foco foram lojas de eletrônicos
e quartos de hotel no Santa Ifigênia e Baixada do Glicério, no centro. O alto lucro com essa modalidade de crime atraiu o Primeiro Comando da Capital (PCC), segundo investigação revelada pelo Estadão. Em abril, a polícia identificou um núcleo para desbloquear telefones roubados e fazer transferências, na Bela Vista, e viu elos com a facção.
“A polícia demorou um pouco para dar a devida importância a esse tipo de atuação criminosa (roubos)”, avalia a pesquisadora Isabel Figueiredo, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Diante da promessa de intensificar ações nas ruas, ela destaca que é essencial não só combater os ladrões, mas os criminosos para quem os objetos roubados são vendidos. Para isso, ressalta, o Estado deve focar não só em colocar mais policiais nas ruas, mas também em desmantelar receptores e quadrilhas que fazem transferências via Pix.
Em nota, além de destacar a nova operação, a Secretaria de Segurança Pública informa que no 1º trimestre fez 1,2 mil prisões em flagrante por roubos na capital, e outras 237 por meio de mandados. E diz que, ao comparar 2021 com 2019, último ano pré-pandemia, roubos e furtos caíram 8,8% e 17,1%, respectivamente. Em parte de 2021, porém, houve medidas de isolamento diante da piora da covid.