O prefeito Ricardo Nunes (MDB) costuma dizer segundo reportagem de Artur Rodrigues, da Folhapress, que começou a carreira empresarial numa salinha em São Paulo, em 1996.
Morador da periferia da zona sul da cidade, ele enriqueceu com uma rede de empresas de dedetização, enveredou para a agropecuária e fez fortuna vendendo imóveis.
O político do MDB diz que empobreceu desde que virou político. Em suas declarações de bens, os valores nominais sempre ficam na casa dos R$ 4 milhões (na da atual eleição, R$ 4,8 milhões).
Parte importante do patrimônio da família de Nunes, hoje, porém, está na mão dos filhos —responsáveis pelas empresas do grupo. Outra parcela foi obtida por meio de negociações milionárias de fazendas.
De acordo com levantamento feito pela Folha com base em informações de cartório, Nunes e empresas dele e de sua família venderam R$ 8,5 milhões em imóveis, em valores nominais, montante que supera suas declarações eleitorais.
As regras para declaração de bens pela Justiça Eleitoral permitem que o patrimônio informado de políticos acabe não refletindo toda a realidade, uma vez que não obriga a declaração de itens como gado e patrimônio em nome das empresas.
“Desde que entrei para a vida pública, em janeiro de 2013, tive todas as declarações aprovadas pela Justiça Eleitoral e nunca fui advertido pela Receita Federal ou sequer caí na malha fina. Tudo está declarado, toda a origem de meu patrimônio é lícita e ele é fruto exclusivamente do meu suor, desde a infância no Parque Santo Antonio”, disse. “É importante frisar que meu patrimônio reduziu desde meu ingresso na vida pública.”
Quando entrou na política como vereador paulistano, em 2012, o emedebista já era milionário, com R$ 4,2 milhões em bens. No intervalo até a eleição seguinte, ele e suas empresas venderam ao menos o equivalente a R$ 3,5 milhões em imóveis.
No período entre 2016 e a eleição municipal de 2020, ano em Nunes foi eleito vice de Bruno Covas (PSDB), as transações imobiliárias se intensificaram. O foco principal foi o estado de Minas Gerais, que concentra o braço agropecuário dos negócios do emedebista.
Em Três Marias (MG), Nunes e a Red Agropecuária venderam seis fazendas de uma vez só em 2018. Os imóveis vinham sendo comprados desde a segunda metade dos anos 2000 e renderam R$ 5 milhões ao político e sua empresa.
Um dos casos é o de duas fazendas compradas por R$ 450 mil, em setembro de 2018, e vendidas em novembro do mesmo ano por R$ 1,1 milhão, segundo matrículas de cartório.
O prefeito afirma que, na verdade, as datas dos documentos não refletem a data real da aquisição, feita em instrumento particular de compra e venda que atesta a compra anos antes.
A reportagem conseguiu localizar o vendedor dos imóveis, que confirmou a explicação e justificou o lucro com base em uma plantação de eucaliptos, valorizada pelo aumento do preço do carvão no período.
Seis fazendas foram vendidas à mesma empresa, a Centrium Empreendimentos, com valorização considerável.
Uma delas, a Bebedouro, por exemplo, foi comprada em 2008 por R$ 382 mil e vendida por quase R$ 2 milhões dez anos depois —uma valorização de 422% em período com inflação de 84%.
Em outro negócio, ligado a uma fazenda chamada Compasso, Nunes deu como garantia 540 bois da raça nelore. Essa propriedade foi comprada em 2007 por R$ 210 mil e vendida em 2018 por R$ 1,1 milhão —valorização de 423% em período com inflação de 87%.
Atualmente, o prefeito mantém duas fazendas em Três Marias, obtidas via usucapião (direito sobre a propriedade devido à permanência prolongada), com sentenças de 2020.
Em janeiro de 2022, quando já era prefeito, ele se retirou da sociedade da principal empresa da família, a Nikkey, hoje controlada pelo filho dele, Ricardo Nunes Filho. A companhia, com nove filiais espalhadas por diversos estados brasileiros, atua com dedetização e tratamentos fitossanitários para cargas.
A empresa já firmou contratos de empresas públicas como o Metrô, de R$ 4 milhões, conforme revelou o site De Olho Nos Ruralistas. A estatal é controlada pelo governo do estado, mas o município de São Paulo tem pouco mais de 2% de ações na empresa.
A filha de Nunes, a dentista Mayara Nunes, também tem empresa em seu nome: a Red Embalagens, que atua na confecção de pallets. Essa companhia, por sua vez, ainda é sócia de outra, a Fênix Imunização e Agricultura, que fica no Espírito Santo —antes, a empresa estava em nome de um antigo colaborador da Nikkey e sua esposa.
Mayara também chegou a ser sócia, ao lado da esposa de Nunes, Regina, da Nikkey Serviços, empresa que apareceu como recebedora de valores de uma empresa investigada pela Polícia Federal na máfia das creches. Em depoimento à corporação, Nunes disse que eram funcionários, e não as duas, que cuidavam da empresa (hoje extinta).
O patrimônio de Nunes e de empresas familiares também inclui prédios, terrenos e apartamentos, além de valores em aplicações.
Procurado, o prefeito afirma que sempre seguiu as regras da Justiça Eleitoral. As normas permitem a declaração do patrimônio pelo valor de compra, sem correção.
A nota da assessoria diz ainda que as comercializações de bens estão declaradas na Receita Federal, seguindo regras em que o patrimônio pode ser consumido, convertido em patrimônio distinto ou usado para pagamento de dívidas, por exemplo.
Sobre os bois que apareceram como garantia nas negociações, a equipe de Nunes afirma que todo “todo o gado pertencente à pessoa física de Ricardo Nunes foi declarado regularmente à Receita”.
Sobre as empresas da família, a equipe do prefeito diz que a Nikkey é controlada pelo filho, e a Red pertence à filha, que, em razão de atuar como dentista, constituiu procuradores profissionais para administrá-la.
O comunicado ainda afirma não haver conflito de interesses no contrato da Nikkey com o Metrô. “O processo licitatório do qual a empresa participou foi o da modalidade pregão eletrônico por menor preço e a regularidade da concorrência em tela nunca foi questionada”, afirma a nota.