Em sua primeira visita a um tribunal superior, em Brasília, a estudante de Direito Átila Mendonça, de 28 anos, escolheu na véspera a calça de alfaiataria preta, o colete social azul e a sandália de salto fino que vestiria. No 9º período de uma faculdade particular em Goiânia, a moça, que sonha em se tornar advogada criminalista, foi orientada logo no início da graduação por professores conforme matéria de Paolla Serra e Mariana Muniz, do O Globo, sobre o “dress code” imposto a quem escolhe seguir a carreira jurídica.
— Não só no Fórum, mas em todos os ambientes que transitamos, temos que estar bem vestidos. A nossa imagem é a primeira impressão que deixamos — opina a jovem.
Ela estava acompanhada por outras dezenas de alunos também “na beca”, desfilando pelos corredores do Superior Tribunal de Justiça (STJ) com vestidos e ternos, mas o debate sobre as vestimentas de servidores e demais visitantes não está pacificado no Judiciário.
Em fevereiro, a presidente do STJ, ministra Maria Thereza de Assis Moura, assinou uma instrução normativa sobre a indumentária adequada para acesso às dependências da instituição. Entre as vedações impostas, estão as peças consideradas “sumárias”, como shorts, bermudas, minissaias, leggings, croppeds, camisetas sem manga, trajes de banho e de ginástica, além de fantasias.
Na lista, também consta a proibição de bonés, exceto para os seguranças, e chinelos — o texto faz uma descrição detalhada sobre a definição do calçado “com tira em formato de Y que passa entre o primeiro e segundo dedo do pé e ao redor de ambos os lados do pé ou com uma tira ao redor de todos os dedos”.
Na época, o STJ informou que a publicação da portaria ocorreu “para torná-la mais inclusiva, em cumprimento ao compromisso do tribunal com a promoção da cidadania e a inclusão de todas as pessoas”. O texto foi atualizado, segundo a Corte, para que pessoas idosas, estudantes e povos indígenas se sintam à vontade durante as visitas institucionais.
— Regulamentar o “dress code”, ou, códigos de vestir, em ambientes corporativos, seja no setor público ou privado, é, em tese, uma forma de orientar —e não de constranger a quem ingressa profissionalmente ou frequenta estes ambientes. Ambientes de trabalho podem variar, assim como seus respectivos códigos de vestir. O que, no entanto, deveria ser sempre observado e muitas vezes não é, são o bom senso e a adequação ao local de trabalho e à atividade desempenhada — diz a pesquisadora e analista de moda Paula Acioli.
Menos de um mês depois da publicação com as restrições, o corregedor Nacional de Justiça, o também ministro do STJ Luís Felipe Salomão, determinou que a Corte esclarecesse quais foram os critérios usados para elaborar as regras. Em sua decisão, ele argumentou que “especificações alusivas a roupas e outros trajes —como, por exemplo, blusas sem manga —são utilizados como meio de abordagem e possível constrangimento ligados ao gênero feminino”.
O despacho ainda registra que “o direito de acesso à justiça demanda, necessariamente, que o cidadão possa naturalmente adentrar nas dependências dos Tribunais, o que pressupõe, também necessariamente, que haja tratamento isonômico e atento às garantias constitucionais no controle de acesso correspondente”, o que não significa que não haja atenção às formalidades necessárias, já previstas na norma anterior.
Diante do impasse, vem sendo realizada uma consulta em cada um dos tribunais do país, que já identificou que em pelo menos 38 deles há regras dessa natureza para a circulação de pessoas, observando a realidade e contexto social de cada estado e região.
Para a criminalista paulista Larissa Sinigallia, de 36 anos, mais do que a imposição de regulamentos, deve haver a confiança no bom senso do público:
— É importante ressaltar a discrepância que há entre as restrições a homens e mulheres, que podem, por exemplo, mostrar os braços. Falo isso como mãe de um filho trans não-binário, para reconhecer que as coisas estão melhorando, mas que ainda temos um caminho longo pela frente.
Sem braços à mostra
No Supremo Tribunal Federal (STF), mais alta instância do Judiciário brasileiro e “baliza” para os demais tribunais de todo o país, as regras de vestimenta existem a depender da localização onde se encontra cada pessoa.
Para ingressar no histórico plenário onde são realizadas as sessões de julgamento, situado no prédio desenhado por Oscar Niemeyer, o visitante — seja ele advogado, estudante, magistrado — precisa estar trajado com “vestimenta formal”. Para homens, terno e gravata. Para as mulheres, roupa social acompanhada de blazer. Isto porque não é permitido o acesso com ombros ou braços à mostra.
— Por se tratar de um ato extremamente solene, todo e qualquer tipo de tribunal deve prezar pelo respeito à liturgia, que se impõe também por meio da indumentária correta — afirmou o advogado Luís Henrique Machado, de 43 anos, enquanto se preparava para uma sustentação oral no STJ com traje completo, que inclui paletó e gravata.