A economia da Argentina registrou mais uma marca negativa. Suas reservas internacionais caíram para o patamar mais baixo desde 2006, ficando em cerca de US$ 21 bilhões, segundo consultorias privadas. Os dados levam em conta segundo Marcos de Moura e Souza, do jornal Valor, os desembolsos feitos pelo país na segunda-feira como parte do pagamento ao Fundo Monetário Internacional (FMI).
Depois de ter atingido um pico durante o governo do então presidente Mauricio Macri (2015-2019), quando passaram dos US$ 70 bilhões, as reservas argentinas vêm derretendo praticamente todos os meses, num processo que se acentuou este ano.
Em seu Informe Monetário Mensal referente a outubro, divulgado ontem, o Banco Central argentino apontou que a queda das reservas foi influenciada pelo pagamento ao FMI, mas não só por isso. “Outros fatores que explicaram a queda foram a variação nas contas de efetivo mínimo e as vendas de divisas ao setor privado, tendência que se reverteu na última parte do mês”, afirmou o BC. O efetivo mínimo é a fatia de depósitos, em moeda local ou estrangeira, que as instituições financeiras precisam manter disponíveis.
No fim de outubro, o ministro da Economia e candidato governista à Presidência da República, Sergio Massa, anunciou a prorrogação por mais 30 dias de uma medida de estímulo aos exportadores. Massa disputa com Javier Milei o segundo turno no dia 19.
O chamado Programa de Incremento Exportador permitiu inicialmente que as empresas com vendas de soja para o exterior fizessem suas operações usando uma cotação acima do câmbio oficial de cerca de 350 pesos por dólar – mais vantajosa para os exportadores. O chamado dólar blue, do mercado paralelo, fechou ontem, segundo levantamento feito pelo jornal argentino “Ámbito” a 840 pesos para compra e a 890 pesos para venda. O benefício para a soja acabou estendido para todos os setores exportadores.
Anunciado em meio a uma disputada campanha eleitoral, o estímulo cambial tinha como objetivo central, segundo o governo, reforçar as reservas da Argentina. Mas a nova queda das reservas mostra que o tiro passou longe do alvo.
Com as oscilações e incertezas na economia (agravadas em um ano de eleições), muitos exportadores podem ter optado por retardar suas operações de vendas o exterior com a expectativa de que o peso argentino se desvalorizasse ainda mais. E menos exportações representam menos divisas.
Com um gap cambial de 150% é impensável que o BC acumule reservas”
— Esteban Medrano
Em uma economia com inflação anual de quase 140% e moeda sem valor, a redução das reservas é sintoma de muitos males. “A queda das reservas basicamente se deve à compra de dólares por parte da população argentina, somada ao superávit de conta corrente que houve no princípio da gestão da gestão do presidente Alberto Fernández e que agora se transformou em um déficit em conta corrente”, diz o economista Esteban Fernández Medrano da consultoria MacroVision.
Outro elemento por trás da queda das reservas: os mecanismos de controle de acesso aos dólares no país. Trata-se de uma medida que, em princípio, existe para que evitar que o BC perca dólares rapidamente. Na prática, no entanto, apontam economistas, acaba por tero um efeito contrário ao desejado, no médio e no longo prazo.
“O Banco Central mantém o valor da divisa oficial num nível muito baixo, 350 pesos argentinos, o que põe uma forte pressão sobre as reservas do Banco Central”, diz outro economista argentino, Jorge Colina. Empresas e indivíduos têm dificuldades para pagar importações e fazer remessas. a enorme diferença entre a cotação do dólar oficial para o dólar paralelo acaba também alimentando um desarranjo nas reservas. Esteban Medrano acrescenta: “Com um gap cambial de 150% é praticamente impensável imaginar que o Banco Central vai acumular reservas”.
Uma das explicações correntes entre integrantes do governo Alberto Fernández para a contínua perda das reservas internacionais passa pela a seca histórica que atingiu o país nas últimas e que comprometeu safras e exportações agrícolas – e consequentemente a entrada de divisas.
Há também o agravamento de um problema que vem se arrastando pelo menos pela última década de redução da produção de petróleo e gás para atender às necessidades da economia. Por falta de investimentos e sem produção suficiente, o país aumentou sua dependência de energia importada. Esse crescente déficit na balança energética representa também mais recursos indo para o exterior do que entrando.
Economistas afirmam que para que a Argentina retome o ciclo de recuperação de reservas, é preciso um plano macroeconômico exequível e equilibrado, que detenha a inflação e gere estabilidade – tarefa para o próximo presidente que pode levar alguns anos.