Apontado como principal articulador da vitória em primeiro turno da proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma da Previdência, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que o texto também responde a demandas da população mais pobre, integrando parte da agenda de combate à desigualdade social no Brasil.
“O sistema previdenciário hoje é completamente injusto. Você está reduzindo desigualdades nesse sistema. Está tirando de quem tem mais e tirando muito pouco de quem tem menos. (…) Quando você tem um agenda que pega os programas que já existem e propõe algo que pode gerar um impacto melhor na vida das pessoas vulneráveis, você está tratando deles.”
A declaração foi dada na tarde de quarta-feira (17), em um entrevista exclusiva ao HuffPost, na residência oficial da Câmara dos Deputados, em Brasília.
O local foi cenário de negociações intensas nos últimos meses, onde Maia recebeu deputados da manhã até a madrugada. Embora véspera de recesso, a quarta não foi diferente. O entra e sai da sala em que o presidente da Câmara se reúne com aliados e diversas autoridades não ficou vazia entre a manhã e o meio da tarde. Por lá passaram deputados e governadores, que já tratavam dos assuntos do segundo semestre no Legislativo — a reforma tributária e a situação de estados e municípios, que acabaram fora da PEC da Previdência.
Apesar de reconhecer uma melhora no relacionamento com o presidente da República, Jair Bolsonaro, nos últimos meses, Rodrigo Maia fez ressalvas à indicação do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o terceiro filho do chefe do Executivo, para embaixada dos Estados Unidos. ”É pessoal. Não vejo problema em nomear um parente. Não sei se nomearia, mas é uma decisão dele, cabe a ele avaliar o impacto e o desgaste da decisão.”
Conhecido pelo bom trânsito entre diferentes grupos na Câmara, Maia está disposto a cumprir promessa de campanha com a bancada feminina sobre a votação da PEC que estabelece cota de mulheres no Legislativo. É, porém, contra a medida por entender que afeta o sistema de representatividade na política.
Leia a entrevista:
HuffPost Brasil: O senhor disse que votou em Bolsonaro. Se arrepende disso?
Rodrigo Maia: Não. Votei na agenda econômica e não me arrependo .
Mas esperava que o governo fosse dessa maneira?
Não esperava nada. Esperava que tivesse uma agenda econômica como a que está colocada, que é a agenda em que eu acredito. O meu voto foi na agenda econômica. Ela está andando. Para mim está de bom tamanho em relação ao meu voto.
Muitos atribuem o andamento da agenda econômica que, em boa parte depende do Congresso, ao senhor…
A mim e a vários deputados e líderes que também acreditaram [na agenda de Bolsonaro]. Eu, apenas por ser presidente, simbolizo isso na Casa, mas é um trabalho coletivo de centenas de deputados. A gente viu pelo resultado [da votação em primeiro turno da reforma da Previdência].
Antes de Bolsonaro ser presidente, o senhor tinha algum contato com ele? Como era?
Normal. Bom colega, bom deputado. Nunca tive problema com ele.
O senhor, como presidente da Câmara e ele deputado, os senhores conversavam? E hoje, como é?
Pouco. Sempre foi pouco. Nunca tive uma grande relação com ele, mas sempre foi uma relação boa e respeitosa. Hoje a gente conversa pouco. Ele tem as atribuições ele. Eu tenho as minhas. Uma agenda atribulada, mas de vez em quando a gente conversa.
Mas há necessidade de um interlocutor com o governo. No discurso do senhor no plenário semana passada, o senhor elogiou o ministro Onyx Lorenzoni [Casa Civil]. Ele é a pessoa que o senhor acredita ser melhor a ponte entre o Legislativo e o Executivo? Com quem o senhor fala melhor no governo?
Com todo mundo, com todos eles. Com a equipe econômica mais, mas tenho uma boa relação com todos os ministros. Com a Tereza Cristina (Agricultura), com o [Luiz Henrique] Mandetta (Saúde), com o Onyx, com o [general] Ramos agora (Secretaria de Governo). Não tenho problema de relacionamento com nenhum dos ministros.
Essa interlocução do Executivo com o Legislativo, que em alguns momentos o senhor criticou, está melhor?
Está melhorando. Ao longo dos últimos 3 meses melhorou bastante. Espero que continue assim.
E a influência dos filhos do presidente…
Normal. Todos com mandato. É normal que tenham influência. Agora, quem dá o limite da influência é o próprio presidente.
Mas a indicação do Eduardo Bolsonaro para a embaixada dos Estados Unidos também é normal?
É uma decisão do presidente. Ele é quem precisa avaliar se é uma decisão correta ou não.
O senhor avalia como nepotismo?
Alguns advogados estão dizendo que não. A princípio, eu achava que pela legislação era. Mas eles estão interpretando que não. Se não é nepotismo e o presidente acha que ele [Eduardo] tem qualidades, cabe ao presidente avaliar o desgaste ou não de uma decisão como essa.
Considerando o perfil do Eduardo, vai ser bom para o País?
Não tem como avaliar. Só o tempo vai dizer. É o deputado mais votado do Brasil. Presidente da Comissão de Relações Exteriores [da Câmara]. Acho que ele pode ter as condições, bem assessorado, de tocar a embaixada. Agora é uma decisão do presidente de nomear um parente. É pessoal.
Não vejo problema em nomear um parente. Não sei se nomearia, mas é uma decisão dele, cabe a ele avaliar o impacto e o desgaste da decisão.
Por que a Câmara decidiu apresentar uma proposta de reforma tributária antes de o governo apresentar a proposta deles?
Porque tínhamos uma proposta que estava madura em grande parte. Os principais economistas defendem a nossa proposta. Não quer dizer que a proposta do Senado não seja boa, nem a do governo. Mas a gente quis dar um pontapé inicial para chamar todo mundo para o debate. E o Senado fez a mesma coisa. Acho que agora tem que ampliar os debates entre as duas Casas para que saia um texto só numa Casa e possa ser respaldado pela outra. O do governo, a gente apensa à nossa, dá mais um prazo para emenda, e acho que dá para avançar de forma convergente com o governo e o Senado.
Tem possibilidade também de apresentação do fim da contribuição patronal para o INSS por parte do governo. Qual a avaliação do senhor? O senhor acha compatível com a reforma da Previdência?
O problema do fim da contribuição patronal é que ela existe para financiar um sistema. Quem va financiar no lugar da contribuição patronal? É isso que precisa ficar claro. Se introduzir a contribuição patronal no IVA (Imposto Sobre Valor Adicional) Nacional, é um custo muito alto, que vai para o consumidor. Não é justo o consumidor financiar um tema que é específico de um sistema de cada uma das pessoas. Então tem que tomar cuidado pra gente não dividir com a sociedade uma responsabilidade que é de um sistema daqueles que estão no sistema de Previdência do Brasil.
Como está a expectativa em relação à votação da PEC da reforma da Previdência do segundo turno? O senhor acha que haverá alguma modificação a partir de substitutivo? E a expectativa do número de votos?
Estou otimista. Acho que temos muitas chances de aprovar o texto que votamos no primeiro turno. Espero que os votos também sejam parecidos. Acho que tem muitas chances.
Em relação à reforma administrativa, como o senhor acha que vai ser possível avançar com medidas impopulares para o alto escalão do funcionalismo?
Impopular porque você vai criar um novo formato, novas categorias, você vai tratar dos novos servidores. Acho que não vai ter problema com os anteriores. Você vai ter que criar um novo modelo de gestão pública, e isso depende do governo federal, que ele encaminhe essa proposta. É exclusivo deles tratar de encaminhar esse assunto.
O senhor falou recentemente que, no âmbito das reformas, seria necessária uma reforma social e citou alguns projetos em relação à revisão de programas, primeira infância. Seriam iniciativas pontuais que estão tramitando, ou há uma ideia de fazer em conjunto?
Estamos fazendo um debate com economistas e técnicos da área de assistência social que estão nos ajudando para podermos, em agosto, construir uma proposta de debate junto com o governo. Para que possamos dar uma colaboração num tema que eu acho que hoje é muito importante. A pobreza aumentou, as desigualdades aumentaram. Precisamos pensar em políticas compensatórias para a sociedade.
Isso é uma tentativa de colocar o Parlamento novamente como protagonista porque é uma agenda que falta no governo?
Acho que o governo tem agendas. Atrasaram, mas estão andando agora. Acho que a Câmara também pode ter uma agenda que não é conflitante, e [elas] vão conversar. Vamos dialogar com o governo para chegar ao melhor texto. O governo tem uma tese sobre saneamento. Estamos avançando agora no saneamento agora e espero que no início de agosto, após a Previdência, possamos aprovar a lei do saneamento. Então a nossa agenda não é contra o governo, mas daquilo que é prerrogativa nossa e que quer ajudar o governo e, principalmente ajudar o Brasil a sair da crise social que o Brasil vive hoje.
Essa agenda social seria uma forma de conciliar problemas de contas públicas e as demandas por serviços públicos da população mais pobre? Seria uma forma de responder a demandas mais imediatas da população?
Você tem muitas políticas públicas que têm foco no social. A gente quer entender e dar ideias de que programas podem ter resultado efetivo melhor para famílias de vulneráveis. Será que posso usar o FGTS? Será que incentivo à cesta básica está no caminho correto ou o recurso fica no meio do caminho? Pensar o que existe e fazer uma proposta que possa ter impacto maior na vida das pessoas. Estudo está sendo feito para que a gente possa tentar avançar nessa linha. A gente fica discutindo áreas econômicas, a modernização do Estado, mas tem que olhar que tem um encaminhamento, nos últimos cinco anos, de perda grande de renda dos brasileiros, aumento do desemprego e da pobreza.
Mas as agendas prioritárias até agora foram a reforma da Previdência e a tributária…
A reforma da Previdência reduz desigualdades. O sistema previdenciário hoje é completamente injusto. Beneficia os que ganham mais em detrimento dos que ganham menos. [Com a reforma] Você está reduzindo desigualdades nesse sistema. Está tirando de quem tem mais e tirando muito pouco de quem têm menos.
Quando você trata da reforma administrativa, está querendo dizer que o Estado brasileiro custa muito para o cidadão. O salário do servidor público hoje é 67% maior que seu equivalente [na iniciativa privada]. Quando você organiza isso, está tirando dinheiro daqui [Brasília] para melhorar a qualidade de vida das pessoas.
Quando você tem um agenda que pega os programas que já existem e propõe algo que pode gerar um impacto melhor na vida das pessoas vulneráveis, você está tratando deles.
Toda reforma de Estado, toda melhoria da eficiência, da qualidade dos serviços públicos, você está cuidando dos mais pobres. O Estado precisa servir aos mais pobres.
No início do ano, a bancada feminina disse que um dos compromissos de campanha do senhor foi pautar a PEC da cota de cadeiras para mulheres no Legislativo. Elas têm intenção de que isso possa valer já para eleições municipais. O senhor acha possível votar já nos próximos meses?
Pode-se votar, mas tem que ver o que elas querem, porque a proposta inicial era uma, mas agora elas querem outra. Mas vamos trabalhar para votar. Votar não tem problema. Eu não gosto de cota, mas se o Parlamento quer, pode.
Por que o senhor acha que cotas não seriam uma boa solução?
Se você fizer um cota de 10%, hoje não vai mais gerar distorção [no número de mulheres no Legislativo]. Mas, se fizer acima do número de vagas de mulher, vai gerar uma distorção, vai ter representantes que não representam de forma efetiva as vagas de parlamentares eleitos. Na verdade é um voto de um cidadão em tese. O número de eleitores dividido por 513 deve dar esse número que é o número [de eleitores] de cada vaga.
Se você puxar demais, vai ter mulheres eleitas com poucos votos, então acaba gerando distorção na representação no Parlamento.
Acho que tem outras políticas que a gente pode fazer que são mais efetivas. A mudança do sistema eleitoral para lista fechada [quando a escolha do deputado eleito cabe ao partido]. Para o crescimento do número de mulheres [na política], isso é muito mais importante do que cota. Na lista fechada aumenta a participação da mulher. É um dado da realidade. É mais importante que cota [de cadeiras], é mais legítimo. Mas, se a bancada feminina quer votar a PEC de cota, não tem problema a gente votar.
Tem alguma outra demanda da reforma política que o senhor acredita que pode avançar até a eleição municipal?
Acho que a gente já fez a grande reforma que é o fim de coligação. Tenho medo que a gente entre em um debate e acabe voltando com a coligação, que foi o que gerou mais de 20 partidos no Brasil. Acho que tem que tomar cuidado, porque já foi feita uma boa reforma. A gente fica insistindo em fazer reformas em cima de reformas de temas, que eu acho que já tiveram uma boa solução, só para dizer que fez. O risco de fazer uma reforma política, que não é pequeno, é desfazer esse benefício, que foi grande para a política brasileira, que foi o fim da coligação, que vai gerar uma redução drástica de partidos em 2022.
Em relação à criminalização da homofobia, quando o assunto foi discutido no STF, o presidente Dias Toffoli chegou a dizer que poderia tirá-lo de pauta se o Legislativo avançasse com a proposta, o que acabou não acontecendo. Não há nenhum direito LGBT que veio do Legislativo nos últimos anos. O senhor acredita que seria possível algum avanço nesta legislatura?
Acho que a gente vai ter que legislar. Quando o Supremo inventou um tipo penal, fez algo que não deveria, do meu ponto de vista, mas eu respeito. Então cabe ao Parlamento legislar sobre esse tema. A gente deve legislar no segundo semestre.
Quando o senhor fala que esse assunto deve voltar a ser discutido na Câmara, deve ser para manter o entendimento do STF? Para definir se seria crime só em casos de homicídio, se incluiria injúria?
Se a gente acha que [homofobia] devia ter sido por lei, é melhor que a Câmara aprove uma lei. Não tem como não manter o entendimento a não ser que seja por emenda constitucional. Se a gente quer legislar por lei apenas a única coisa que a gente pode fazer é regulamentar. O texto eu não sei.
Essa questão do Supremo legislar é sempre polêmica…
São temas que estão represados no Legislativo por algum motivo. Não legislar é uma decisão. Quando eles legislam em temas que estão represados no Parlamento, são temas às vezes mais polêmicos, que geram um ambiente de mais divisão dentro da Câmara.
O presidente Jair Bolsonaro editou vários decretos. E ao mesmo tempo disse que o Congresso não o deixa trabalhar. É estratégia ou falta habilidade de diálogo com o Parlamento?
Não sei, mas ele não editou mais decretos que nenhum outro governo. Tudo muito parecido. Ele editou um decreto inconstitucional das armas. Esse o Senado derrubou. Depois ele cancelou. A nossa preocupação não é o número de decretos. É a constitucionalidade ou inconstitucionalidade porque, quando é inconstitucional, fere a prerrogativa do Legislativo. O mérito é um direito dele. Foi eleito de forma legítima, dentro do arco de leis no Brasil.
O senhor, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, e o presidente Bolsonaro firmaram um pacto dos Três Poderes. Por que não foi para frente?
Não. Nunca teve pacto. Nunca existiu. Existiu uma proposta do governo, que não foi conversada antes. Foi divulgada antes de ser debatida. Nasceu morta por esse motivo.
Os pactos que as instituições podem assinar são os que têm uma relação com o Estado, com a República, não com a agenda eleitoral do presidente. O que o Onyx encaminhou era uma agenda mais voltada para o governo do que uma agenda de Estado. Aí é impossível o presidente da Câmara, do Senado, do Supremo assinar algo que tem um viés do Executivo e não de nação.
Faz sentido o Supremo estar nesse pacto, considerando a função dele no equilíbrio dos Três Poderes?
Já tivemos outros pactos com temas específicos que não atingiam a ideologia, a agenda de A ou de B. Assim é claro que todos podem assinar. Agora nem a Câmara pode assinar um pacto que represente só um lado porque a Câmara é a representação de toda a sociedade.
Voltando à reforma da Previdência e à articulação, muitos dizem que o senhor reuniu um poder e uma liderança que cacifam o senhor para 2022. Claro que a eleição está longe, tem algumas reformas a liderar… Mas quais são os planos do senhor até lá?
Continuar reformando e modernizando o Estado. Quero passar a Presidência da Câmara tendo cumprido essa agenda, que acho que é fundamental para o Brasil. Ter uma agenda que de fato possa ter um foco nos brasileiros mais pobres.
Concorda que cacifa o senhor para 2022?
Não. Presidente da Câmara não é um cargo que naturalmente te coloque numa eleição majoritária. Poucos foram os presidentes da Câmara que conseguiram ter êxito majoritário depois da presidência da Câmara. Não é um ambiente tão simples assim.
O senhor e o presidente Davi Alcolumbre construíram uma relação que há muito não se via entre os chefes do Legislativo brasileiro. Abriram até uma porta no muro que separa as residências oficiais. Como foi construída essa relação? É uma forma de fortalecer o Legislativo?
A gente já tem essa relação há muitos anos, de amizade, de ser do mesmo partido. O Davi é um cara especial, cumpridor de palavra. Está sendo um grande presidente. Isso favorece o diálogo, a proximidade e ter um agenda em conjunto, que espero que a gente consiga construir no segundo semestre pra frente.
Esse primeiro semestre foi bastante movimentado, o senhor trabalhou muito e, em alguns momentos, chegou a se emocionar, como na posse, no primeiro turno da votação da reforma da Previdência. Foram momentos de alívio? O que o senhor sentiu na hora?
Quando a gente faz algo que a gente acredita que está fazendo o bem para a sociedade, como a reforma da Previdência, ou quando a gente tem uma vitória que tem a confiança de centenas de deputados para presidir mais uma vez a Câmara, é um momento em que a gente tem muita alegria. E sou daqueles que mostram para todos a emoção que estou sentindo naquele momento. Outros conseguem controlar. Eu não consigo. Sou um cara que nas vitórias, nos momentos positivos tenho… Eu acho que é uma virtude de mostrar para a sociedade, para os meus pares, a alegria e a emoção de ter o apoio de cada um deles.
O senhor também é um cara muito conectado. Deve ter visto as figurinhas do senhor que estão circulando no Whatsapp. Está se divertindo com elas?
Algumas, né?! [risos]
Não gostou de algumas?
Não, eu gostei. Só de ter já está bom.