Conversar significa “ficar às voltas com”. Em uma conversa não precisamos necessariamente concordar ou chegar ao mesmo entendimento. Mas o ato em si da conversa é civilizador. O poder da conversa pode ser exemplificado pelo belo “Livro sobre nada”, de Manoel de Barros. Nesta obra o poeta disse que se divertia na infância inventado brinquedos com as palavras. Juntamente com seu irmão e avô eles inventavam “coisas desúteis” como um “alarme para o silêncio”, um “abridor de amanhecer” e um “parafuso de veludo”.
As conversas literalmente viabilizaram a civilização. Afinal, o ser humano é eminentemente social e a comunicação é o sustentáculo da sociedade. Através dos processos comunicativos, o ser humano desenvolve ideias sobre a realidade, sobre os outros, sobre si, e constrói o mundo. Na comunicação interpessoal é comum a existência de barreiras, ruídos que atrapalham ou bloqueiam por completo a fluidez das trocas comunicacionais. Tradicionalmente as barreiras na comunicação podem ser físicas, culturais, pessoais ou psicossociais. A permanência das barreiras gera uma situação de incomunicabilidade.
Assusta hoje a incomunicabilidade como tomada de posição. Se por um lado as barreiras na comunicação fazem parte dos processos comunicativos, por outro lado, a incomunicabilidade como tomada de posição inviabiliza a coexistência das pessoas em sociedade. O eminente jurista Piero Calamandrei, por exemplo, escreveu um texto clássico chamado “Eles, os juízes, vistos por nós, os advogados” para explicar a importância de uma comunicação honesta e respeitosa entre juízes e advogados: “Juiz que falta ao respeito devido ao advogado, ignora que beca e toga obedecem à lei dos líquidos em vasos comunicantes: não se pode baixar o nível de um, sem baixar igualmente o nível do outro”.
Assumir a incomunicabilidade como conduta é subverter o fundamento de qualquer sociedade entre as pessoas. A atrofia comunicacional leva o sujeito a jamais pedir licença a ninguém, a ser incapaz de respeitar tanto os processos históricos que nos trouxeram até aqui, como as demandas e necessidades contemporâneas. Sem conversa, tudo é negócio, tudo é política, tudo é briga, e o ser humano é esmagado pelo pragmatismo. Diversos teóricos da comunicação, sociólogos, educadores observam tal postura sobretudo nas jovens gerações. O filósofo Umberto Galimberti, por exemplo, no ensaio “Os vícios capitais e os novos vícios” afirmou: “talvez o Ocidente não desapareça por não deter os processos migratórios contra os quais todos gritam, mas por não ter atribuído sentido e identidade e, portanto, por ter jogado fora suas próprias jovens gerações”.
Comunicação autêntica é bem de interesse de todos. Insistir na incomunicabilidade é cair em relações irracionais e impositivas. A sociedade fica sujeita à ditadura de emoções distorcidas. Reações emocionais tendem a brotar da ignorância dos fatos, ou são o resultado da seleção de fatos que se ajustam à própria causa. É necessário reafirmar a centralidade da comunicação no debate público brasileiro, o que implica em sairmos de bolhas incomunicáveis. Como disse Noemi Jaffe, “tudo está nas palavras, incluindo eu e você”.