Nos últimos cinco anos, segundo dados da Polícia de Portugal, mesmo com o alto valor de multa, conforme Henrique Magalhães Claudino, da CNN, só quatro pessoas foram multadas por urinar nos espaços públicos na capital do país. Apesar disso, é comum os moradores tropeçam em papel higiénico nas ruas e se queixarem do cheiro intenso pela manhã.
O cenário é desagradável e preocupante, mas repete-se em várias ruas de Lisboa, em especial naquelas em que há aglomerados de bares e discotecas, como no Bairro Alto e Cais do Sodré. É comum os moradores destes bairros saírem de casa pela manhã para irem trabalhar e sentirem vestígios da noite anterior. “Entre os espaços do carro tropeçamos em papel higiénico e em tampões e nas portas dos prédios ou a descermos as ruas o cheiro é muito, é demasiado intenso,” descreve Isabel Sá da Bandeira, que faz parte da “Aqui Mora Gente”, uma associação de moradores da freguesia da Misericórdia.
A urina nos espaços públicos viola o princípio da qualidade de vida da Organização Mundial de Saúde e, em Lisboa, pode dar multas que chegam aos 1500 euros (ou mais de R$ 8 mil), mas, quase ninguém é autuado. Nos últimos cinco anos, de acordo com dados avançados à CNN pela Polícia de Lisboa, só foram registadas quatro contraordenações por urinar em espaços públicos. Duas em 2018 e outras duas em 2021. Este ano, não se verificou ainda nenhuma multa.
Os dados deixaram Isabel Sá da Bandeira estupefacta. “É um número que parece difícil de imaginar, quando temos milhares e milhares de pessoas cheias de cerveja na noite do Cais do Sodré e do Bairro Alto e que, porque os estabelecimentos não têm casa de banho ou não permitem a sua entrada, se aliviam em qualquer lado”, diz Isabel Sá da Bandeira, admitindo que não tem esperança que a polícia fiscalize este tipo de atitudes, uma vez que “não multa coisas que são bem mais graves”, “como o ruído e a música que vem dos bares já depois das 11 da noite”.
Segundo Henrique Lopes, professor de Saúde Pública, os riscos para a saúde relativamente à urina em espaços públicos têm de ser acautelados por quem autoriza a colocação dos espaços de diversão noturna. Por isso, o especialista, considera que as autoridades devem encontrar soluções para que os moradores não sejam perturbados. Até porque, frisa, “a urina nos espaços públicos viola o princípio do bem-estar da Organização Mundial da Saúde (OMS), que é infringido claramente quando uma pessoa sai de sua casa e vê urina ou alguém a urinar perto de si”.
Para além de violar um princípio da OMS, urinar na rua infringe a lei, como explica à CNN Portugal o advogado Emanuel Proença, acrescentando que, de todos os distritos, “Lisboa é o mais gravoso no que diz respeito ao valor das sanções aplicáveis”. Na capital, a multa varia entre os 150 e os 1500 euros. Na lista dos locais com multas mais pesadas está também Leiria e Funchal. Na primeira, o regulamento da Câmara Municipal de Leiria constitui contraordenações que variam entre os 50 e os 500 euros e no Funchal o valor pode chegar aos 250 euros.
Mas o que pode levar alguém que urine na rua a ter de pagar a coima máxima? “Não é pela quantidade de dejetos”, brinca o advogado, “mas pelo próprio contexto em si: se perturbou mais ou menos o agente fiscalizador”, afirma.
As razões para não haver multas
Quanto ao motivo que tem levado a que praticamente ninguém seja multado nos últimos anos, Emanuel Proença acredita que pode estar relacionado com três fatores. “Por um lado, o agente pode preferir ter um papel pedagógico, por outro pode existir um certo desconhecimento por parte de quem fiscaliza. E por fim, havendo base legal para proceder, fará sentido usar meios e diligenciar para chegarmos a uma fase judicial por isso?”, questiona também o advogado.
Na mesma linha, o investigador Henrique Lopes também defende que o “excesso de fiscalização “não muda este tipo de comportamentos”. Para o médico, a solução passa por perceber como outras cidades europeias lidaram com este problema. E dá o exemplo da Câmara de Paris que tinha um grande problema de cheiro a urina na zona do Quartier Latin, um bairro com muitos bares e restaurantes. A forma como as autoridades lidaram com o assunto foi “criativa”, diz, explicando: “Pintaram as paredes até metro e meio com tinta transparente que salpica ao levar com substâncias líquidas. O que aconteceu foi que, não só a urina não agarrava à parede, como a pessoa que urinava ficava toda salpicada. Tornou-se de tal forma incomodativo que esta questão melhorou bastante”.
Portugal tem de “olhar para estas coisas”, sugere o investigador, sublinhando que outra solução para o cheiro a urina nas ruas pode passar por implementar “balneários e urinóis, como há nos festivais de músicas, perto das zonas de bares”. “É um não investimento e ajuda muito”.